Goiás intensifica produção da valiosa Baunilha do Cerrado
27 outubro 2024 às 00h00
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O cerrado goiano, já reconhecido pela produção de vinhos de alta qualidade, agora revela uma nova faceta surpreendente: a produção de baunilha. Originária da América Central, a orquídea de baunilha é cultivada no Brasil desde a década de 1950, com destaque para regiões como Bahia, Pará, Espírito Santo e Goiás. Contudo, é em Madagascar que se concentra o epicentro global desse mercado, que movimenta cerca de 3 mil toneladas anuais, abastecendo indústrias de alimentos, cosméticos e fragrâncias ao redor do mundo.
Considerada uma das especiarias mais valiosas, a baunilha perde apenas para o açafrão espanhol em termos de preço. No entanto, a Baunilha do Cerrado, com suas vagens maiores e mais encorpadas, está se destacando como uma forte concorrente. Com um aroma marcante, floral e adocicado, essa variedade se tornou uma verdadeira joia rara do bioma cerrado.
A baunilha, ingrediente presente na culinária há mais de quatro séculos, provém de uma espécie específica de orquídea chamada Vanilla. Embora a família das orquídeas possua mais de 20 mil espécies, apenas cerca de 150 são variedades de orquídeas de baunilha. Mesmo assim, a baunilha se destaca como o único produto comestível dessa vasta família.
O principal composto responsável pelo aroma característico da baunilha é a vanilina, amplamente utilizada na gastronomia e na fabricação de produtos farmacêuticos. Além da vanilina, a baunilha contém outros compostos como taninos, ácido vanilil etílico, gorduras, resinas, ceras, cinamato, álcool etílico, fermentos, açúcares e furfurol.
Esse ingrediente versátil é usado como condimento em delícias como sorvetes, chocolates, pudins e bolos, além de ser incorporado em licores e outras bebidas. A indústria farmacêutica também aproveita a função aromatizante da planta para a produção de xaropes. Vale destacar que a planta demora até cinco anos para dar fruto, e é bastante visada por macacos e pássaros, por seu aroma forte.
A iguaria tem vários usos, tanto culinários quanto medicinais e aromáticos. Veja alguns dos principais:
1. Culinária:
- Aromatizante: A baunilha é amplamente usada como aromatizante em sobremesas, bebidas e confeitaria. É comum em sorvetes, bolos, biscoitos, chocolates, cremes e bebidas como milkshakes.
- Essência: A essência de baunilha, feita a partir de extrato natural ou artificial, é utilizada para dar sabor a uma grande variedade de pratos.
- Equilibrar sabores: Além de adicionar um sabor doce, a baunilha ajuda a suavizar sabores fortes e equilibrar o paladar de receitas.
2. Perfumes e cosméticos:
- O óleo essencial de baunilha é um ingrediente comum em perfumes, loções e produtos de cuidados pessoais devido ao seu aroma adocicado e reconfortante.
3. Medicinal:
- Antioxidante: A baunilha contém compostos antioxidantes que ajudam a neutralizar radicais livres no corpo, potencialmente prevenindo o envelhecimento precoce e doenças relacionadas ao estresse oxidativo.
- Calmante: O aroma da baunilha é conhecido por ser calmante, podendo ajudar a aliviar o estresse, ansiedade e promover o relaxamento.
4. Usos domésticos:
- Pode ser usada para neutralizar odores no ambiente, deixando o ar com um cheiro agradável e doce.
Esses são alguns exemplos de como a baunilha é apreciada em diferentes áreas.
A produção no cerrado, que até pouco tempo atrás se limitava às plantas nativas, tem se intensificado nos últimos cinco anos com o cultivo em viveiros e agroflorestas. Nesse contexto, destacam-se algumas localidades em Goiás, como Chapada dos Veadeiros, Cidade de Goiás, Senador Canedo, Itapirapuã, Nova América e Cocalzinho de Goiás, onde os produtores começaram a cultivar baunilha.
