“Se a escola não produz sentido a um contexto, o aluno tem dificuldade de aprender e o professor de ensinar”
17 janeiro 2015 às 12h47
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Secretário de Educação recém-empossado comenta os resultados ruins do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e afirma que é preciso modificar a forma como o conteúdo é administrado em sala de aula
Gilson Cavalcante
Diante dos resultados pouco satisfatórios do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), divulgados na última semana, uma das metas do novo secretário estadual de Educação, Adão Francisco de Oliveira, é fortalecer o ensino integral. Segundo ele, a educação integral implica na implantação de uma formação emocional e afetiva, lúdica e criativa, junto às crianças. “É ir além do que já é a experiência na escola, que é a laboral e cognitiva”.
Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, o secretário diz que a proposta para os próximos anos é trabalhar nos alunos mais do que os muros da escola permitem. “Temos a necessidade de permitir a todos os educandos do nosso Estado que se tornem sujeitos de caráter crítico e participativo. E dentro do domínio da crítica, exercer sua autonomia”.
O secretário destaca também que pretende trabalhar em cinco pontos: a formação continuada dos professores; a implantação de escolas de referência do campo; o atendimento às demandas da categoria dos servidores da educação; a valorização do trabalho dos servidores por meio do mérito; e o fortalecimento da diversidade cultural no currículo escolar.
A grande questão está também no lado financeiro. Oliveira afirma que encontrou a Secretaria de Educação (Seduc) exaurida de recursos para fazer investimentos, embora haja dinheiro para fazer aquilo que já está contratado, ou em execução.
Por isso, ressalta que “não é possível falar de qualidade se existem escolas que estão desestruturadas. Atualmente, nós temos no Estado muitas escolas em situação de desestruturação. Nós precisamos de dinheiro para poder capacitar, dar formação continuada para os professores da rede. Enfim, é preciso remodelar toda a base conceitual, metodológica e de conteúdo. Então, tudo isso depende de dinheiro”.
O sr. chegou à secretaria e apontou uma série de problemas. Quais são os desafios que vê pela frente e como minimizá-los?
Primeiramente, cabe destacar que os problemas da Secretaria de Educação [Seduc] são problemas comuns às demais secretarias do Estado. Na verdade, todos os órgãos foram encontrados por esta gestão com um conjunto considerável de endividamento de todas as ordens. No nosso caso específico, o endividamento diz respeito não somente aos repasses constitucionais e legais que precisam ser feitos às escolas e aos municípios, na perspectiva de gestão compartilhada, do pacto federativo relativo à manutenção das escolas, como também de obras, tanto reformas quanto construções. Nós temos escolas para serem entregues para a sociedade de um modo geral e a gente precisa colocar novamente na ordem do dia o funcionamento dessas obras para que, de fato, honremos esses compromissos. Então, esse foi o quadro que encontramos. O que admira muito, e o que nos deixa surpreso, é que a Educação tem dinheiro para aquilo que está contratado, para aquilo que foi efetivado, mas talvez esses recursos não sejam suficientes para poder fazer investimentos além disso.
Mas a qualidade do ensino médio não depende somente de dinheiro, mas de ações determinadas.
Depende de dinheiro para estruturarmos as escolas. Não é possível falar de qualidade se existem escolas que estão desestruturadas. Atualmente, nós temos no Estado muitas escolas em situação de desestruturação. Precisamos readaptar o espaço físico para que ele seja um espaço acolhedor, que seja um espaço integrador, acessível e que garanta a acessibilidade no sentido mais amplo possível. Nós precisamos de dinheiro para poder capacitar, dar formação continuada para os professores da rede, esse é um elemento fundamental em metodologia de ensino. Enfim, é preciso remodelar toda a base conceitual, metodológica e de conteúdo. Então, tudo isso depende de dinheiro.
O sr. pretende inserir na grade curricular a discussão sobre a diversidade cultural no Estado?
A diversidade cultural está, de certo modo, sendo discutida, mas com certa inibição. A gente precisa é potencializar essa discussão de forma organizada dentro da educação integral, que é o nosso lema, a marca dessa gestão, para que a gente possa completar esse círculo formativo do ser humano no espaço escolar. Então, a diversidade passa a ser uma pauta privilegiada juntamente com outras pautas que devem receber destaque para além daquilo que já é base de conteúdo, na perspectiva do introdutório, a gente quer agregar outros aspectos que fazem parte dessa dimensão formativa.
O sr. acredita que o Enem é o único mecanismo de avaliação do ensino médio?
