Em uma tentativa de desviar o foco dos recentes escândalos envolvendo a tentativa de golpe de Estado, deputados bolsonaristas trouxeram à tona uma pauta polêmica e polarizadora: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe o aborto em qualquer circunstância no Brasil. Com isso, a Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira, 27, a medida, que avançou por 35 votos a favor e 15 contra. 

A manobra ocorre logo após a Polícia Federal (PF) concluir seu inquérito sobre os planos golpistas, que incluíam assassinatos de figuras chave como o ministro Alexandre de Moraes, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin. A proposta, pretende revogar permissões legais garantidas desde 1940, como nos casos de estupro, risco de vida para a gestante e anencefalia.

O texto propõe a inclusão do termo “desde a concepção” no artigo constitucional que assegura a inviolabilidade do direito à vida. A proposta segue agora para análise em uma comissão especial antes de ser submetida aos plenários da Câmara e do Senado.

A aprovação da PEC ocorre em meio a um cenário político marcado pela recente conclusão do inquérito da PF sobre tentativas de golpe de Estado após as eleições de 2022. Com a não adesão de comandantes militares ao plano, os deputados bolsonaristas, que enfrentaram um balde de água fria na tentativa de anistia política, trouxeram à tona uma pauta que já estava adormecida: o endurecimento das leis sobre o aborto.

Embora saibam que a proposta tem pouca chance de avançar no plenário da Câmara, já que depende da vontade do presidente Arthur Lira (PP-AL) para ser pautada, o objetivo principal parece ser reacender debates polarizados e inflamar a sociedade. Para críticos, a manobra busca desviar o foco de outras discussões relevantes e criar embates com o Supremo Tribunal Federal (STF), que já se posicionou favoravelmente à manutenção dos direitos reprodutivos das mulheres.

Direitos ameaçados e reação da sociedade civil

Se aprovada em todas as etapas, a PEC representará um retrocesso nos direitos reprodutivos das mulheres brasileiras. O Código Penal prevê a interrupção da gravidez em situações extremas, como estupro ou risco à vida da gestante. Além disso, decisões do STF, como a descriminalização do aborto em casos de anencefalia, consolidaram avanços históricos no campo dos direitos humanos.

Grupos feministas, especialistas em saúde pública e organizações de direitos humanos reagiram com indignação à aprovação da PEC. Protestos ocorreram durante a votação na CCJ, com manifestantes gritando palavras de ordem como “criança não é mãe, estuprador não é pai”. A presidente da comissão, deputada Caroline de Toni (PL-SC), chegou a interromper a sessão temporariamente para conter os ânimos.

Caso a PEC seja sancionada, o Brasil poderá figurar entre os países com legislações mais rígidas contra o aborto, impondo consequências à saúde pública.

A resistência judicial e o papel do STF

Entre os ministros do STF, a percepção é de que a PEC dificilmente prosperará. Muitos acreditam que a proposta faz parte de uma estratégia de enfrentamento à Corte, mais do que uma tentativa real de mudança legislativa. Em decisões anteriores, como no caso da anencefalia, o tribunal deixou claro que o debate sobre o aborto deve considerar aspectos de saúde pública e direitos fundamentais, e não apenas convicções religiosas ou ideológicas.

Ainda assim, a judicialização dessa PEC poderá gerar um novo embate institucional, aprofundando a polarização entre os Poderes. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, já declarou que criminalizar o aborto é uma péssima política pública, destacando a necessidade de o tema ser tratado de maneira responsável e não como ferramenta de conflito político.

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