De acordo com especialistas, existe um déficit mundial dessa especiaria, e o Brasil possui potencial para se tornar um grande produtor, uma vez que abriga a maior diversidade de espécies do mundo, com 40 delas reconhecidas e catalogadas como baunilhas brasileiras. Atualmente, cerca de 97% da baunilha consumida globalmente é artificial e não possui origem pura. Esse percentual aumentou, especialmente após um furacão em 2000, que danificou diversas plantações de baunilha em Madagascar, resultando em um aumento nos preços.
No Brasil, a chamada baunilha do Cerrado é cultivada a partir de belas orquídeas amarelas, cujas vagens são significativamente maiores do que as africanas. Essa variedade, conhecida como “baunilha-banana” devido ao seu tamanho e aparência semelhantes à de uma banana, destaca-se pelo aroma intenso, floral e levemente adocicado.
O trabalho de extração da baunilha do Cerrado, realizado pelas comunidades quilombolas em Cavalcante, na região Norte de Goiás, atraiu a atenção de um dos chefs mais renomados da atualidade, Alex Atala. À frente do Instituto Atá, o chef e outros pesquisadores da biodiversidade brasileira buscam desenvolver parcerias com comunidades extrativistas para orientar o manejo sustentável e facilitar a difusão dos produtos extraídos em importantes mercados.
Devido ao crescimento do cultivo da baunilha em Goiás, o Jornal Opção conversou com especialistas e produtores que avaliaram o potencial e o futuro promissor da baunilha cultivada em diversas regiões do estado.
Maurízia de Fátima Carneiro, bióloga e doutora em produção de plantas da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Goiás (Emater-GO), explica que o clima do cerrado é favorável à multiplicação da baunilha (Vanilla), tanto da orquídea nativa quanto das variedades vindas do México e Madagascar. “Essas plantas precisam ser cultivadas em ambientes sombreados, pois são de sombra. O trabalho é realizado em telados ou em consórcio com outras plantas, considerando que são trepadeiras”, diz ela.
Maurízia destaca que o cultivo da baunilha é mais voltado para pequenos e médios produtores devido a algumas peculiaridades da planta, como o manejo manual. Nesse contexto, a baunilha está sendo produzida principalmente na agricultura familiar. “A flor precisa ser polinizada manualmente, uma a uma, e vale ressaltar que ela permanece aberta por um curto período. Ela floresce pela manhã e, por volta do meio-dia, já se fecha. Normalmente, esse trabalho envolve toda a família”, explica.
Outro ponto a ser considerado, segundo Maurízia, é que o processo de cura da fava leva tempo, ou seja, ainda é totalmente artesanal. Em Goiás, a produção é pequena e realizada manualmente. Maurízia ressalta que a presença de um técnico é necessária para orientar o produtor sobre o manejo adequado da baunilha.
Ela também observa que a procura por mudas de baunilha para fins comerciais tem crescido. “Ela é muito tentadora, pois uma fava custa em média R$ 50, e as pessoas estão descobrindo que pode ser uma excelente fonte de renda”, comenta.
Além disso, Maurízia destaca que renomados chefs de cozinha estão encantados com a baunilha do cerrado, especialmente as variedades nativas. A especialista enfatiza que é importante lembrar que nem todas as baunilhas são adequadas para alimentação; algumas são utilizadas apenas para ornamentação, uma vez que pertencem à família das orquídeas.
Fernando Souza Rocha, pesquisador da Embrapa Cerrados e doutor em Botânica, esclarece que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) iniciou os trabalhos com baunilha em 2019, na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, no Distrito Federal, através das pesquisas do Dr. Dijalma Barbosa da Silva. Na época, o projeto ainda era um experimento de cultivo, com 28 plantas de cinco espécies.
Em 2021, a equipe da Embrapa Cerrados uniu esforços para enriquecer o Banco Ativo de Germoplasma de baunilhas brasileiras, que atualmente conta com mais de uma centena de plantas de cerca de 15 espécies, coletadas em diferentes biomas e estados brasileiros. “Atualmente, estamos explorando possibilidades para ampliar a coleção com coletas adicionais na Região Norte do Brasil, além de coletas pontuais nas regiões Centro-Oeste e Sudeste.”
