Com a sede atual inaugurada em 1960, o ‘atual’ Supremo Tribunal Federal (STF) se instalou e fixou suas bases em Brasília como um Poder atuante com protagonismo e, por muitas vezes, assumindo o papel de contramajoritário. Agradando uns, desagradando sempre outros, o Tribunal exerce seu papel de proteger a Constituição, ainda que contra a vontade da maioria. Em 215 anos de existência, passaram pelo Supremo quase 300 ministros, sendo 124 durante o período Imperial e 170 ministros sob a República e milhares de processos e julgamentos que ficaram marcados na história da Corte e do País.

Seja pela popularização e democratização da informação, seja pela maior politização da população, o STF e seus ministros passaram a ter um lugar de destaque tanto na imprensa quanto nos debates da grande massa nos últimos anos. Foi justamente esse protagonismo que jogou luz, e muitas críticas e elogios, sobre a atuação do Tribunal.

Nos eventos mais recentes da história do Brasil, o Supremo julgou dois processos de impeachment (Fernando Collor de Melo e Dilma Rousseff); o julgamento do Mensalão, que envolveu importantes atores políticos e empresários acusados de corrupção ativa e passiva; operação Lava Jato, responsável por julgar um dos casos mais emblemáticos do Judiciário Brasileiro; discussão da prisão em segunda instância, a partir de 2019; julgamento da homofobia como crime de racismo e medidas relacionadas à pandemia, como a autonomia dos estados e municípios para impor restrições e ações do Governo Federal. Toda essa atenção culminou no 8 de janeiro, ocasião em que a Praça dos Três Poderes, em Brasília, foi invadida e o prédio do Supremo destruído.

A aprovação da indicação de Flávio Dino para ser o próximo ministro do Poder Judiciário máximo do País coloca ainda mais evidência na atuação do Poder, mas não somente isso.

Promulgação da Constituição de 88 foi acompanhada pelo presidente do STF ministro Moreira Alves | Foto: Arquivo Congresso Nacional

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Supremo na história

A história da Suprema Corte no Brasil começa na fase colonial, quando o País era apenas uma colônia marítima de Portugal. Em 1808, a denominação do órgão era Casa da Suplicação do Brasil, e foi chamado assim até janeiro de 1829. O documento que instituiu o primeiro órgão de cúpula da Justiça Brasileira foi publicado editado pelo príncipe regente D. João em 10 de maio de 1808.

A partir de 1829, a Corte passou a ser chamada de Supremo Tribunal de Justiça, e assim permaneceu até 1981, quando finalmente adotou o nome que leva até os dias de hoje. Por um período de três anos, porém, a Corte teve seu nome novamente trocado. Durante a República, a Constituição Federal de 1934 alterou a denominação constitucional do STF, passando a designá-lo como Corte Suprema. Foi somente com o advento da Carta Magna de 1937 que foi alterada a denominação anterior, que é mantida até hoje pelas Leis Fundamentais da República.

A primeira sessão plenária do Supremo Tribunal Federal — com essa nomenclatura — aconteceu no dia 20 de setembro de 1946 sob a presidência interina do ministro Sayão Lobato (Visconde de Sabará), que presidia o Supremo Tribunal de Justiça durante o período do Império. Nessa sessão, aberta às 13h, o baiano Freitas Henrique foi eleito o primeiro presidente oficial.

A última sessão do STF no Rio de Janeiro, no antigo edifício da Avenida Rio Branco, foi em abril de 1960, que suspendeu os efeitos de prazos processuais até a mudança.

A transferência da sede para a Capital da República foi apenas em abril de 1960, sendo a 5ª ‘residência’ dos ministros e da Corte. Localizada na Praça dos Três Poderes, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

Um goiano na mais alta Corte do País

Joaquim Xavier Guimarães Natal, único ministro goiano a atuar na Suprema Corte | Foto: Reprodução

O primeiro e único ministro goiano, Joaquim Xavier Guimarães Natal tomou posse em 1905 e ficou por 22 anos no mandato. Ele exerceu o cargo de Procurador-Geral da República durante a presidência o único negro a comandar o País, Nilo Peçanha, entre 1909 e 1910. O advogado e bacharel em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco foi o responsável pela redação final da Constituição de 1981 e é avô de Colemar Natal e Silva.

