O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira, 25, que o Estado deverá financiar tratamentos alternativos para pessoas que recusarem cuidados específicos que desrespeitem suas crenças religiosas. Com a decisão unânime, testemunhas de Jeová poderão, por exemplo, recusar tratamentos médicos que envolvam transfusão de sangue. Os procedimentos alternativos deverão ser fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que seja preciso recorrer a outras localidades. 

O presidente da suprema corte, Luís Roberto Barroso, coloca a decisão como um reforço à liberdade religiosa, adequando-a aos princípios básicos da constituição do direito à vida e à saúde. A decisão ocorreu no julgamento dos Recursos Extraordinários 979742 e 1212272, relatados pelos ministros Barroso e Gilmar Mendes, respectivamente. 

O plenário concluiu que a liberdade religiosa impõe ao Estado a obrigação de assegurar condições adequadas para que os cidadãos possam praticar sua fé sem coerção ou discriminação. As teses estabelecidas têm repercussão geral, o que significa que serão aplicáveis em todos os tribunais do país.

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Minha nada mole vida de crente

“Um paciente adulto e consciente é livre para decidir, por exemplo, se deve ou não ser submetido a cirurgia, tratamento ou transfusão de sangue”, afirmou Mendes no início do julgamento, na quinta-feira da semana passada, 19. “Para que essa liberdade seja significativa, os pacientes devem ter o direito de fazer escolhas de acordo com suas opiniões e valores, independentemente de quanto possam parecer irracionais, imprudentes e ilógicas aos outros”.

Menores de idade

Os ministros do STF entendem que, no caso de menores de idade, deve prevalecer o princípio do melhor interesse para a saúde e a vida, ou seja, pais não podem impedir quaisquer tratamentos aos filhos por questões religiosas. Apenas maiores de idade, capazes, podem optar de forma consciente, livre e informada pela recusa de tratamento, estando sempre cientes dos riscos e consequências da negativa dos cuidados. 

A posição foi defendida, ainda na semana passada, pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, e André Mendonça. Zanin sugeriu que o valor de defesa da vida deve ser privilegiado no caso de menores de idade. Na sequência, Barroso colocou que  a recusa de tratamento só pode ser manifestada em relação ao próprio interessado, sem extensão aos filhos menores de idade. A corte adotou a medida. 

Exemplos 

No Recurso Extraordinário (RE) 979742, a União questiona uma decisão que a condenou, junto ao Estado do Amazonas e ao Município de Manaus, a custear integralmente uma cirurgia de artroplastia total para uma paciente em outro estado. O motivo: o procedimento sem transfusão de sangue, exigido pela paciente, não é oferecido na rede de saúde pública do Amazonas.

No Recurso Extraordinário (RE) 1212272, o caso envolve uma paciente encaminhada à Santa Casa de Maceió para uma cirurgia de substituição de válvula aórtica. A operação foi suspensa porque a paciente se recusou a assinar um termo que autorizaria a realização de transfusões de sangue, caso necessário durante o procedimento.

Esses casos levantam debates sobre o papel do Estado em garantir tratamentos de saúde que respeitem convicções religiosas, colocando em questão os limites entre a autonomia dos pacientes e as exigências do sistema de saúde público.

Definições 

Fica estabelecido de acordo com as decisões de repercussão geral que: 

RE 979742

1 – Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimento médico que envolva transfusão de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa.

2 – Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.

RE 1212272

1 – É permitido ao paciente, no gozo pleno de sua capacidade civil, recursar-se a se submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde por motivos religiosos é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade.

2 – É possível a realização de procedimento médico disponibilizado a todos pelo Sistema Único de Saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente.