Ainda está distante aquela avaliação final do mensalão que Lula sempre promete
03 maio 2014 às 12h30
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É curiosa a dosimetria do ex-presidente Lula. Naquela entrevista em Lisboa, há uma semana, ele calculou que o julgamento do mensalão teve “praticamente 80 por cento de decisão política e 20 por cento de decisão jurídica” do Supremo Tribunal Federal. A precisão do cálculo tropeça naquele “praticamente”, que no universo matemático contém dimensão indefinida.
Houve leitor de jornal, como o brasiliense José Humberto Mancuso, que escreveu carta afirmando que o conteúdo político do processo pode explicar a ausência de Lula entre os mensaleiros denunciados. Sendo chefe do governo que adotou o mensalão, estaria sujeito, inclusive, a impeachment.
“Tem companheiros do PT presos, eu indiquei seis pessoas da suprema corte que julgaram e acho que cada um cumpre com o seu papel”, afirmou o ex em outro momento da entrevista. O que ele quis dizer com isso? Politicamente, os seis deveriam corresponder favorecendo os petistas? O presidente na época indicou os seis ao Senado na expectativa de que fossem fiéis ao governo?
Na verdade, Lula indicou 6 entre 11 ministros, mas um deles morreu antes de participar do julgamento propriamente no plenário, Carlos Alberto Direito. Portanto, no placar de condenações pelo Supremo estavam cinco votos vindos da era Lula. O primeiro que ele indicou foi Joaquim Barbosa, o severo relator do mensalão e atual presidente do Supremo.
A partir de Barbosa, todas as outras indicações ocorreram quando o processo do mensalão já corria no Supremo. Então, o primeiro indicado por Lula foi o fiel Ricardo Lewandowski. Mais na frente veio o fiel Dias Toffoli, ex-advogado do PT. As indicações da presidente Dilma Rousseff foram decisivas na redução da pena de mensaleiros na etapa das infringências.
“O que eu acho é que não houve mensalão”, disse Lula em certo momento, em Lisboa, num caso onde o verbo achar funciona como um pensamento incerto, estranho a quem faz cálculos. Como presidente, em agosto de 2006, parecia mais seguro ao providenciar um pronunciamento em cadeia de televisão e rádio para se desculpar pelo mensalão:
— Eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia e que chocam o país.
Agora, na entrevista à televisão portuguesa, a jornalista Cristina Esteves perguntou por pessoas de confiança do então presidente e que estão presas por serem mensaleiras, como José Dirceu e José Genoino. Lula então interrompeu a pergunta. “Não se trata de gente de minha confiança”, atravessou, como quem se sentia incomodado com a conversa:
— Tem companheiro do PT preso e eu também não vou ficar discutindo a questão da suprema corte. O que eu acho é que essa história vai ser recontada.
Volta e meia Lula promete uma avaliação definitiva do mensalão que ocorreria ao final do processo no Supremo, o que ocorreu em março último. Há um mês, em entrevista a um grupo de blogueiros amigos, ele confirmou o compromisso que não se realiza:
“A história do mensalão vai ter que ser recontada nesse país e, se eu puder ajudar, vou ajudar a recontá-la. Quero que a verdade venha à tona. Como não quero julgar ninguém de forma precipitada, tem que esperar a poeira baixar.”