Joaquim Xavier Guimarães Natal nasceu na cidade de Goiás, capital da província de Goiás, no dia 25 de dezembro de 1860, filho de Luís Pedro Xavier Guimarães e de Leonor Gertrudes Fialho Guimarães.

Ele fez parte da junta governativa de Goiás após a proclamação da República em 1889, foi eleito deputado federal constituinte em 1890, e foi signatário da Constituição estadual de Goiás em 1891. Ele se filiou ao Centro Republicano, que defendia a autonomia estadual e se opunha ao governo de Rodolfo da Paixão.

A diferença regional dos ministros da Suprema Corte faz parte do intenso debate sobre a representatividade do Tribunal. A região sudeste concentra 91 indicações, liderados por Rio de Janeiro (33 ministros) e Minas Gerais (30 ministros), seguidos por São Paulo (27) e Espírito Santo (1 ministro). A segunda região com o maior número de indicados é o Nordeste, com 53 ministros.

Um médico no Supremo

O STF é composto por onze Ministros, brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988). A nomeação é feita pelo presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988).

Notou que o texto da Lei não exige a formação em direito para ser indicado ou nomeado para o cargo? O advogado Valério Luiz Filho explica que, apesar da “doutrina constitucionalista entender que é necessários um bacharel em direito” esse requisito no texto da Constituição é inexistente.

Entretanto, por um período de aproximadamente dez meses um médico teve seu lugar garantido na cadeira da Suprema Corte. Candido Barata Ribeiro foi empossado em novembro de 1893, indicado pelo então presidente Marechal Floriano Peixoto.

Durante o período que teve assento no Supremo, julgou inúmeras causas, inclusive diversos pedidos de habeas corpus. No entanto, após uma Resolução do Senado, acolhendo parecer do então senador João Barbalho, teve sua nomeação presidencial rejeitada.

O Senado Federal, aliás, rejeitou outras quatro indicações de Peixoto, incluindo dois generais e um diretor-geral dos correios.

Curioso ressaltar que seis indicados rejeitaram os convites para compor a Corte: Afonso Augusto Moreira Pena, convidado pelo presidente Prudente de Moraes; Francisco Mendes Pimentel, convidado por Wenceslau Braz e presidente Getúlio Vargas; Clóvis Beviláqua, convidado por Hermes da Fonseca e presidente Washington Luís; Milton Campos, pelo Presidente Castello Branco e Emílio Garrastazu Médici; Hely Lopes Meirelles, por Ernesto Geisel e Heráclito Fontoura Sobral Pinto, indicado pelo presidente Juscelino Kubitschek

Sessão ao vivo, TV Justiça e julgamento mais longo

O julgamento do Mandato de Segurança (MS 21.564/DF) impetrado pelo então presidente da República Fernando Collor foi a primeira sessão plenária do Supremo a ser transmitida, ao vivo, por emissoras de televisão. A tentativa de impedir a fase preliminar do processo de impeachment foi transmitido por um pool de emissoras de televisão para todo o País em 23 de setembro de 1992, numa quarta-feira.

Já a primeira sessão transmitida pela TV Justiça foi presidida pelo ministro Marco Aurélio em agosto de 2002.

A sessão mais longa iniciou-se em agosto de 2012 e foi encerrada em dezembro daquele ano. Foram, ao todo, 53 sessões plenárias inteiramente dedicadas à análise do processo que culminou no chamado ‘Mensalão’. O processo criminal tinha 51.313 páginas e 40 réus.

Sessão de julgamento do ‘Mensalão’ em 2012 | Foto: Reprodução/STF

O escândalo do Mensalão ocorreu durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O esquema consistiu no repasse de fundos de empresas que faziam doações ao Partido dos Trabalhadores em troca de apoio político. O esquema teria começado em 2002 e só foi descoberto em 2005.

