As desigualdades de acesso e uso das tecnologias da informação e comunicação (TIC) no Brasil são reflexo do abismo econômico, social e cultural entre classes sociais. Para a coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Renata Vicentini Mielli, reduzir a exclusão digital vai além de simplesmente garantir o acesso à internet. Oferecer conectividade de qualidade e sem barreiras que limitem o uso da internet, como a imposição de franquia de dados, é uma medida importante, mas há outras dimensões, como o uso, as habilidades digitais, a segurança e a privacidade no ambiente virtual.

Desde 2005, o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) realiza pesquisas sobre temas de inclusão digital (TIC) em diversos segmentos sociais, como o uso das TIC nos domicílios brasileiros. Essa pesquisa tem realizado o mapeamento do acesso às TIC em domicílios do país, bem como das diferentes formas de uso dessas tecnologias por indivíduos de 10 anos de idade ou mais. Nesses quase 20 anos de produção de dados e estatísticas, o cenário brasileiro mudou de modo considerável. 

A proporção de domicílios com Internet era de 13% em 2005 e chegou a 84% em 2023. A pesquisa mostra ainda que 84% das pessoas no Brasil são usuárias de internet, o que corresponde a mais de 156 milhões de pessoas. No entanto, é fundamental compreender como esse acesso ocorre, qual a qualidade da conexão e os dispositivos utilizados para acessar a rede. 

A TIC Domicílios 2023 mostrou que a maioria da população usuária de internet (58%) declarou utilizar apenas o telefone celular para acessá-la, enquanto 41% a utilizam pelo telefone celular e pelo computador. 56% dos usuários de internet em área urbana declararam usar apenas o telefone celular para acessar a rede, contra 77% daqueles em área rural. 

Considerando o sexo do indivíduo, os valores são 52% e 64% para pessoas do sexo masculino e feminino, respectivamente; considerando cor ou raça, 49% das pessoas autodeclaradas brancas e 64% das autodeclaradas pretas disseram acessar a internet exclusivamente por esse dispositivo. São considerados usuários de internet os indivíduos que utilizaram a rede ao menos uma vez nos três meses anteriores à entrevista.

Os recortes por região do Brasil, grau de instrução, faixa etária e classe social, entre outros, mostram cenários semelhantes, em que indivíduos afetados por fatores demográficos, socioeconômicos e geográficos historicamente desfavorecedores também permanecem excluídos quando se trata do dispositivo de acesso à internet. 

Nesse contexto, os dados da pesquisa TIC Domicílios mostram que, apesar do aumento da proporção de pessoas que têm acesso à internet, o país ainda enfrenta desigualdades, principalmente ao compreendermos que o acesso móvel é caracterizado por limitações importantes. Parte disso resulta do modelo de negócio das operadoras, a partir do qual são estipuladas franquias de dados cujos preços são altos, principalmente para as pessoas vulneráveis em termos socioeconômicos. 

No Brasil, 60% das pessoas que possuem telefone celular utilizam um plano pré-pago, que pode significar um pacote de dados de Internet limitado, insuficiente para as atividades realizadas em um mês. Além disso, a proporção cai para 31% no caso de indivíduos na classe social A e aumenta para 75% no caso daqueles nas classes sociais D ou E. 

Após explicitar que a maioria dos usuários no país acessa a internet exclusivamente por meio do telefone celular, o debate concentra-se nas restrições para o uso adequado da rede e de suas aplicações. Um exemplo disso é a discussão em torno do zero rating e dos jardins murados das Big Techs

Fake news

Outro exemplo é sobre as habilidades digitais de usuários da internet: a proporção de quem verificou se uma informação que encontrou na Internet era verdadeira é maior entre aqueles que utilizam computador e telefone celular de forma simultânea (71%) do que entre quem usa exclusivamente o telefone celular (37%). 

Assim, as variadas camadas de desigualdade se sobrepõem umas às outras, aprofundando ainda mais as diferenças na forma e na qualidade de acesso à internet. Ou seja, a desigualdade afeta diretamente o acesso à informação, pois limita o acesso à tecnologia.

Para enfrentar um problema complexo, é necessária a coordenação de uma série de políticas focadas em cada dimensão da conectividade. É preciso que as políticas públicas enderecem os obstáculos que impedem os indivíduos de navegar online de forma segura, satisfatória, enriquecedora, produtiva e acessível financeiramente, e usufruir das oportunidades facilitadas pela internet.

Logo, se o Brasil quiser extrair todos os potenciais econômicos, sociais e culturais que a internet e suas aplicações proporcionam para a sociedade, é preciso equacionar os aspectos base para que as pessoas e as organizações tenham condições econômicas e habilidades suficientes para fazer um uso significativo da conexão. 

Conforme a pesquisa, além das políticas para garantir essas condições, é preciso que sejam feitos investimentos em termos de infraestrutura de conexão no país, incluindo backbones, backhauls e redes móveis, por exemplo. Também são necessárias políticas que tenham como objetivo a renovação de dispositivos utilizados pela população do Brasil. Em termos de conexão, é preciso pensar em iniciativas que enfrentem os gargalos existentes, as quais devem ser direcionadas tanto às pequenas e médias operadoras (responsáveis por grande parte da conectividade no país) como às grandes. 

Soluções complementares para garantir a universalidade também são necessárias e devem tratar da conectividade comunitária e da superação da exclusão persistente das populações residentes em localidades remotas, de difícil acesso, para as quais as soluções comerciais em escala não são eficientes. 

De acordo com a TIC Domicílios 2023, a promoção de redes comunitárias, por exemplo, é uma alternativa possível para atender populações em áreas desatendidas por provedores comerciais, devido à baixa lucratividade, de modo a promover sua inclusão digital. Ações dessa natureza podem favorecer também o empoderamento das comunidades locais, considerando o atendimento de demandas latentes, o aprimoramento do capital físico e de infraestrutura, a ampliação do conhecimento técnico local, entre outros. 

As políticas e os investimentos voltados para promover no Brasil uma conectividade universal e significativa devem ancorar-se no desenvolvimento econômico, cultural e social do país, reconhecendo a internet como uma ferramenta essencial para o acesso aos direitos fundamentais e o combate às desigualdades. Por fim, compreender que a rede é uma das portas para o acesso a direitos fundamentais, serviços e benefícios para o exercício pleno da cidadania, assim como também para o enfrentamento às desigualdades, é imprescindível na priorização da agenda de conectividade significativa.

Confira o estudo completo aqui!

Leia também:

‘Fundamental que Goiás esteja conectado’, diz Caiado sobre expansão do 5G

Câmara de município goiano usa internet via satélite de empresa de Elon Musk

Cerca de 20 municípios goianos devem receber 5G em 2024, diz Graciela Berlezi, diretora de vendas da TIM