Ex-funcionária da Brasil Paralelo denuncia assédio sexual por ex-diretor da empresa
21 outubro 2024 às 10h50
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Catarina Torres, 21 anos, ex-funcionária da produtora Brasil Paralelo, entrou com uma ação judicial contra Guilherme Freire, ex-diretor da empresa, acusando-o de assédio sexual. Em entrevista exclusiva à Agência Pública, ela afirmou ter sido assediada em 2021, logo após ser contratada pela produtora, e que a empresa teria abafado o caso. Freire foi demitido meses depois, após a denúncia de pelo menos outros dois casos semelhantes de assédio virem à tona.
A jovem tomou medidas judiciais no início de outubro de 2024 e afirma que o trauma causado pelo assédio trouxe sérias consequências emocionais. “Passei os últimos três anos lidando com transtorno de estresse pós-traumático. Foi uma experiência devastadora”, conta. Na época, Catarina tinha 18 anos e relata que chegou à empresa cheia de expectativas, mas se viu em uma situação de extremo desconforto e opressão, que deixou marcas profundas em sua saúde mental, confirmadas por laudos médicos e psicológicos.
Documentos registrados na plataforma Verifact, mostram que várias pessoas dentro da empresa tinham conhecimento das situações de assédio. “Outras mulheres também disseram ter sido vítimas. Quando os casos começaram a se acumular, houve uma pressão interna para que eles não vazassem”, afirma Torres. No entanto, essas provas não foram divulgadas publicamente devido à proteção dos interlocutores, que preferiram não denunciar o caso para evitar represálias.
Guilherme Freire, conhecido no meio conservador e com milhares de seguidores nas redes sociais, foi contratado pela Brasil Paralelo em abril de 2021, assumindo a chefia da BP Select, serviço de streaming da produtora. Em outubro do mesmo ano, ele acumulou o cargo de diretor de streaming e educação. Em março de 2022, mesmo após denúncias já terem sido feitas internamente contra ele, Freire ainda foi promovido a showrunner de programas da produtora.
Catarina Torres, por outro lado, havia acabado de ingressar na faculdade quando foi contratada, em setembro de 2021, para o cargo de gestora de comunidades, atuando na área de marketing. Fã dos documentários da Brasil Paralelo e identificada com os ideais católicos e conservadores da produtora, ela viu a oportunidade como um sonho. “Eu era muito jovem e queria ser respeitada. Mudei de Brasília para São Paulo, sozinha e sem apoio financeiro dos meus pais, para buscar essa oportunidade”, lembra.
Na entrevista de emprego, Torres diz que foi questionada sobre a teoria das 12 camadas da personalidade humana, criada pelo guru Olavo de Carvalho. “Me disseram que eu não podia ser da ‘quarta camada’, que significa ser uma pessoa emotiva, que se afeta com qualquer coisa. Isso me fez adotar uma postura mais dura”, conta.
O assédio
Catarina relembra que no segundo dia de trabalho cruzou com Freire em um corredor da empresa. Ele a reconheceu de uma mentoria online que ela havia feito com ele ainda no ensino médio. A partir desse momento, o diretor começou a se aproximar de forma insistente, chamando-a para conversas reservadas em sua sala, onde ele compartilhava “imposições moralistas”. “Ele começou a falar sobre como eu deveria me comportar como mulher e quais roupas deveria usar. Disse que as mulheres deveriam ficar em casa e cuidar da família. Também me aconselhou a evitar interações com outros homens da empresa, porque eles poderiam ‘interpretar mal minha gentileza’”, relata Torres.
Ela conta que as abordagens se tornaram cada vez mais frequentes, e que Freire a procurava mesmo sem terem conexões de trabalho direto. “Ele aparecia quando eu estava com outras pessoas e fazia comentários depreciativos, me chamava de imatura, boba. Uma vez, meu olho se encheu de lágrimas, mas eu não tinha coragem de falar nada”, relembra. O desconforto com a situação foi crescendo, e Torres começou a se sentir cada vez mais isolada.
Em um dos momentos mais angustiantes que relata, Catarina conta que Freire a convocou para uma reunião às 20h, após o horário de expediente. “Ele falou que tinha um carinho diferente por mim porque eu tenho o nome de uma filha dele. Disse que, se eu não obedecesse suas orientações, seria demitida”, conta. Na reunião, Freire teria tentado segurar sua mão, mas ela se esquivou. “Fiquei me questionando se eu havia feito algo para provocar aquilo, comecei a duvidar de mim mesma. Eu não queria aquilo”, desabafa.
Ela afirma que Freire insistia para que ela chegasse mais cedo e fosse a última a sair do trabalho, como uma forma de criar situações em que pudessem estar sozinhos. “Na hora, eu só pensava em obedecer. Só entendi depois que ele estava buscando essas oportunidades”, conta. Após esse encontro, Catarina se sentiu tão abalada que voltou à empresa no meio da madrugada e passou a noite trabalhando.
Ao tentar relatar o assédio para seu chefe direto, Luan Licidonio, um dos sócios da Brasil Paralelo, Torres foi ouvida, mas não recebeu o apoio que esperava. “Pedi que ele não falasse com o Freire, porque sabia do poder que ele tinha na empresa, mas depois tudo veio à tona. Chorei muito, me senti vulnerável e sozinha”, relata.
Em outubro de 2021, Catarina decidiu pedir demissão. Após deixar a empresa, soube de outros dois casos de mulheres que teriam sido assediadas por Freire, uma delas chegando a gravar declarações comprometedoras do diretor, o que levou à demissão dele em agosto de 2022. “Demorei para agir porque tinha medo da influência dele. Freire é uma figura pública com seguidores leais, e isso me apavorava”, diz a jovem.
Ao longo do tempo, Torres tentou expor sua história nas redes sociais, mas foi alvo de uma onda de ataques e ameaças. “Me disseram coisas horríveis, que ele jamais me desejaria, que contratar mulheres é um erro. Me senti completamente vulnerável”, conta. Mesmo diante da retaliação, Catarina diz que está decidida a buscar justiça. “É muito triste ser vítima e ainda se sentir responsável, mas eu não posso permitir que essa injustiça continue”, afirma.
A ação movida por Catarina Torres inclui pedidos de indenização por danos morais e materiais. A Brasil Paralelo e Guilherme Freire, no entanto, seguem em silêncio sobre o caso.
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