Com sistema de regulação 100% feito através do Sistema Único de Saúde (SUS), o Hospital de Amor, em Barretos, São Paulo, atende cerca de 100 mil pacientes com câncer por ano. Desses, 50% vem de uma das 27 unidades federativas, ou seja, são pacientes ‘estrangeiros’. Parte dessa avalanche de demandas pelo tratamento humanizado e num dos hospitais com os índices de cura mais elevados do País, seja na iniciativa pública ou na iniciativa privada, também sai de Goiás. São cerca de 9 mil pacientes adultos que se deslocam de Goiás para São Paulo para fazer o tratamento em Barretos. Outras 160 crianças também são tratados na cidade.

Essa realidade, porém, está próxima de mudar. A construção do Hospital de Cora no Estado de Goiás, com a primeira etapa para tratamento de crianças prevista para ser entregue em novembro do ano que vem, irá inaugurar um uma nova etapa do tratamento do câncer no Estado. Um dos diferenciais da unidade em Goiás será a construção de alas de dormitório para familiares e acompanhantes dos pacientes. Essa parte da construção é realizada através da parceria e doação de artistas e celebridades, como DJ Alok, Gusttavo Lima e Maiara & Maraisa.

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Henrique Prata, filho dos fundadores e atual presidente do Hospital de Amor, contou em entrevista exclusiva ao Jornal Opção sobre o processo de escolha do modelo de tratamento, infraestrutura e gestão para Goiás.

Henrique Prata é presidente do Hospital de Amor | Foto: Reprodução

A instituição filantrópica especializada no tratamento e prevenção de câncer com sede em Barretos, São Paulo, foi fundada em 1962. Mantido pela Fundação Pio XII é a maior instituição oncológica do País, com unidades em Porto Velho, Palmas e Sergipe.

A próxima unidade a ser inaugurada com esse modelo será em Goiás, com uma ala pediátrica e adulta, além de alojamento. O contrato, segundo ele, será feito no modelo de concessão, assim como a gestão das Organizações Sociais (OS) para um período inicial de 12 anos com possibilidade de extensão por mais 12 anos. Toda o “patrimônio” do hospital, no entanto, será do Estado.

Dr. Paulo Prata, Dra. Scylla Duarte Prata foram os fundadores do Hospital de Amor | Foto: Reprodução

Tratamento humanizado

Prata disse que o sistema de tratamento humanizado – o mesmo a ser implantado no CORA, em Goiás – começa pelo desenvolvimento e cumprimento das melhores normas internacionais de prevenção e tratamento do câncer.

“Montamos o primeiro protocolo de prevenção para o câncer de mama numa região de Barretos com 700 mil pessoas. Para se ter uma ideia, 20% dessas mulheres chegavam ao Hospital em estágio avançado da doença. Hoje, 20 anos depois, nós temos taxas melhores que a Holanda, que é referência mundial no tratamento do câncer. Não temos, dessa região, uma única mulher que chegue em estágio avançado do câncer de mama”, revela.

Maioria dos tratamentos no hospital é o câncer de mama | Foto: Reprodução

Ele explica que o tratamento ambulatorial, que se dá quando o câncer está em estágio inicial, além de mais barato, tem mais garantias de cura, menos intervenção de cirurgias e menos tempo de internação do paciente. “Se antes uma mulher passava cerca de três meses no hospital devido às inúmeras cirurgias e tratamento radiológico que é extremamente invasivo, hoje elas ficam por duas semanas, quando muito”, conta.

De acordo com Prata, o câncer de mama e o de próstata são os mais atendidos no hospital. “Cerca de 26% dos cânceres tratados são de mama e 25% de próstata. 10% dos tratamentos estão relacionados ao câncer de útero, que aliás já foi extinto em grande parte dos países, além de cabeça, pescoço, pulmão e do sistema digestivo. Há também uma grande incidência do câncer de pulmão”, relata.

Diversas cirurgias são realizadas através de robôs com o acompanhamento de médicos cirurgiões | Foto: Reprodução/Presidência

Além do polo de tratamento, o hospital também é referência em pesquisa para tratamento e desenvolvimento de protocolos para prevenção. [veja abaixo]

Hospital tem taxa de cura de 99% em crianças

Principal câncer em crianças brasileiras, a leucemia tem uma taxa de recuperação superior a 99% no Hospital do Amor. De acordo com Prates, além da doação do projeto para construção do Hospital de Cora e a gestão, a instituição também traz para Goiás o protocolo de prevenção de câncer em crianças para os 246 municípios goianos.

“O projeto Passos que Salvam Vidas ensina nas escolas que a prevenção se faz nos 365 dias. Ensinamos que os professores podem identificar alguns tipos de câncer mais comuns nas crianças com base num protocolo que será distribuído para todos os municípios goianos”, garante.

Aproximadamente 75% dos casos de leucemia infantil são LLA, ou seja, começam nas células linfoides da medula óssea. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), este é o câncer mais comum em crianças e adolescentes, representando um a cada três tipos de câncer entre os grupos. A estimativa é que sejam diagnosticados cerca de 10.910 novos casos de leucemia no país.

Déficit e receita da União

Segundo Prates, o hospital trabalha com um déficit mensal de R$ 40 milhões e é bancado, especialmente, graças a doações. “Temos uma rede de apoio muito importante que sempre faz eventos de doações para o Hospital de Amor. São artistas, prefeituras e Estados que sabem da importância dessa instituição e que ajudam a mantê-lo de pé a 61 anos”, conta.