As mulheres no Judiciário

A barreira histórica e social alavancada pela discriminação de gênero no País fez com que a Corte Suprema brasileira tivesse apenas três mulheres indicadas para o cargo. A primeira ministra chegou ao posto apenas em novembro de 2000, indicada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Ellen Gracie Northfleet, natural do Rio de Janeiro, foi presidente do STF entre 2006 e 2008. Além disso, ela integrou o Tribunal Superior Eleitoral entre 2001 e 2004.

Ellen Gracie foi indicada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso | Foto: Reprodução

Ela iniciou sua formação acadêmica e profissional no Rio Grande do Sul. Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1970, e fez pós-graduação em Antropologia Social pela mesma universidade em 1982.

A segunda mulher à ocupar o posto de ministra do STF foi Cármen Lúcia, empossada em 2006. Autora de uma série de livros em matéria de Direito Público, foi a primeira mulher a presidente o Tribunal Superior de Eleitoral (TSE) e foi presidente do STF entre 2016 e 2018.

Nascida em Minas Gerais, ela se formou em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas e foi procuradora do Estado. Ela foi indicada pelo presidente Lula para ocupar a vaga deixada após a aposentadoria de Ellen Gracie.

A terceira ministra, Rosa Weber, foi a primeira mulher que, na condição de magistrada de carreira, foi alçada ao cargo no Supremo. Ela ingressou na Justiça do Trabalho (TRT 4ª Região/RS) e se tornou juíza em em 1976.

As três mulheres que tiveram assento no Supremo Tribunal Federal | Foto: Reprodução

Weber foi responsável pelo TSE durante um dos períodos mais conturbados desde a redemocratização. Durante sua gestão, entre 2018 e 2020, foi ela quem deu procedimento à diplomação dos candidatos eleitos à presidência e à vice-presidência da República.

Foi durante a presidência de Weber que a criminosa invasão da sede dos Três Poderes foi invadida, em 8 de janeiro deste ano.

“Não houve um momento sequer, desde o atentado, em que esta Suprema Corte tenha deixado de cumprir a sua missão precípua de guardar a Constituição, demonstrando que esta imprescindível instituição republicana se mantém livre e independente, e que nossa democracia permanece
inabalada e inabalável.”

Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal

Defesa da Constituição e atuação nos últimos 25 anos

Desde a promulgação da Constituição de 1988, o Supremo passou por uma série de momentos históricos, como citado acima. Impeachment, julgamento de ações sobre escândalos de corrupção e ataques diretos transformaram a Corte.

O promotor de Justiça, especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/Rio de Janeiro, Eliseu Antônio da Silva Belo, explica ao Jornal Opção que a função da Corte, não se difere do papel de outros tribunais pelo mundo. “O papel designado pela Constituição estabelece como principal função do STF guardar a própria Lei naquilo que ela tem de mais importante: os direitos e garantias fundamentais do povo brasileiro”, explica.

Da Silva Belo conta que, apesar de uma “hipertrofia” e casos de invasão da competência de outros Poderes em algumas decisões, o Judiciário tem a função de garantir o equilíbrio entre esses Poderes e ser responsáveis pelos “freios e contrapesos” da Constituição.

O sistema político chamado de presidencialismo de coalizão, aponta Belo, tem interferido de “maneira decisiva na indicação dos ministros que farão parte da Corte”. “Você nota um movimento nos últimos anos, especialmente nos dois primeiros governos do PT, a gente percebe que pessoas umbilicalmente ligadas ao presidente da República é que tem chances de ocupar uma vaga. Critérios como gênero e raça ficam em segundo plano”, aponta.

Já para o advogado Valério Luiz, o Supremo tem uma função de contramajoritário para impedir que Leis inconstitucionais e/ou que retirem direitos sejam aprovadas, ainda que com a força da maioria. “O Supremo, assim como todos os órgãos do judiciário, respeitam o princípio da inércia, ou seja, ele não age de ofício. A partir da Segunda Guerra, com a acessão do Nazismo, os tribunais passaram a ser mais protagonistas”, conta.

Essas experiências, ainda que democráticas e “legais”, porém, derreteram os princípios da Lei de garantias de direitos. “A democracia não quer dizer que a minoria está a mercê da vontade da maioria. O direito não pertence a maioria, ele pertence a todos. Então a maioria não pode negar ou retirar os direitos de uma pessoa”, arremata.

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