O pesquisador destaca que os principais usos da baunilha se concentram nas indústrias de alimentos e aromas, onde estão registrados mais de 18 mil produtos que contêm aroma de baunilha. “Embora existam alguns estudos sobre outros usos e propriedades, eles ainda são incipientes e necessitam de mais pesquisa”, avalia.
De acordo com Fernando Souza, o que chamamos de baunilha, ou “bunina”, como essas espécies são conhecidas popularmente no interior, refere-se a um conjunto de espécies de orquídeas do gênero Vanilla. Embora associemos essas espécies ao aroma de baunilha, a maior parte do gênero é composta por espécies que não são aromáticas. Ele afirma que, até o momento, foram confirmadas cinco espécies aromáticas no cerrado goiano, além de uma espécie não-aromática, totalizando seis espécies.
O pesquisador ressalta que espécies de baunilha podem ser encontradas em todos os estados brasileiros. As duas espécies mais comuns no cerrado, Vanilla pompona e Vanilla phaeantha, também são amplamente distribuídas pelo território nacional.
Fernando Souza faz alguns alertas quanto ao manejo da baunilha. Ele enfatiza que, ao falarmos sobre baunilha, especialmente no contexto brasileiro, é preciso considerar uma série de espécies diferentes, cada uma com suas particularidades e especificidades. “De modo geral, é um cultivo laborioso que demanda atenção por parte do produtor ao longo de todo o processo, desde a escolha das mudas até o processamento dos frutos.”
O pesquisador também informa que as baunilhas se multiplicam vegetativamente muito bem, mas essa característica as torna suscetíveis a diversas pragas e doenças que podem ser transmitidas durante a multiplicação, especialmente fungos e viroses. “Portanto, o primeiro cuidado que o produtor deve ter é escolher mudas saudáveis e de boa procedência. Ao multiplicar esse material, é fundamental tomar os devidos cuidados de assepsia, evitando o compartilhamento de ferramentas, como tesouras de poda, entre plantas sem a devida higienização prévia.”
Ele explica que, se a polinização for bem-sucedida, em alguns meses — geralmente entre 6 e 9, dependendo da espécie — o agricultor terá favas prontas para a colheita. Após a colheita, o fruto precisa passar por um processo de cura para que os aromas sejam liberados. “É preciso ter paciência”, sugere.
Fernando Souza observa que há uma demanda crescente por mudas, mas é importante ressaltar que a Embrapa não disponibiliza mudas e, até o presente momento, ainda não lançou material selecionado de nenhuma das espécies. “Estamos avançando nas pesquisas para fazer isso o mais brevemente possível, mas é um processo de seleção demorado. Paralelamente, os produtores estão se organizando em associações e se apoiando mutuamente. Aqueles que desejarem se aprofundar podem buscar assistência junto às Emater estaduais”, conclui.
Aromatizantes e perfumaria
Elionara Hoehne, 44 anos, mineira residente em Brasília, é aromaterapeuta e perfumista botânica. Ela possui estudos e prática com ênfase na psicoaromaterapia, que utiliza óleos essenciais para lidar com emoções e sentimentos, além de auxiliar na transformação pessoal.
Elionara estuda aromaterapia há mais de oito anos e, desde 2019, fez uma transição de carreira para trabalhar com aromaterapia e perfumaria personalizada. “Minha caminhada aromática me levou ao encontro das baunilhas brasileiras, que cultivo no cerrado goiano e são a principal planta presente na formulação dos meus perfumes”, afirma.
Ela ressalta que trabalhou por mais de 20 anos como gestora empresarial, mas, durante a pandemia, decidiu mudar de rumo e se envolver diretamente com a perfumaria botânica. Elionara lembra que herdou o gosto pelas plantas de seu tio bisavô, Frederico Carlos Hoehne, um mineiro de Juiz de Fora, filho de imigrantes alemães. Ele foi biólogo, idealista, ambientalista, entusiasta da natureza e fundador do Jardim Botânico de São Paulo.
Elionara destaca que seu tio bisavô era um estudioso das orquídeas, incluindo as orquídeas baunilhas. “Na perfumaria botânica, trabalhamos com extratos e tinturas de plantas, e a baunilha é uma delas. Foi assim que me envolvi diretamente com a baunilha”, diz.