Ele revela que em 2002 o hospital recebia cerca de 10,5 mil novos casos de câncer, com uma média de R$ 17 milhões de custo. O fundo público da Saúde bancava uma média de R$ 14 milhões desses custos. Hoje, 20 anos depois, ele conta que continua recebendo os mesmos R$ 14 milhões, mas com uma recepção muito maior de novos casos.

Essa discrepância na tabela de preços, segundo o empresário, se dá, em grande parte, pela dominância dos sistemas privados de saúde. “Dominam a saúde, impedem que essa tabela seja reajustada ao custo da vida dos brasileiros mais carentes”.

Administração no formato de concessão estilo OS

A vinda do modelo do Hospital de Amor de Barretos chegou a ser questionada pelo PSDB que alegou a dispensa de licitação na contratação da gestão da instituição. Prata rebateu as críticas e disse que, além da economia na construção do hospital, o modelo será no mesmo formato que as Organizações Sociais (OS). “Será um contrato, assim como as OSs que gerenciam alguns hospitais em Goiás, com a diferença de uma gestão humanizada e especializada para o tratamento do câncer. Se fosse para fazer no modelo que faziam hospitais em Goiás na gestão passada, levariam mais de 10 anos, as obras ficariam paradas e o preço seria astronômico”, conta.

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Ele contra-argumenta ainda a narrativa criada por Marconi Perillo, que apontou que as obras custariam mais de R$ 1,2 bilhão. “As obras começaram a ser feitas em maio, e mesmo com o período das chuvas atrapalhando um pouco a gente, já temos 40% delas concluídas com previsão de entrega em novembro do ano que vem. O mais surpreendente é o preço do metro quadrado dessa obra que gira em torno de R$ 9 mil a R$ 9,5 mil”, conta.

O modelo de concessão é um contrato firmado entre a administração pública e uma empresa privada, onde a empresa passa a executar e explorar economicamente um serviço público. A empresa é remunerada por meio de tarifas pagas pelos usuários.

Diferente das privatizações, que ocorrem uma venda definitiva de ativo público, as concessões ocorrem por um período determinado pelo contrato. Quando o contrato se encerra, o ativo retorna para o Estado, que deve avaliar se fará ou não uma nova concessão.

As obrigações e os direitos da concessionária são regulados pelo contrato e estabelecidos previamente ao início da concessão. Assim, o governo estabelece as responsabilidades da concessionária e a concessionária tem a garantia de que poderá cobrar tarifas dos usuários ou receber compensação do poder público pelos serviços prestados.

Mais barato e obra mais rápida

O modelo, conta Henrique Prata, além de mais barato e mais rápido, levará mais transparência na construção do hospital, cujas obras estão em andamento na cidade de Goiânia. “As acusações são tão desonestas, sem pé nem cabeça. Veja bem, nas antigas gestões, os hospitais levavam 20 anos para serem entregues, quando eram”, argumenta. O gestor criticou ainda uma matéria veiculada em um blog de Goiás que dizia que a obra custaria mais de R$ 2,1 bilhões. “São pessoas sem alma, mentirosas e desonestas”, declarou.

Prata lembrou ainda que todo o trâmite foi avaliado pelo Tribunal de Contas e um projeto foi aprovado na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) para que ajustes necessários fossem feitos. A Fundação Pio VII, além da doação do projeto para construção do hospital, ficará responsável pela gestão do Complexo.

O questionamento da obra foi protocolado pelo ex-governador Marconi Perillo, presidente nacional do PSDB, sob o argumento de que a obra descumpriu a Lei 13.019 (marco regulatório do terceiro setor). A formatação jurídica que possibilitou a implantação do Cora —via Organização da Sociedade Civil (OSC)—, foi aprovada pela Assembleia em novembro de 2022.

Pela Lei nº 21.642, o governo de Goiás foi autorizado a implantar  uma unidade de saúde semelhante, em qualidade e atendimento, ao Hospital de Amor de Barretos (SP).

Dobro de capacidade de tratamento

A construção do primeiro hospital 100% público destinado ao tratamento—via Sistema Único de Saúde (SUS)—, de câncer em Goiás, inaugura um marco para a saúde pública no Estado. O Complexo Oncológico de Referência do Estado de Goiás (CORA) teve sua pedra fundamental fixada em fevereiro deste ano, e 40% das obras já foram concluídas. 

Exame de ressonância magnética | Foto: Reprodução

Finalizado, o hospital deve dobrar a capacidade de atendimento e tratamento do câncer em Goiás. Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO), são realizadas cerca de 4,5 mil cirurgias oncológicas por ano na rede pública de saúde do Estado. Somente o Cora terá a capacidade de executar 7,5 mil cirurgias por ano. Além disso, o hospital terá aptidão para realizar 13,5 mil consultas e 3,5 exames de imagens mensais.

O projeto do Hospital foi doado pela Instituição Pio XII, que integrará a gestão do complexo, e está orçado em cerca de R$ 424,7 milhões, com previsão de mais de 450 mil metros quadros de construção. Além dos 148 leitos de internação, centro cirúrgico, farmácia, centro de exames por imagens e de infusão quimioterápica, a unidade também disponibilizará um espaço para hospedagem de familiares dos pacientes que será construído através da parceria com artistas goianos.

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