O Atlas da Violência de 2024 destacou altos índices de violência sexual em meninas de 10 a 14 anos, correspondendo a quase metade dos registros de agressão nessa faixa etária. Segundo o levantamento, que utiliza dados de 2022, 49,6% dos casos de violência contra meninas de 10 a 14 anos foram agressões de teor sexual. A título de comparação, esse tipo de violência é reduzido para 5,4% em mulheres de 30 a 34 anos, o que aponta maior ocorrência de violações sexuais em meninas e adolescentes. 

O Atlas da Violência mostra ainda que 30,4% dos registros de violência contra meninas de 0 a 9 anos têm natureza sexual. Dos 15 aos 19 anos, os casos de agressão com caráter sexual chegam a casa dos 21,7%. O estudo compara a violência sexual com negligência, violência física, psicológica, múltiplas formas de agressão e outros casos mais específicos. Na faixa etária de 0 a 9 anos, o maior tipo de violência sofrida é a negligência (37,9%), seguida da violência sexual (30,4%). Já para meninas de 10 a 14 anos, a violência sexual é a mais comum. 

Em entrevista ao Jornal Opção, a médica epidemiologista e antiga integrante do Ministério da Saúde, Fátima Marinho, alerta para o perigo de gravidezes tardiamente identificadas em meninas nessas idades, muitas vezes oriundas dessas violências. “Como é muito frequente esse abuso sexual, existe o risco de gravidez”, afirmou antes de completar: “Outro problema que a gente está sofrendo é a identificação tardia dessa gravidez”. 

Vale destacar que, muitas vezes, a categoria “múltiplas formas de agressão” também traz violações sexuais, somadas a outros tipos. Outro ponto importante a ser mencionado é que esses números correspondem a uma média nacional, ou seja, os números podem ser maiores em algumas regiões do que em outras.  

Veja abaixo o gráfico completo, divulgado pelo Altas.

Fonte: Atlas da Violência 2024.

Na voz da especialista

Fátima explica que nessa faixa etária, os sinais mais perceptíveis da gravidez são comportamentais e que os traços físicos começam a aparecer de forma mais perceptível após a 20° semana de gestação. Nesse sentido, a especialista reforça a importância da escola e da educação sexual. “Muitas vezes, essas crianças levam essas questões para a professora”, explicou. 

Fátima Marinho l aFoto: Reprodução.

“Geralmente essa violência acontece dentro de casa e por um conhecido”, a médica expõe uma das razões para a descoberta tardia dessas gestações. Em alguns casos, não apenas a criança sofre abusos mas também a mãe, o que dificulta ainda mais qualquer tipo de ação, já que muitas vezes existe dependência financeira do abusador. Dessa forma, a importância do apoio da comunidade e das políticas públicas é reforçada. “Para ela romper essa situação, ela [a mãe] precisa de apoio do Estado”, resumiu. 

Pensando em ações que os governos devem trazer, existem ferramentas que, aliadas ao apoio comunitário, trabalham para coibir essas agressões. Enrijecimento da legislação sobre casos de violência doméstica, criação de casas de apoio para vítimas, levantamento de estatísticas sobre o tema, e campanhas de educação sexual são algumas medidas que o poder público pode e deve fazer uso a fim de combater essas estatísticas. 

PL 1904/24

Indo na contramão da realidade vivida por meninas vítimas de violência sexual, vem o Projeto de Lei 1904/24, que teve tramitação urgente aprovada pelo Congresso Nacional. Esse PL tem como objetivo equiparar abortos realizados após a 22° semana de gestação ao crime de homicídio. Assim, meninas vítimas de estupros que engravidaram, mas só descobriram tardiamente, seriam obrigadas a manter a gestação fruto da violência, e caso aconteça o aborto (até então previsto pela legislação), seriam tratadas com o mesmo peso que se trata homicídios. 

A tramitação do projeto causou comoção na sociedade que reagiu. Na última semana, protestos se levantaram em todas as regiões do país contra o PL do estuprador, como ficou conhecido o texto.

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Projeto que equipara aborto a homicídio também penaliza vítimas de estupro