Ela descreve que a baunilha é uma das especiarias mais caras do mundo e geralmente é usada em perfumes sensuais e envolventes, que evocam o lado mais amoroso, calmante e afrodisíaco. “Hoje, tenho em minha coleção cerca de seis ou mais perfumes desenvolvidos com baunilha.” Elionara observa que o mercado é bastante rentável, pois existe um público que consome e outros que, por falta de conhecimento, precisam ser conquistados, o que revela um grande potencial.
A perfumista afirma que compra as baunilhas de produtores do cerrado, incluindo os kalungas de Cavalcante. No entanto, ela enfatiza que se mudou para uma propriedade rural, onde plantou algumas mudas e, em breve, colherá suas próprias baunilhas.
Elionara será uma das palestrantes de um workshop sobre baunilha que acontecerá em novembro na cidade de Nova América, em Goiás. Sua palestra abordará o uso das baunilhas na perfumaria botânica.
Baunilha e a gastronomia
A baunilha do Cerrado tem uma relação forte com a história de cidade de Goiás, também conhecida como Goiás Velho. Na cidade, ela é mais usada como planta medicinal, bastante requisitada para tratamento de tosses e pneumonia, em chás e xaropes e em rituais religiosos.
Pode ser encontrada apenas em áreas específicas de matas próximas à Serra Dourada, e poucos apanhadores que vivem em chácaras na região, conseguem localizá-las e vendê-las. Alguns moradores têm a planta em casa, em quintais, mas para consumo na própria família ou venda de xaropes.
Cláudia Nasser, gastróloga residente em Brasília, é mestre em turismo e pesquisadora de baunilhas brasileiras. Ela destaca que a baunilha é amplamente utilizada na gastronomia mundial, conferindo um toque especial a receitas como sorvetes, cremes e folhados, além de ser utilizada em pratos de carne, como peixes e porco. Para sua dissertação, Cláudia focou no consumo de baunilhas na Cidade de Goiás.
“Estava em busca de um tema para a minha dissertação quando participei de um seminário sobre o bioma cerrado. Um empresário comentou sobre as baunilhas, e esse assunto me despertou interesse. Ele mencionou que os chefs de cozinha não precisavam importar baunilhas do México ou Madagascar, pois o Brasil possui uma grande variedade delas”, relata.
Cláudia sublinha que, ao chegar em casa, decidiu pesquisar sobre as baunilhas brasileiras e ficou surpresa ao descobrir que elas estavam bem próximas de sua residência. Ela observa que até então nenhum curso de gastronomia abordava as baunilhas nativas. Ao decidir estudar o tema, uma professora informou que na cidade de Goiás a baunilha poderia ser encontrada até mesmo no mercado, o que levou Cláudia a iniciar suas pesquisas na região.
“Descobri que as pessoas utilizam a baunilha há mais de 200 anos, e ela faz parte da cultura alimentar local. Notei que sempre foi usada para fins medicinais pelos indígenas, pelos portugueses e pelos escravizados, que a incorporavam em seus rituais”, cita Cláudia.
Ela ressalta que a baunilha sofreu sua primeira mudança de uso com a chegada dos portugueses, passando de um uso exclusivamente medicinal e ritual para a inclusão na doçaria. “Isso foi confirmado quando tive acesso aos cadernos de receitas de Cora Coralina, que foram herdados de sua bisavó e continham a baunilha entre os ingredientes.”
De acordo com Cláudia Nasser, a segunda transformação da baunilha ocorre quando ela se destaca na cena gastronômica por meio dos festivais em cidades como Pirenópolis e Goiás. “Essa mudança foi impulsionada pelo chef dinamarquês Simon Lau, que vive no Brasil há muitos anos. Ele comprou algumas favas na Cidade de Goiás, inicialmente cético quanto à sua autenticidade. No entanto, ao perceber que eram reais, ficou encantado e começou a usá-las em seu restaurante em Brasília, deixando de lado as importadas.”
Entretanto, Cláudia explica que a baunilha brasileira ganhou notoriedade quando Simon Lau foi convidado para um evento em São Paulo. Na ocasião, ele levou algumas favas e um pedaço da planta, e, ao preparar os pratos com essa baunilha, todos os chefs presentes ficaram maravilhados com o aroma. “Todos começaram a perguntar que baunilha era aquela, e ele respondeu que era do Brasil. Naquele momento, ele percebeu que ninguém a conhecia ainda”, enfatiza.
