As novas gerações não sabem o que isso significou de fato, mas uma das grandes conquistas da história do Brasil como nação, em todos os tempos, foi o controle da inflação a partir do Plano Real. A tragédia de ver o mesmo produto com um preço pela manhã e outro preço à tarde, para na manhã seguinte vê-lo com um terceiro valor, sempre mais alto, era algo inimaginável até os últimos anos.

Tudo começou com o chamado “milagre econômico” dos anos de chumbo da ditadura militar, de 1968 a 1973. Foi um período atípico, em que o produto interno bruto (PIB) brasileiro quebrou todos os recordes de crescimento anual, chegando a 14% nessa taxa em 73. Ou seja, o Brasil se comportou como uma China em seus melhores momentos, mas sem a mesma base estrutural.

Tanto foi assim que, após esse período, o desenvolvimento do País foi consumido pelo avanço inflacionário. A dívida externa também disparava. A desigualdade social entre ricos e pobres avançou como nunca. Era a “conta a pagar” pelos anos anteriores.

A economia teve papel fundamental na derrocada do comando militar do País. Com a falência do regime autoritário, restou aos civis a tarefa de tentar recuperar os cofres do País. Dessa forma, ao assumir a Presidência como primeiro mandatário eleito, ainda que indiretamente, em mais de 21 anos, José Sarney pegou uma verdadeira a batata quente. E não houve Plano Cruzado 1 ou 2, ou Plano Bresser, ou congelamento/tabelamento de preços que desse jeito. Da mesma forma, seu sucessor, Fernando Collor, não conseguiu estancar o dragão da inflação nem mesmo sequestrando a poupança de milhões de brasileiros, em uma das mais tresloucadas medidas já vistas na história dos governos.

O Plano Real era mais uma dessas tentativas, puxadas por um governo sem maiores pretensões que não a de fazer o certo. Ainda não havia o mecanismo da reeleição e Itamar Franco, então no PMDB, o vice do afastado Collor, compôs uma equipe competente e multipartidária – só o PT quis ficar fora – para cumprir seu mandato de pouco mais de dois anos. Seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ficaria com os louros.

O planejamento incluía um ano de transição para a nova moeda, por meio da Unidade Real de Valor (URV), uma espécie de moeda temporária que garantisse a estabilização dos preços. Enfim, um ano depois, a nova aposta heterodoxa para controlar a inflação se mostrava bem-sucedida.

Bom para todos, melhor ainda para FHC, candidato à sucessão do chefe Itamar. O tucano surfou na onda boa da economia para, com isso, ultrapassar facilmente o até então favorito nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e vencer as eleições presidenciais de 1994 ainda em primeiro turno. Ou seja, o Plano Real foi crucial para o resultado do pleito, ainda que, de modo algum, é preciso ressaltar, tenha tido essa finalidade.

Quase 30 anos depois, Jair Bolsonaro (PL) quer repetir a sensação de bem-estar pré-eleitoral para garantir uma vitória nas urnas. Desta vez, no entanto, a intenção é explícita. Não é um plano estrutural; é, pelo contrário, bastante ocasional e casuístico, ancorado em um estado de calamidade que vê a emergência da miséria só agora, anos depois de o Brasil voltar ao mapa mundial da fome.

Serão R$ 41 bilhões despejados até dezembro para que o brasileiro sinta que sua condição de vida melhorou. A expectativa dos inquilinos do Planalto é de que essa sensação aconteça e de que o eleitorado se lembre disso na hora em que se encontrar com a urna. Mais do que apenas o efeito de melhoria no bolso, ainda que passageira, há outra movimentação que favorece Bolsonaro: é que o pacote aprovado pelo Congresso passa a ideia de que o governo está fazendo alguma coisa para “resolver o problema”. Para fins eleitorais, dar ao povo a imagem de que está “trabalhando” já mexe positivamente com o humor de quem vai votar, mesmo antes de receber concretamente qualquer benefício.

Responsável pelas pesquisas do instituto Qaest, que, em parceria com o grupo de investimentos Genial, tem feito um dos levantamentos mais detalhados da corrida eleitoral ao Planalto, o cientista político Felipe Nunes acredita que a estratégia de Bolsonaro pode funcionar. Para ele, “essa PEC [proposta de emenda à Constituição] aprovada só tem o Plano Real como único precedente”. “O Plano Real era um movimento nacional de ‘salve a Pátria’, agora o movimento é um pouco diferente, mas tem potencial”, disse, em entrevista ao jornalista Pedro Doria, no canal Meio, do YouTube.

A próxima pesquisa já deve apontar se a estratégia eleitoreira do atual presidente vai dar certo. O que está certo é que nunca antes os cofres do País, o Orçamento da Nação – até pouco tempo atrás tão cercado de zelos e de responsabilidade fiscal –, serviu de forma tão escancarada a propósitos políticos pessoais.