A beleza que mata

21 novembro 2014 às 17h15

COMPARTILHAR
A beleza ideal vem como um desafio diário para aqueles que tentam alcançá-la. A tentativa de ser linda e jovem é como uma dama de mãos de ferro. “Quando tem morte gera repercussão, mas o massacre é cotidiano”, disse o mestre em filosofia Sílvio Costa

Quem nunca viu “Mulheres Perfeitas”? Tudo bem que a discussão filosófica principal do filme é outra, mas o elemento “padrão de beleza” está lá, inserido. Sempre que uma mulher se integra forçadamente na pequena sociedade perfeita, tem que tingir o cabelo de loiro, comprar um espartilho bem apertado, usar salto alto, para ficar linda, magra e loira.
Essa busca pela perfeição é o que leva tantas mulheres à morte, como foi no caso recente de Maria José Medrado de Souza Brandão, de 39 anos, que faleceu em Goiânia após aplicação de um produto nos glúteos. Ela queria apenas aumentar o bumbum, ficar mais bonita, mais sexy. Mas quem foi que disse que para ser bonita tem que ser magra, com seios avantajados, bumbum redondinho e pernas grossas e alongadas?
Os padrões de beleza são mutáveis, e seguem o momento histórico vivido. A estatueta de Vênus Willendorf, datada da Pré-História, retrata uma idealização do corpo da mulher diferente, com seios tão grandes que caem por cima da barriga, uma barriga imensa que quase esconde a vagina, representando uma mulher bem preparada para a maternidade – o maior atributo que o sexo feminino poderia ter na época.
O doutorando em Psicologia e psicanalista Vinícius Andrade aponta que para se falar desses padrões de beleza é preciso buscar a própria origem dos discursos que produzem esses padrões – ou seja, devemos buscar as imposições de roupas, de comportamentos, e de ser fisicamente. “Deve-se sempre levar em conta um contexto que agregue uma dimensão individual e social. Pensando na individualidade, me parece interessante que alguém esteja narcisicamente bem, ou seja, que faça investimentos libidinais em si próprio, que pratique exercícios físicos, tenha alimentação saudável”, disse, completando que a questão importante reside em saber onde estão os investimentos que são de interesse do próprio indivíduo.
“A idade é parte da vida, e ainda assim muitas pessoas acabam se submetendo à ditadura da beleza e se tornam Frankensteins”, Sílvio Costa

O psicanalista sustenta que o corpo deve ser explorado como um palco de múltiplas experiências, mas que o que ocorre é que algumas pessoas exacerbam nestas possibilidades com o objetivo de parecerem interessantes aos olhos dos outros, sentirem-se desejadas, adequadas aos padrões de beleza. “Isso se transforma no objetivo único de vida, a qualquer preço e de qualquer forma, inclusive a administração de hidrogel, como ocorreu esta semana e que resultou no óbito de uma jovem”, pontuou.
De fato, o que é colocado como uma zona de atração e como padrão de beleza, não passa de uma construção social imposta na sociedade. O integrante da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e diretor do departamento Científico da Região Centro-Oeste, Nelson Fernandes, diz perceber um aumento na busca por cirurgias plásticas, por um padrão estético ideal. O médico aponta que um dos fatores é o maior número de profissionais da área e melhoria de vida que o país tem tido nos últimos 20, 30 anos.
Conforme a última pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, de 2011, os dois procedimentos mais realizados no Brasil são a lipoaspiração, 23,32% do total, e prótese mamária de aumento, 16,45%, e a mamoplastica pexia (que busca a correção da queda, com pequena ou nenhuma redução de volume), que equivale a 14,51%. A cirurgia menos realizada é a gluteoplastia com lifting, realizada quando há grande flacidez na região das nádegas, cuja porcentagem de realização no país é 0,21% do total dos procedimentos.
A lipoaspiração tem crescido também entre o público masculino, e a cirurgia no nariz é outro foco do gênero. Entretanto, segundo Nelson, a cirurgia mais realizada por eles é relacionada ao crescimento das glândulas mamárias. O cirurgião vê que o peso da cobrança tem caído também sobre os homens, mas não se compara dos padrões a serem seguidos pelas mulheres. “Para ter-se uma noção são aproximadamente 15% de homens que fazem cirurgia plástica, enquanto mulheres são entre 85% e 90%”.
São muitas escravas de uma beleza ideal, perfeita, inalcançável. Nelson diz que algumas pessoas chegam em seu consultório pedindo ações absurdas, e ele é obrigado a se negar a fazer, pela segurança da própria paciente. Mesmo não sendo algo corriqueiro, o cirurgião garante: “Às vezes algumas pessoas que nos procuram tem distorções da autoimagem, e vão lá querendo corrigir algo que não existe, ou algo que não dá para corrigir.”
Padronização à la Frankenstein

Ao analisar a sociedade ocidental, o mestre em Filosofia e professor universitário Sílvio Costa aponta que parte dessa necessidade de padronização veio a partir da proliferação da economia de mercado existente até os dias atuais. “Um modelo é criado de acordo com o interesse do mercado. Geralmente isso atinge mais as mulheres, mas os homens também estão sendo atingidos cada dia mais, indo nas academias para ficarem ‘sarados'”, explicou.
A construção de modelos ideais, que servem para vender mais mercadorias, é o que permeia essa busca pelo padrão de beleza vigente, e a mídia, segundo Sílvio Costa, tem um papel essencial nessa questão. “A influência dos meios de comunicação sobre as pessoas é assustadora. Homens e mulheres chegam a praticar situações absurdas na busca pelo ideal”, pontuou.
E os concursos de beleza, modelos, atrizes de sucesso, surgem nesse contexto, como manequins que servem de padrão a ser alcançado. “Quando tem morte gera repercussão, mas o massacre é cotidiano”, afirma o professor. A ideia que se difunde, segundo o estudioso, é que se pode fabricar corpos, e as plásticas acabam por criar monstros. As apresentadoras de TV são um dos exemplos citados por Sílvio. “Elas se comportam como menininhas, mas não podem nem sorrir porque estão esticadas daqui e dali. A beleza que tentam vender é eterna, mas isso é um engodo”, e completa: “A idade é parte da vida e ainda assim muitas pessoas acabam se submetendo à ditadura da beleza e se tornam Frankensteins”, esclarece.