A partir desse evento, o interesse de outros chefs pela baunilha brasileira cresceu. Cláudia observa que a baunilha ainda é considerada uma iguaria, pois a produção não é suficiente para atender ao mercado. “Até 2017, ela era encontrada apenas na forma de extrativismo. Somente a partir de 2019, algumas pessoas na região do cerrado, em Brasília e nos arredores, começaram a se organizar para produzir baunilha. Essa novidade de utilizar não apenas as nativas é muito recente”, conclui.
Produtores e cooperativismo
Márcio Antônio Alves é produtor de baunilha na cidade de Itapirapuã, em Goiás. Ele começou a plantar baunilha há cerca de seis anos, sendo pioneiro nesse ramo no estado. Inicialmente, Márcio começou por curiosidade, mas logo percebeu que era um ótimo negócio. “Na minha opinião, é uma das culturas mais rentáveis que existem, pois o valor de mercado é muito bom e há um déficit de produção no Brasil. Então, é um negócio bastante promissor”, afirma.
Atualmente, Márcio possui mais de 2 mil plantas, mas apenas cerca de 600 estão em produção por enquanto. Ele ressalta que a maioria são plantas nativas, embora também tenha algumas variedades mexicanas que, segundo ele, se adaptaram bem ao clima do cerrado. “Confesso que, mesmo com uma produção pequena, consigo cobrir as despesas do sítio e ainda sobra uma boa quantia.”
Márcio pretende aumentar sua produção para cerca de 10 mil mudas até o próximo ano, o que pode resultar em uma produção de três toneladas de favas curadas. Ele destaca que consegue vender a baunilha a R$ 5 o grama e fornece principalmente para o Rio de Janeiro e São Paulo, onde há muitos restaurantes. No entanto, Márcio revela que o maior mercado para a baunilha se concentra na indústria de perfumaria e cosméticos. “É um mercado gigantesco que ainda está engatinhando devido à falta de produção”, observa.
Guilherme dos Santos Rosa, kalunga e residente no município de Cavalcante, relata que a região já contou com uma abundância de baunilha nativa, mas, ultimamente, essa espécie quase está em extinção devido a incêndios e à falta de conhecimento da população, que corta as plantas para cultivar roças. “No meu caso, estou trabalhando com a baunilha em agrofloresta, pois essa prática tem se mostrado mais eficaz na região”, explica.
Ele menciona que a baunilha sempre foi utilizada por seus ancestrais com fins medicinais, em chás para tratar ansiedade, dores diversas e inflamações, entre outras finalidades. Embora consiga vender a baunilha a R$ 5 o grama—considerando que uma fava pesa, em média, entre 8 e 18 gramas—Guilherme garante que não é viável sobreviver apenas da comercialização desse produto.
Segundo ele, a demanda ainda é muito baixa. “Eu tenho clientes que compram sete favas, por exemplo, mas isso pode durar um ano ou mais. Não consigo vender toda a nossa produção. Para se ter uma ideia, tenho favas do ano de 2023 que ainda não foram vendidas”, lamenta. No entanto, Guilherme informa que possui uma fabricação própria de açúcar de baunilha, que tem boa aceitação no mercado local.
Gino Suzano é engenheiro agrônomo e decidiu produzir baunilha em seu sítio na cidade de Senador Canedo. Atualmente, ele se dedica exclusivamente à produção de baunilha. Gino revela que começou o cultivo há três anos por curiosidade, sem a intenção de comercializar, mas espera obter uma boa rentabilidade. O produtor está preparando uma segunda parte do sítio, onde pretende expandir o plantio.
Cocalzinho de Goiás, localizada no entorno de Brasília, faz parte da Rota dos Pirineus e tem se destacado na produção de queijos e vinhos no cerrado. Agora, a região está expandindo sua produção para incluir baunilha.
