Dona Marlene, o patriotismo de goela e a Janaína sem senso: coisas do Brasil
26 abril 2021 às 13h31
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Enquanto uma senhora se esforça para aprender a ler depois dos 60, “de carona” com o neto nas aulas remotas, dezenas de milhões de crianças sem internet não têm escola desde o ano passado. Enquanto isso uma deputada patriota sugere Censo virtual
A história de Marlene Hinckel, de 63 anos, é daquelas de fazer gente empática chorar já no começo e que leva a entender por que é necessário desenvolver por estas paragens um sentimento realmente patriótico. Marlene mostra que o Brasil profundo merece isso, apesar de gente como a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), a “musa” do impeachment de Dilma Rousseff.
Marlene, patriotismo, Janaína. Vamos unir essas pontas até o fim destas linhas, por enquanto começamos com a história da senhora que, apesarde trabalhar desde pequena, casar-se ainda mocinha e ter três filhos, nunca deixou de sonhar em aprender a ler e escrever. A pandemia, trágica para milhões de brasileiros, deu-lhe essa chance aos 63 anos. A pausa está servindo para ela se alfabetizar, pegando carona nas aulas virtuais do neto Eduardo, de 7 anos.
É que Marlene morava sozinha, mas a filha Karina Hinckel resolveu deixar o emprego na área de enfermagem para cuidar dela mais de perto. Dona Marlene trocou a tristeza do isolamento por aulas de alfabetização com o filho único de Karina e Rinaldo Henrique, um físico que viaja bastante.
Ao jornal Correio Braziliense Marlene explicou como aproveitou a oportunidade de ouro para realizar o sonho de vida com as aulas online do neto. “Pensei comigo: o Eduardo, com 7 aninhos, está aprendendo. Vou aprender também. Hoje, estou conseguindo entender as coisas. Ele está lendo cada dia melhor e logo aprendeu a ler e escrever. Eu ainda estou tentando. As primeiras palavras foram dado, dia, lua, dedo e casa”, recorda.
É bom ressaltar que Marlene já tinha encaminhado seu desejo. Antes da pandemia, frequentava as aulas do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Municipal Batista Pereira, em Ribeirão da Ilha (SC). A família admite que o EJA foi fundamental, principalmente pelo apoio das professoras para ela não desistir.
Não sei como isso é para você, leitor, mas me soa muito “nossa”, como Nação, essa história. Desigualdades desafiadas, superação de dificuldades, família se ajudando, o jeitinho brasileiro usado da melhor forma. O que é patriotismo a não ser ter o brio necessário e uma visão coletiva nacional de que é preciso vencer batalhas como essa para crescer como sociedade?
A história de Marlene é bonita e tem “final feliz”. Só que nem todas os lares poderiam repetir, na pandemia, o que está ocorrendo na casa dos Hinckel em Santa Catarina. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, um em cada quatro brasileiros ainda não tem acesso à internet. O que significa que, em tempos de pandemia, não só os idosos, mas milhões de crianças em idade escolar simplesmente estão sem qualquer condição de aprendizado.
Diante do contexto e da crise sanitária, o governo federal precisaria agir para minorar os prejuízos à educação básica, correto? Ainda mais uma gestão cuja palavra de ordem é patriotismo, certo? Pois, no mês passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou integralmente o projeto de lei que previa internet grátis a alunos e professores da educação na rede básica, em razão da necessidade do ensino remoto durante a pandemia. A alegação? O impacto orçamentário. Impacto orçamentário que não pesou para distribuir emendas para o centrão, entendido? Patriotismo, sim, mas só para fins publicitários e de campanha eleitoral, talquei?
Enquanto isso, o Brasil está também sem Censo. Vergonhosamente, o governo anunciou que não fará o levantamento – já atrasado em um ano pela pandemia – em 2021. Não saberemos exatamente quantas Marlenes Hinckel no País continuarão, literalmente, sem a chance remota de se alfabetizar. Nem quantos Eduardos estarão sem condições de iniciar a vida escolar.
E Janaína Paschoal, o que tem a ver com isso? É que, depois do anúncio do governo, o qual apoia, a deputada que rodou loucamente a bandeira do Brasil em um discurso fora-Dilma deu como solução que o Censo… fosse feito pela internet. Leia com os próprios olhos:
Por que o Censo não pode ser feito pela Internet? Com toda tecnologia disponível, não há muito sentido ter alguém batendo de porta em porta. Ademais, os Cartórios estão todos informatizados, os serviços são prestados virtualmente, podemos apurar nascimentos e mortes.
— Janaina Paschoal (@JanainaDoBrasil) April 24, 2021
“Soluções fáceis para problemas complexos” nem seria o comentário adequado. Talvez, “gente sem senso para questões de Censo”. Sim a @JanaínaDoBrasil não conhece o Brasil. O Jair patriota desconhece o Brasil. Enquanto isso, Marlene e Eduardo aprendem a ler desafiando esse povo e tendo mais sorte do que outros 46 milhões de compatriotas, estagnados no tempo, limitados pelas restrições da realidade atual e alijados do mundo virtual.