Na última quarta-feira, 27, o governo federal anunciou um pacote fiscal de R$ 70 bilhões, com o objetivo de ajustar a explosão dos gastos públicos projetados para os próximos anos e garantir a continuidade do arcabouço fiscal aprovado no ano passado. O pacote é detalhado em duas fases: um corte de R$ 30 bilhões em 2025 e outro de R$ 40 bilhões em 2026.

O anúncio foi feito pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad; do Planejamento, Simone Tebet; e da Casa Civil, Rui Costa. A principal meta do pacote é reduzir os gastos obrigatórios e equilibrar as contas do governo, ao mesmo tempo que busca evitar que o Brasil ultrapasse o limite do teto de gastos estabelecido pela legislação.

Entre as principais medidas do pacote estão a revisão de programas de benefícios fiscais, como a limitação da concessão de isenções tributárias enquanto o governo estiver em déficit. Além disso, a proposta inclui ajustes no salário mínimo e no abono salarial, que afetam principalmente as camadas mais baixas da população.

Para distribuir os impactos dos cortes, o governo também pretende estabelecer novas regras sobre supersalários no setor público e realizar reformas na previdência dos militares. Outra medida de destaque é a alteração do Imposto de Renda, com a elevação da faixa de isenção para pessoas que ganham até R$ 5 mil mensais, o que deve beneficiar grande parte da população.

A medida sobre o Imposto de Renda é uma das mais aguardadas. Atualmente, quem ganha até R$ 2.259,20 mensais não paga imposto. Com a mudança proposta, a isenção será estendida até R$ 5 mil. Porém, o governo promete que essa medida terá um impacto neutro nas contas públicas, compensado por uma alíquota de 10% sobre os rendimentos acima de R$ 50 mil por mês, que incidirá sobre aqueles que costumam se beneficiar da “pejotização” — prática de transferir rendimentos pessoais para empresas para pagar menos impostos. Essa mudança deve gerar um impacto de R$ 35 bilhões por ano nas contas da União.

Outro ponto relevante do pacote fiscal é a proposta de congelamento de certos benefícios, como o abono salarial, que atualmente funciona como um 14º salário para quem recebe até dois salários mínimos. A partir de 2025, o abono será corrigido pela inflação e não mais com base na variação do salário mínimo, o que reduzirá o valor pago ao longo do tempo.

O governo também pretende estabelecer um teto para o reajuste do salário mínimo, limitando sua alta a 2,5% acima da inflação nos próximos anos. A medida vai reduzir a pressão sobre os gastos públicos, mas pode gerar impactos negativos sobre os mais pobres.

Além das mudanças no Imposto de Renda e nos benefícios sociais, o pacote prevê uma série de reformas na previdência dos militares. Entre as propostas estão a padronização da contribuição dos militares ao Fundo de Saúde e o fim da chamada “morte ficta”, que permite que a família de um militar expulso continue recebendo pensão como se ele tivesse falecido. O governo também planeja aumentar gradualmente a idade mínima para a reserva remunerada, o que deve gerar uma economia de R$ 2 bilhões por ano.

Em entrevista ao Jornal Opção, a economista Adriana Pereira avaliou que as medidas podem trazer benefícios fiscais, especialmente para a classe mais baixa, com a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. No entanto, ela alertou para os impactos que as mudanças nos benefícios fiscais podem gerar em setores que dependem desses incentivos, como cultura e eventos.

Segundo a economista, a desoneração da folha de pagamento e a redução de encargos para empresas que mantêm empregos podem ter um efeito positivo no mercado de trabalho, mas é preciso observar com atenção a implementação dessas medidas.

Por outro lado, o economista Murilo Viana demonstrou preocupações sobre a eficácia do pacote fiscal no longo prazo. Ele destacou que, embora o pacote busque gerar uma economia de R$ 70 bilhões até 2026, outros fatores como o crescimento da dívida pública e o pagamento de precatórios podem limitar a sustentabilidade fiscal do país. “O governo não deixou claro como conseguirá desacelerar o crescimento das despesas nos próximos anos”, afirmou. Viana também alertou que o pacote pode não ser suficiente para estabilizar a dívida pública a longo prazo, pois as medidas de corte de gastos não são suficientes para controlar o aumento das despesas futuras.

A reação do mercado financeiro também foi tema de debate entre os economistas. O aumento do dólar para R$ 6,11, registrado após o anúncio do pacote fiscal, é um reflexo das incertezas sobre a implementação das novas medidas. Segundo a economista Adriana Pereira, o impacto da alta do dólar pode ser negativo para setores que dependem de insumos importados, aumentando a inflação e prejudicando o poder de compra das famílias. Porém, ela também destacou que a desvalorização da moeda pode beneficiar exportadores, tornando os produtos brasileiros mais competitivos no exterior.

Ricardo Borges, outro economista consultado pelo Jornal Opção, ressaltou que o pacote fiscal pode ter um impacto positivo no médio e longo prazo, mas sua efetividade só poderá ser medida à medida que as medidas forem sendo implementadas.

Segundo Borges, o governo precisa ser transparente e eficaz na execução das reformas para garantir a confiança do mercado e a sustentabilidade fiscal do país. Ele também observou que, embora o pacote busque equilibrar as contas públicas, as mudanças podem gerar dificuldades para setores específicos, como o mercado de trabalho e as empresas que dependem de benefícios fiscais.

Uma das medidas mais polêmicas é a reforma das emendas parlamentares. O governo propôs limitar o crescimento das emendas impositivas ao arcabouço fiscal, estabelecendo um teto para o aumento das despesas parlamentares. Além disso, 50% dos recursos das emendas de comissão deverão ser destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

As mudanças tem o objetivo de evitar o aumento excessivo das emendas e garantir que os recursos sejam utilizados de maneira mais eficiente, mas podem gerar resistência entre os parlamentares, que tradicionalmente utilizam essas emendas para atender a demandas locais.

O pacote também inclui a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2032, o que permitirá ao governo gastar até 30% das receitas da União livremente. Além disso, o governo propõe ajustar os subsídios e subvenções, limitando a possibilidade de gasto sem controle orçamentário. Essas medidas têm como objetivo aumentar a flexibilidade do governo, mas também exigem um controle rigoroso para evitar desperdícios e garantir a eficiência dos gastos públicos.

Em relação aos programas sociais, o governo pretende realizar um novo pente-fino no Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada (BPC). As mudanças incluem a exigência de atualização cadastral e o uso de biometria para garantir a concessão dos benefícios a quem realmente necessita. O objetivo é combater fraudes e irregularidades no acesso aos programas, mas a medida pode afetar negativamente as pessoas que dependem desses recursos para sobreviver.

Em resumo, o pacote fiscal anunciado pelo governo federal tem como objetivo reequilibrar as contas públicas e reduzir os gastos obrigatórios. As medidas propostas envolvem ajustes significativos na tributação, nos benefícios sociais e nos gastos do governo.

Embora o pacote possa trazer benefícios para a classe mais baixa, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, as reformas podem afetar setores da economia e gerar desafios na implementação. A efetividade do pacote dependerá da execução das medidas e da capacidade do governo em controlar o crescimento das despesas públicas, bem como de como o mercado reagirá às mudanças propostas.

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