Comissão das Mulheres da OAB divulga nota de repúdio a desembargadores do TJGO sobre caso de assédio sexual de ex-líder religioso
27 março 2024 às 19h08
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A Comissão das Mulheres Advogadas (CMA) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) divulgou nota de repúdio em relação às declarações dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), Silvânio Alvarenga e Jeová Sardinha, proferidas durante o julgamento de segunda-feira, 25, de um caso de assédio sexual envolvendo o ex-pastor Davi Passamani.
Segundo a nota, a comissão afirma que os magistrados desqualificaram a vítima e a rotularam de “sonsa”. “Tais comentários, com teor sexista, são inteiramente inaceitáveis, pois reforçam estereótipos de gênero prejudiciais e contradizem o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, critica.
O ex-pastor Davi Passamani foi condenado pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás a pagar uma indenização no valor de R$ 50 mil em danos morais por assédio moral no contexto de violência contra dignidade sexual. A multa deve ser convertida para uma instituição de acolhimento de mulheres vítimas de violência que será indicada pela Justiça.
Segundo o processo, o assédio teve início com Davi mandando perguntas sobre o relacionamento da vítima, mas que escalaram para questionamentos íntimos. As mensagens passaram a ficar mais íntimas, com o ex-pastor tendo, inclusive, pedido para ver as partes íntimas do corpo da vítima.
O julgamento foi marcado por uma série de comentários pejorativos contra a vítima e autora da ação contra o religioso. O desembargador Silvânio de Alvarenga disse que a jovem denunciante de assédio era “sonsa” e expressou descontentamento com o que chamou de “caça aos homens”.
“É lamentável que membros do Judiciário ajam em desacordo com diretrizes estabelecidas para prevenir a reprodução de preconceitos e estereótipos. Destacamos que muitas mulheres hesitam em buscar justiça devido ao receio de serem revitimizadas e enfrentarem julgamentos injustos, sendo julgadas em detrimento de seus agressores”, consta na nota da CMA.
No segundo dia de julgamento, Jerônymo Villas Boas dedicou-se à análise efetiva das provas e trouxe em sua fala a narrativa dos fatos, mostrando e comprovando que jamais houve envio de fotos ou encontro entre a vítima e o agressor, conforme as provas que estão no processo, que a vítima sofreu danos morais e sofreu investidas contra a sua dignidade sexual pelo seu pastor.
Davi Passamani enfrenta múltiplas denúncias de assédio, sendo que uma delas resultou em suspensão condicional da pena em 2020. Outra denúncia, de 2023, ainda está em investigação. Passamani nega todas as acusações, afirmando serem parte de uma conspiração para removê-lo da liderança da igreja.
Nota da CMA na íntegra:
“A Comissão das Mulheres Advogadas (CMA) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) repudia veementemente as falas dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), Silvânio Alvarenga e Jeová Sardinha, que durante o julgamento, nesta segunda-feira (25 de março), de um caso sobre assédio sexual envolvendo um ex-líder religioso, descredibilizaram a vítima e a chamaram de “sonsa”.
De cunho sexista, tais falas são completamente inaceitáveis por reforçarem estereótipos de gênero prejudiciais e irem de encontro ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), no caso Márcia Barbosa de Souza, que entendeu que a investigação e o processo penal tiveram “um caráter discriminatório por razão de gênero e não foram conduzidos com uma perspectiva de gênero.
Este protocolo traz orientações para evitar a reprodução de preconceitos e estereótipos no Poder Judiciário, inclusive nos casos de assédio, como no presente caso, e, através da Resolução 492 de 17/03/2023 do CNJ, passou a ser diretriz nos julgamentos.
Assim, é lamentável que membros do Judiciário ajam de forma contrária a essas diretrizes estabelecidas para evitar a reprodução de preconceitos e estereótipos. Destacamos que muitas mulheres hesitam em buscar a justiça devido ao medo de serem revitimizadas e de enfrentarem julgamentos injustos, de se verem julgadas em detrimento de seus algozes.
Sem sombra de dúvidas, o Protocolo do CNJ representa um avanço importante para a garantia dos direitos das mulheres no sistema judiciário, e seu conhecimento e aplicação é fundamental, especialmente em casos de assédio e outros crimes sexuais.
Sendo assim, exigimos que medidas sejam tomadas para garantir que tais comportamentos não se repitam e que as vítimas sejam tratadas com respeito, empatia e justiça. Acreditamos que apenas com a aplicação efetiva das diretrizes estabelecidas no Protocolo será possível construir um ambiente judiciário mais igualitário e justo para todas as pessoas, independentemente de seu gênero.”
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