Brasil tenta convencer mundo de que cumprirá metas ambientais com pensamento mágico
22 abril 2021 às 15h57
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Trabalhar para cumprir objetivos estabelecidos de forma concreta nunca foi o forte do governo Bolsonaro. Vai ser difícil convencer líderes estrangeiros sem mostrar algo na prática
Na quarta-feira, 21, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, teve de rever a meta para cumprimento da vacinação do chamado grupo prioritário (idosos, pessoas com comorbidade, trabalhadores em atividades essenciais etc.). Ficou para setembro. Até então, o prazo estabelecido por seu antecessor, o general Eduardo Pazuello, era maio. Baseado em qual evidência, já que o cronograma não mostrava que haveria vacinas suficientes?
Em dezembro do ano passado, Jair Bolsonaro disse que a pandemia estava “indo embora”, apesar de um “repique” em Manaus, e que o Brasil retomaria a normalidade e o crescimento econômico. Baseado em que dados?
Agora, na cúpula do clima liderada por Joe Biden, em seu pronunciamento bem comportado, o presidente brasileiro exaltou números positivos produzidos por governos passados e se comprometeu a reduzir o desmatamento até 2030 dentro da meta e “determinou” a neutralização das emissões de carbono até 2050. Não sem antes dizer, no momento Pinóquio, que seu governo está fortalecendo a estrutura de fiscalização ambiental. Baseado em que medidas?
Na verdade, tudo o que foi exposto nos três parágrafos anteriores têm origem na mesma aposta: o pensamento mágico. Não se sabe se por influência do viés nada laico que tem, o governo Bolsonaro banca previsões sem que na prática faça qualquer movimento para que elas de fato aconteçam – quando não trabalham efetivamente contra o próprio discurso. E foi assim que resolveram levar para o encontro de Biden a estratégia do antiministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que ontem passou o dia sob alvo de um tuitaço com a hashtag #ForaSalles nas redes sociais, onde bateu boca com ninguém menos que a cantora pop Anitta.
Salles é, do QG da chamada ala ideológica do governo, o mais sagaz. É interessante como sabe usar a retórica adquirida no bacharelado em Direito para jogar números ao bel-prazer, tentando mostrar que o Brasil está “bem na fita” e trabalhando pelo meio ambiente, mesmo que os dados sistematizados mostrem exatamente o contrário. Fala com muita segurança e, para quem não o conhece, demonstra seriedade.
O discurso de Bolsonaro pode ser resumido em “nos deem dinheiro que sabemos o que fazer, só não podemos dizer como”. Mas, convenhamos: o que o atual governo fez por merecer crédito, literalmente, pelo que diz? Nos dois últimos anos, a Amazônia queimou intensamente; o Pantanal, bioma riquíssimo, teve pelo menos um terço de sua área totalmente destruído em 2020. O mês de março bateu recorde de desmatamento. E aí, como fica isso? Quem avaliza o cheque?
Obviamente, a empreitada não vai obter sucesso em financiamento internacional pró-Amazônia se o que se diz não for posto em prática. E, até onde se sabe, pensamento mágico não costuma se materializar.
E o mundo?
Biden fala em “cortar pela metade” até 2030 a emissão de gases de fontes fósseis. É uma meta ousada e que dobra a aposta atual do próprio País, estabelecida em 2005. E são só nove anos até lá. Mas a Califórnia é um trunfo: lá, o investimento em energia renovável mostra que é não só viável como muito lucrativo – a prova é a Tesla, do multibilionário Elon Musk.
Os países da Comunidade Europeia mostram-se aliviados com a mudança de 180 graus no rumo da agenda ambiental dos EUA. Mas a meta de casa que confirmaram às vésperas da cúpula não foi bem vista por especialistas: os 55% de redução na emissão de gases até 2030 não serão suficientes para conter um desastre climático, segundo os pesquisadores, que veem 65% como o número ideal.
O centro da preocupação da China, hoje o país mais poluente do planeta, é com o carvão. A ideia é de que o uso do recurso alcançará o pico em 2025 e, a partir de então, o consumo será reduzido até a neutralidade, que ocorreria apenas em 2060. Em seu discurso na cúpula, o líder do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping, falou em união internacional e multilateralismo para garantir que a luta ambiental se dê em conjunto com a melhora de vida para todos, inclusive a população dos países em desenvolvimento.
Geopoliticamente, o grande vencedor do encontro é o anfitrião: depois da indigência no cenário da grave questão climática promovida por Donald Trump e marcada pela saída do Acordo de Paris, os Estados Unidos voltam com tudo para o papel de protagonismo.