O município de Anápolis foi condenado a pagar R$ 200 mil em danos morais à família de Luciano Pereira de Souza, de 43 anos, que faleceu em abril de 2021 após ter negado o pedido de transferência para UTI por falta de combustível em ambulância do SAMU. A transferência era essencial para que o paciente, internado com Covid-19 em Cocalzinho de Goiás, fosse encaminhado para Uruaçu. A impossibilidade de deslocamento acabou acarretando o cancelamento da vaga em UTI e, dias depois, sua morte por parada cardiorrespiratória.

A juíza Katherine Teixeira Ruellas, da Vara das Fazendas Públicas de Cocalzinho de Goiás, considerou que a equipe do SAMU agiu com “recusa injustificada” e que essa omissão comprometeu o prognóstico do paciente. Ela entendeu que, embora não se possa garantir que a transferência teria evitado a morte, ficou claro que o atendimento adequado poderia ter revertido o quadro clínico.

Baseada no artigo 37, §6º, da Constituição, que estabelece a responsabilidade objetiva do Estado e nos artigos 186 e 927 do Código Civil, a magistrada avaliou que houve falha na prestação do serviço, dano efetivo e nexo causal, tornando obrigatória a reparação.

Além dos R$ 200 mil em danos morais, R$ 50 mil para a esposa e para cada um dos três filhos, Anápolis deverá pagar pensão mensal vitalícia equivalente a 2/3 da aposentadoria que a vítima recebia. O benefício será dividido entre a companheira (1/3, até expectativa média de vida) e os filhos (1/3, até completarem 25 anos), acrescido de 13º salário, férias e demais direitos trabalhistas, com correção pelo salário mínimo. Os valores sofrerão atualização monetária e juros desde a data dos danos conforme orientação das cortes superiores e da Emenda Constitucional nº 113/2021.

Após a distribuição da ação em 2022, o município alegou ilegitimidade, argumento rejeitado já no saneamento. Em seguida, se manteve inerte, sem apresentar provas sobre a falta de combustível. A magistrada, então, citou o decreto nº 5.055/2004, que atribui aos municípios a responsabilidade pela operação do SAMU, cabendo-lhes aderir ao convênio, manter frota e garantir atendimento adequado.

A sentença também fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, considerando a “sucumbência ínfima” da parte autora. A pareceria técnica das advogadas Yuara Lays da Silva e Geslayne Ramos Conceição sustentou com base documental que tanto a família quanto a unidade hospitalar estariam dispostos a custear o abastecimento, lembrou os sintomas graves, febre alta, falta de ar e dores intensas, e reforçou que o homem havia recebido confirmação de vaga em UTI antes da negativa da transferência.

A juíza ressaltou ainda que, diante da gravidade da pandemia de Covid-19, a assistência médica deveriam ser prioridade absoluta, especialmente quando havia suporte legal, técnico e financeiro para viabilizar a transferência. Tanto mais, enfatizou, pelo risco concreto decorrente de quem se encontra em leito de enfermaria, como era o caso, e necessita de suporte intensivo com urgência. Sua recusa, segundo ela, causou “aflição” à família e agravou a chance de sobrevida do paciente.

A decisão reforça entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o Recurso Extraordinário nº 136861, de que o Estado responde de forma objetiva por omissões que prejudiquem terceiros e ensejem a violação de direitos, sem a necessidade de demonstrar culpa ou dolo por parte do agente. No caso em questão, a prefeitura, ao não garantir solução para o transporte, falhou em dever específico de assegurar serviço público essencial.

O Jornal Opção entrou em contato com o ex-prefeito de Anápolis, Roberto Naves, que chefiava o Executivo municipal à época em que o caso ocorreu, em abril de 2021. No entanto, até o fechamento desta edição, não obteve resposta. O espaço permanece aberto para manifestações ou esclarecimentos por parte do ex-gestor.

Leia também:

Lula publica decreto regulamentando Lei de Reciprocidade Comercial

Prefeitura de Goiânia libera R$ 58 milhões para quitar rescisões na Comurg