Cerca de 14 produtores se organizaram e formaram a cooperativa Cooaspi, que está inovando ao investir no cultivo da baunilha do cerrado, uma cultura com grande potencial de mercado. Sirlei de Paula, cooperada da Cooaspi e atual presidente da cooperativa, ressalta que a intenção dos cooperados é se unir a outros grupos regionais para criar uma agroindústria. Ela destaca que a baunilha possui alto valor agregado e que é possível cultivá-la em pequenas propriedades de agricultura familiar. “O valor do grama da baunilha pode ser superior ao da prata”, afirma.
A cooperativa recebe acompanhamento do Sistema OCB/GO, por meio do Programa Negócioscoop, uma iniciativa da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Este programa tem como foco modernizar, aprimorar e tornar as cooperativas ainda mais competitivas. “A ideia é direcionar soluções, fortalecer a organização social e as ferramentas de gestão, para que consigam aumentar a receita e explorar novos mercados, inclusive internacionais”, afirma Rodolfo Barreto, analista de cooperativismo do Sistema OCB/GO, responsável pelo setor de agricultura familiar.
A produção de baunilha na Cooaspi é realizada por 14 cooperados, com o apoio técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Sirlei de Paula explica que todos os produtores têm acompanhamento técnico. “Contamos com a parceria da OCB/GO e do SESCOOP/GO, que oferecem qualificação e capacitação. Já iniciamos o trabalho, fizemos o diagnóstico da cooperativa e estamos desenvolvendo as próximas etapas”, aponta Sirlei.
Com o apoio do Sistema OCB/GO, a cooperada Sirlei vê um futuro promissor para o cultivo em Cocalzinho de Goiás. “Com a assistência de um técnico especializado em fruticultura e a formação de novos profissionais, nossa capacidade de crescimento e produção de baunilha está aumentando significativamente. O primeiro grupo de baunilha foi iniciado há mais de um ano, e uma planta de cinco anos já está produzindo frutos. As outras plantas ainda não frutificaram, mas devem começar a florescer no início do próximo ano”, afirma.
A Cooaspi planeja não apenas vender a baunilha in natura, mas também conquistar um mercado externo e se tornar um polo de referência no Estado de Goiás. A iniciativa visa alavancar o desenvolvimento regional e melhorar a qualidade de vida da população.
O presidente da OCB-GO, Luís Alberto, destaca que o apoio se dá em parceria entre o Sistema OCB/GO, o Senar e o Sebrae. A OCB/GO trabalha a gestão da cooperativa e o mercado por meio do Programa Negócios Coop, enquanto o Senar oferece assistência técnica aos produtores e o Sebrae atua em consultorias específicas. Luís Alberto enfatiza que este programa está sendo aplicado em outras cooperativas de agricultura familiar no estado de Goiás.
“A baunilha tem um alto valor agregado e um grande mercado, tanto nacional quanto internacional, especialmente porque sua produção ocorre em pequenas propriedades, tornando-se, assim, um produto escasso”, explica.
Sirlei de Paula reitera que a baunilha cultivada no cerrado é pouco conhecida, mas possui um perfume diferenciado e natural, ganhando reconhecimento na culinária brasileira. “Ao contrário de muitas baunilhas disponíveis no mercado, que contêm compostos químicos derivados do petróleo, a baunilha do cerrado oferece uma alternativa natural”, afirma.
Chefs de cozinha no Brasil estão explorando a baunilha em diversas aplicações culinárias, como chocolates, refrigerantes, sorvetes, pratos salgados e sobremesas. Empresas como a Cacau Show estão desenvolvendo projetos para incorporar baunilha em seus produtos de chocolate. Além de seu uso na alimentação, a baunilha do cerrado está sendo utilizada em produtos cosméticos e explorada por suas possíveis propriedades medicinais.
Uma das produtoras da Cooaspi, Maria do Carmo Maciel, relata que, há um ano, assistiu a uma palestra com o analista do Senar, Saulo de Araújo. “Achei uma ótima oportunidade para aumentar a renda. Além da boa terra em Cocalzinho, estamos bem localizados no centro de várias cidades”, conta Carminha, como é conhecida.
“Quando o Saulo mostrou a planta, o que achei mais interessante é que eu já a tinha como orquídea em casa. Ganhei a mudinha de um amigo e ela estava tomando conta da minha área”, relembra Carminha.
