Um julgamento e uma cassação muito estranhos

01 abril 2018 às 00h00

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Defesa de Marcelo Miranda e o próprio MDB “dormiram” no ponto; sentença imposta pelo TSE causa instabilidade administrativa aos tocantinenses

Após a cassação do governador Marcelo Miranda (MDB), várias foram as especulações, quer seja sobre o andamento processual — a passos de tartaruga — por parte da Justiça Eleitoral, quer seja sobre a voracidade com que essa mesma Justiça ataca os “pequenos”, se acovardando quando o assunto é com gente grande, como Lula da Silva, Dilma Rousseff ou Aécio Neves, por exemplo.
Três anos de três meses após a posse de Marcelo e sua vice, Claudia Lelis (PV), e após um ano e um mês de “vistas” no gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, que agora é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), eis que o voto foi concluído, totalmente contrário ao entendimento da relatora, que houvera absolvido Miranda, e colocado em pauta para julgamento. O relatório do presidente Fux foi aprovado por 5×2. Resultado: o governador foi cassado.
Algumas nuances deste julgamento merecem reflexões mais aprofundadas. No avião de Piracanjuba (GO), apreendido pela Polícia Federal (PF) em setembro de 2014, com R$ 500 mil, havia também material gráfico (santinhos) com fotografias dos candidatos a governador Marcelo Miranda e a deputado federal Carlos Gaguim, ambos do PMDB, à época. Ressalta-se que o CNPJ, circunscrito no verso dos tais santinhos, era da campanha do candidato a deputado, Gaguim.
O Ministério Público Eleitoral, temendo que um dos candidatos se elegesse e o outro não – criando uma espécie de foro privilegiado para quem não fosse eleito –, ajuizou contra os dois então candidatos duas ações judiciais pelo mesmo crime.
Ambos foram eleitos, cada qual para o cargo a que concorreu. O processo contra o deputado Gaguim voou e, rapidamente, chegou ao TSE. Os autos que questionavam a conduta do governador – não se pode afirmar se propositalmente ou não – ficou “ancorado” no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-TO). Assim como seu governo- tampão, Gaguim também “acelerou” sua defesa e, após contratar uma respeitável banca de advogados eleitorais de Brasília (DF), foi absolvido, visto que não foi possível, para o TSE, comprovar que o montante em cédulas pertencia ao referido candidato. Aplicando o princípio do direito penal, “in dubio pro reo”, ou seja, “na dúvida, absolva”, Gaguim se livrou da acusação de caixa 2.

Para os advogados do governador Miranda, foi como achar uma mina de ouro inexplorada. Requereram, imediatamente, a juntada – como prova emprestada – da cópia da decisão absolutória do processo de Gaguim e, ato contínuo, requereram a absolvição do chefe do poder executivo. Eram favas contadas. Pelos princípios naturais do direito, o Tribunal jamais julgaria de forma diferente o outro réu que respondia pelo mesmo crime. Se não era possível condenar um deles, nem tampouco o outro.
Marcelo Miranda e seus advogados basicamente deitaram em berço esplêndido e não esperavam por quaisquer surpresas no julgamento. A absolvição era certa… Entretanto, o direito não é uma ciência exata. Longe disso. O relatório-voto do ministro Fux é a prova viva disso. Levado a plenário, a sentença de Gaguim foi solenemente desconsiderada – como se sequer existisse –, novas provas foram trazidas à baila e o governador viu, em julgamento de última instância, seu mandato cair por terra.
Era necessário mais atitude por parte da banca de advogados. Era razoável mais preocupação por parte dos assessores do governador e até mesmo do seu partido, o MDB. Esperaram demais. Confiaram demais. Cantaram vitória antes do tempo. Deram com os burros n’água. O futuro político de Marcelo Miranda é incerto. A maior expressão política da sigla no Estado do Tocantins está fora de combate, pelo menos, a princípio, por oito anos. Este foi o custo – alto, inclusive – da inércia.
O presidente da Assembleia Legislativa do Tocantins, Mauro Carlesse (PHS), que até prova em contrário não tem nada com isso, foi empossado como governador interino. Nomeou seus assessores diretos, mas que por força de decisões judiciais estão de pés e mãos atados. O Tribunal de Contas e a Justiça – uma vez mais(!) – intervieram, para recomendar e determinar que durante o período de transição, o gestor se abstenha de práticas de quaisquer atos que tenham o condão de impactar e comprometer o equilíbrio das finanças e das contas públicas. É que as apreciações realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre as contas prestadas pelos chamados governadores tampões “demonstraram a ocorrência de sérias ilegalidades e irregularidades danosas nos exercícios temporários dos mandatos”.
Os exemplos utilizados pelos órgãos de controle foram as rejeições das contas do ex-governador Carlos Gaguim, que teve uma gestão-tampão em 2009 e 2010; e também de Sandoval Cardoso, governador interino de 2014.
Resumindo: Carlesse está travado e o Estado do Tocantins parado por, no mínimo, 40 ou 50 dias. Será um longo período em que o governador interino poderá, no máximo, se apresentar para a população – uma vez que ainda é um ilustre desconhecido – investindo, às suas expensas, em comunicação interpessoal. Outras despesas, exceto folha de pagamento dos servidores e outras urgências, estão absolutamente proibidas.
Coincidentemente, o governo de Carlesse inicia-se na Páscoa, época de renovação. Contudo, em razão das circunstâncias e da declarada crise política, ao invés do recomeço, haverá apenas marasmo, aliado ao escancarado jogo do poder, visando as eleições suplementares em junho próximo.
E a população? Certamente sofrerá com engessamento governamental, que permitirá apenas articulações políticas, em detrimento de ações administrativas, próprias de quem ocupa o cargo de governador.