Com 60% de estudantes de baixa renda, UFG teme cobrança de mensalidade

25 maio 2022 às 19h04

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Outros 40% são da classe média, que, pelo Projeto de Lei, deverá arcar com parte do financiamento das universidades
Em tramitação na Câmara dos Deputados, com parecer favorável do deputado federal Kim Kataguiri (União – SP), da Comissão de Educação, a Proposta de Emenda a Constituição (PEC), nº 206/2019, pretende instituir a cobrança de mensalidades nas universidades federais de todo o Brasil. A votação estava marcada para essa terça-feira, 24, mas foi barrada pela oposição.
A matéria de autoria do deputado General Peternelli (PL-SP) tem causado muita polêmica, por justificar que apenas os ricos, que, segundo o texto, são maioria nas instituições públicas, pagariam para estudar. No entanto, em entrevista ao Jornal Opção, a reitora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Angelita Lima, destaca que na realidade as universidades atendem estudantes de baixa renda e da classe média. Esse último grupo seria penalizado pela cobrança.
De acordo com ela, o ensino deve ser uma política pública com investimento do Estado, que pode manter programas de pesquisas e extensão, que são caros, e recursos de mensalidades não seriam suficientes para o custeio. A reitora cita o exemplo das instituições privadas que, mesmo com estudantes pagando, dependem de verbas estatais.
Jornal Opção: Quais são os argumentos de quem defende cobrar mensalidade nas universidades públicas?
Angelita Lima: Os argumentos utilizados para a alteração da Constituição, que fere o direito fundamental do acesso à Educação, e de que a mensalidade vai fazer o custeio das universidades. Isso é um argumento falacioso. Essa possibilidade de entrada de recursos não é suficiente para manter uma instituição. Um sistema público de ensino não se mantém com mensalidades, ele se mantém como política pública de Estado e com investimento em ensino, pesquisa e extensão. É falacioso achar que isso vai resolver o problema do financiamento das universidades, não vai, como não resolve o problema das universidades privadas, que muitas para existirem lançam mão de programas do Estado, como o Pro-Uni, por exemplo, para se manterem.
Jornal Opção: Pela proposta seria uma parte financiada pelo Estado e apenas estudantes ricos pagariam mensalidades.
Angelita Lima: Esse é outro argumento. De que os recursos produziriam, entre aspas: Justiça Social, porque os ricos pagariam. Primeiro, o problema da desigualdade social não se resolve com a entrada na universidade. O problema da desigualdade social só se resolve com programas específicos, voltados para a distribuição de renda. Então, também é uma falácia. E, outra, estudantes que estão sendo apontados como que podem pagar, são filhos da classe média, são trabalhadores. Em geral, a classe média será profundamente afetada por isso, e os riscos que podem pagar de fato, não estudam nas escolas brasileiras, eles estudam nas escolas estrangeiras. Então também é uma falácia, do ponto de vista da nossa realidade, por exemplo, aqui na UFG mais de 60% são de estudantes de baixa renda. Então teríamos 60% de baixa renda e 40% filhos da classe média que seriam prejudicados com a aprovação desta PEC.
Jornal Opção: Caso o projeto seja aprovado, quais seriam as dificuldades para as universidades?
Angelita Lima: Do ponto de vista da universidade, com a quebra do princípio da gratuidade, há a quebra do princípio da universalidade, porque ela é ensino, pesquisa e extensão. Essa PEC reduz a educação superior ao ensino, excluindo o tripé: ensino, pesquisa e extensão, e acrescentamos ainda a arte e cultura. Ela exclui essa universalidade, essa condição, e mais, ignora que a maior parte da produção científica, do conhecimento feita no Brasil, é produzida nas universidades públicas. Então isso interfere profundamente nesse sistema de universidades. Além de interferir, se aprovada for, poderá produzir uma segregação. Nós teríamos que fazer uma gestão para um tipo de universidade, com tipo de estudantes que paga e outros que não pagam, isso tornaria ingovernável, do ponto de vista do princípio da universalidade, e , provavelmente, quebraria a espinha dorsal que é essa possibilidade da universidade de formação integrada e interdisciplinar.
Jornal Opção: Com a obstrução da votação da PEC ontem, isso representa uma vitória?
Angelita Lima: É importante dizer que a PEC que entraria na pauta da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), ontem, por força de um requerimento pela deputada Maria do Rosário (PT-RS), vai ser matéria de uma audiência pública, para um debate público, e nós permaneceremos atentos e mobilizados contra qualquer movimentação no sentido de aprovação dessa PEC. Quero dizer também que a Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Universidades Federais de Ensino Superior) mobilizou todos os reitores e reitoras, ontem e anteontem, para que fizéssemos contatos com as bases parlamentares. Então, aqui em Goiás, nós conversamos com os nossos deputados que integram a CCJ e, felizmente, obtivemos deles, sinal positivo de que votariam a favor da posição dos reitores e reitoras, ou seja, contra o parecer que aprovaria a instituição de cobrança nas universidades. Isso nos deixa um pouco mais confortáveis, mas não, necessariamente, descansados. Estamos muito atentos. Vamos a audiência pública e permanecer em mobilização constante e atentos contra a aprovação dessa PEC.