Após a palestra, ela começou a produzir as mudas. “Não tinha ideia de como seria interessante cultivar baunilha. É uma oportunidade muito boa de renda e não é tão difícil de cultivar”, completa a produtora. Carminha relata que tem 120 pés plantados há um ano e, embora ainda não tenham florescido, a cultura exige muita atenção devido aos insetos.
Daniel Briand, 73 anos, morador de Brasília, é um dos produtores de Cocalzinho e cooperado da Cooaspi. Ele destaca que possui uma cafeteria com o seu nome em Brasília desde 1995, e toda a sua produção é destinada ao consumo próprio; não tem interesse em comercializar a baunilha. “Não tenho a pretensão de comercializar”, afirma. O chefe confeiteiro francês e produtor rural cultiva baunilha na sua propriedade e a produção vai direto para as várias receitas do seu café.
Briand começou a plantar baunilha por acaso, mas está investindo na produção para reduzir os custos com a importação do produto, que ele traz direto da Europa. Para isso, está recebendo apoio da Assistência Técnica e Gerencial do Senar. “Com o tempo a gente conseguiu fazer uma baunilha com qualidade bem melhor e natural”, conta
Daniel ressalta que a baunilha é uma planta delicada, mas agradável de cuidar. “Não tenho uma estrutura especial para o plantio; utilizo o sistema de agrofloresta, sob árvores, garantindo pelo menos duas horas de exposição ao sol diariamente”, lembra. Segundo ele, a baunilha necessita de luz solar para se desenvolver adequadamente.
O engenheiro agrônomo Saulo de Araújo, que presta serviços ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e acompanha os produtores da Cooaspi, explica que a cooperativa está cultivando duas espécies nativas do cerrado: a baunilha (Vanilla) bahiana e a pompona.
Saulo esclarece que as baunilhas nativas normalmente são encontradas próximas a ribeiros e, até pouco tempo atrás, não faziam parte do portfólio do Senar, sendo incorporadas apenas a frutíferas. Ele destaca que o preço das favas no mercado é um dos atrativos.
“A ideia é transformar Cocalzinho em um polo produtor de baunilha em geral”, observa. Segundo o técnico, o clima do cerrado não favorece o cultivo de orquídeas originárias do México e Madagascar; no entanto, com as adaptações em substratos, métodos de cultivo e irrigação, elas podem ser reproduzidas normalmente. “O cultivo pode ser feito em viveiros ou em agroflorestas”, ressalta.
Saulo informa que a baunilha não é plantada diretamente no solo, mas em material orgânico. Por essa razão, pode ser produzida em qualquer terreno, até mesmo sobre pedras. “Um substrato orgânico será criado onde ela irá se desenvolver”, diz. Outro fator importante é a necessidade de tutores para que a planta possa se fixar, visto que ela é do tipo trepadeira.
Saulo explica que a baunilha é uma planta de fácil manutenção; no entanto, ele enfatiza que o produtor deve realizar o controle orgânico e investir em irrigação. Ele alerta para a importância do acompanhamento de um técnico que realizará todas as atividades necessárias para evitar perdas na produção. “Devido às altas temperaturas e baixa umidade características da época seca no cerrado, é essencial a nebulização dos viveiros”, finaliza.
Nova América – a baunilha de Goiás
Uma curiosidade que poucos conhecem é que a cidade de Nova América, localizada no Vale do São Patrício, na região central de Goiás, já se chamou Baunilha. O nome original, “Baunilha”, deve-se à grande quantidade de orquídeas da espécie Vanilla, que produzem a vagem de baunilha e eram abundantes na região quando o povoado foi fundado. O aroma característico dessas plantas marcou a identidade local. Mais tarde, o nome foi alterado para “Nova América”, refletindo um desejo de modernização e progresso da época.
Vera Lúcia Rocha Pimenta, Secretária Municipal de Cultura, Turismo e Meio Ambiente de Nova América, lamenta que a baunilha esteja desaparecendo do município e que não exista um único produtor da iguaria na cidade. Ela explica que a baunilha possui um valor histórico, pois, segundo a lenda, quando o fundador do município, José Jeremias do Couto, desbravava a mata com um facão, se deparou com um aroma encantador que vinha de um pequeno riacho no alto da serra que simboliza a cidade.
Ainda de acordo com os relatos, como o desbravador estava cansado e hipnotizado pelo cheiro da planta, decidiu se estabelecer naquele local, onde a cidade foi posteriormente fundada. Ele descobriu que a planta se chamava baunilha e nomeou o ribeiro de Baunilha. Com o passar dos anos, fundou em suas terras um pequeno povoado com o mesmo nome.
Vera Lúcia enfatiza que, com o crescimento, o local foi elevado à categoria de município, e ocorreu a mudança do nome para Nova América, em homenagem à esposa do fundador, América do Couto. A secretária, entretanto, ressalta que a população, por não conhecer a baunilha e não saber utilizá-la como aliada na alimentação ou como remédio, desvalorizou a planta, que era abundante na cidade e acabou extinta.
Vera Lúcia destaca que os moradores apenas preservaram o nome “Baunilha”. É possível encontrar vários estabelecimentos comerciais com essa denominação, como pesque-pague Baunilha, autoposto Baunilha, sítios Baunilha e fazendas Baunilha, entre outros. “Ainda é possível encontrá-la nas margens de riachos, mas em poucas quantidades”, diz. Ela ressalta que um dos grandes desafios da gestão, que continuará por mais quatro anos, é despertar nos moradores o amor pela planta. Nesse contexto, destaca a realização de um workshop no dia 27 de novembro deste ano, onde o tema será a baunilha. “Será um evento em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-GO), com quatro palestras ressaltando a importância de preservar e cultivar a baunilha”, comunica.
Vera Lúcia reitera que o objetivo é incentivar os produtores a plantarem a baunilha. Para isso, estarão presentes produtores que já cultivam a planta e a veem como uma alternativa financeira, além de pessoas que trabalham com a baunilha na gastronomia e na perfumaria. “Nossa intenção é despertar o interesse das pessoas por essa planta que faz parte da cultura da cidade”, pontua.
Baunilha: A História e o Cultivo da Vanilla planifolia
Com informações do pesquisador da Embrapa – Fernando Souza Rocha
A Vanilla planifolia, principal espécie utilizada comercialmente, ocorre predominantemente na região mesoamericana, abrangendo países como México, Guatemala, El Salvador e Belize. O uso da baunilha remonta aos Maias, que a incorporavam em bebidas à base de cacau e outras especiarias. Posteriormente, os Astecas também utilizaram a baunilha em uma bebida destinada à nobreza, conhecida como chocolate.
Com a conquista do México pelos espanhóis no século XVI, a baunilha e o cacau foram levados para a Europa. No entanto, embora as plantas florescessem em jardins botânicos europeus, nunca frutificaram, pois, a polinização da espécie depende de abelhas que não existiam no continente. As plantas foram então levadas para diversas regiões, onde continuaram a florescer, mas sem produzir frutos.
A mudança nesse cenário ocorreu em 1841, mais de três séculos após a introdução da baunilha fora da América Central. Edmond Albius, um escravizado na Ilha de Réunion, desenvolveu um método de polinização artificial que consistia no contato mecânico entre as partes masculinas e femininas da flor. A técnica de Albius rapidamente se espalhou por outras colônias francesas e, posteriormente, por colônias europeias, retornando ao México e aumentando a produtividade das plantas, que antes dependiam apenas das abelhas, um processo que apresentava baixa produtividade.
Com essa descoberta, a oferta de baunilha aumentou drasticamente, permitindo atender a um mercado muito maior, que antes era abastecido apenas pelos frutos polinizados naturalmente na América Central. Assim, enquanto a procura por baunilha remete ao século XVI, a oferta como a conhecemos hoje teve início no século XIX.
No Brasil, a tradição de cultivo de baunilha é escassa, com poucos registros de tentativas de introdução ao longo da história. Contudo, nas últimas décadas, surgiram iniciativas de cultivo em maior escala, e atualmente o Brasil já conta com cultivos comerciais, embora ainda ocupe uma posição secundária no setor.
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