O que o Enem nos mostra? O Enem nos mostra proficiência. Quando falamos em proficiência, estamos falando daquilo que os alunos conseguiram de fato aprender, se apropriar do conhecimento, e manifestar essa propriedade, a partir da escrita. Quando a gente percebe que os resultados do Enem são frágeis, há um conjunto de fatores situados na base dessa fragilidade. Geralmente, numa resposta simples para o problema, vão associar isso a uma má formação e relacionar ao fato do professor não ter cumprido o seu papel. Falsa a resposta. Não é tão simples assim. Se o professor, de fato, não conseguiu ensinar, há também um conjunto de elementos que sustentam o fato dele não ter conseguido ensinar, que envolve a sua formação continuada. Mas qual é o perfil socioeconômico desse aluno? Como é a sua relação familiar, a sua relação social? Ele (o aluno) está inserido num contexto de vulnerabilidade social. Qual a capacidade que a escola tem para produzir o sentido em que esse aluno se relaciona? Aí, eu volto na questão do espaço físico. Se a escola não produz sentido, o aluno tem dificuldade de aprender, o professor tende a ter dificuldade de ensinar.
Não há um excesso de conteúdo, como chegou a admitir o ministro da Educação, Cid Gomes?
Também. É um dos fatores. Mas eu acho que o mais importante é a gente compreender que precisa mesclar. Numa proposta de revisão curricular, a primeira ação a ser tomada é, de fato, ordenar o currículo que já existe; ordenar toda essa base de informação conteudística que já existe na escola. Ordenar no sentido de buscar uma maior isonomia, maior igualdade entre as áreas do conhecimento. Então, privilegiar algumas em detrimento de outras significa alijar o sujeito de uma formação, em alguns casos, que ele prefere ter. Vou trocar em miúdos isso daqui. Às vezes, a pessoa tem maior sensibilidade para as artes. No entanto, ele vai chegar na escola em que as artes são preteridas. E o que é valorizado no conteúdo da escola? Algumas áreas específicas de formação com as quais esse sujeito não tem a mesma afinidade. Quer dizer, isso vai causar a ele um relativo desgosto e esse desgosto vai refletir nos resultados de suas avaliações, inclusive nessas avaliações que vão dar parâmetro para o Estado poder compreender como está a proficiência. Qual é a ideia da educação integral? É a gente poder equalizar melhor toda essa base formativa humana, articulando conteúdo com outras atividades no espaço escolar, dando maior igualdade para o peso das áreas de disciplina do conhecimento nesse processo de formação. E para que a gente de fato possa implementar uma educação integral é preciso fazer a revisão do currículo. O Estado de Goiás fez, há alguns anos atrás, um estudo muito exemplar, uma proposta de revisão curricular que considerou três propostas de currículos distintos no ensino médio, com validade, respeitando as características de cada região, respeitando a organização da escola, respeitando o projeto político-pedagógico, enfim, um conjunto de fatores foram considerados para que aquele currículo pudesse ser escolhido ou não em determinada escola. Então, a proposta foi muito interessante. Não estou querendo dizer com isso que nós vamos ter três propostas curriculares, mas que a gente possa considerar talvez mais de uma nesse processo de revisão curricular. Isso vai depender da realidade específica do Tocantins, se a comissão responsável por essa revisão entender que é viável e, depois, isso terá que ser validado.
A maioria dos professores está preparada para repassar conhecimento, naquilo que foge às disciplinas da área de exatas. Mas existem professores que têm dificuldade de se fazer entender ou mesmo compreender o enunciado de uma questão, o que implica em descompasso em sala de aula.
Os professores no Estado do Tocantins têm boa formação. Formação superior. Agora, a formação superior, às vezes, por si só, não é suficiente para, ao longo da carreira do magistério, sustentar as atividades por tão longo tempo. Então, será necessário que haja constantemente a atualização formativa. É por isso que a formação tem que ser continuada, precisa ser permanente. O mundo muda, se transforma, as formas de comunicação se transformam. Os jovens são muito rápidos na atualização dos processos da comunicação, da linguagem e o professor que está cotidianamente inserido na lógica do trabalho, no planejamento do trabalho, no espaço da escola não consegue visualizar toda essa dinâmica de atualização da comunicação das linguagens. Então, é preciso sempre estar se atualizando. Dessa maneira, a formação precisa ser continuada. Então, a revisão metodológica da forma de ensinar é elemento fundamental na melhoria da qualidade do ensino. Eu insisto: metodologia de ensino é algo essencial. Às vezes, o professor, na sala de aula, perde a sua sintonia fina com as melhores formas de metodologia de ensino. A metodologia de ensino vai depender muito do tipo de público que se tem.
A violência nas escolas ainda é grande. O que pode ser feito para diminuir os índices de controntação entre alunos e de ameaças a professores?
Realidades sociais distintas vão demandar metodologias de ensino distintas. Nas escolas que estão inseridas no contexto de vulnerabilidade social, onde a violência tende a ser mais presente, forte e marcante, o professor tem que estar preparado para isso. Quando eu falo de metodologia de ensino, eu insiro como elemento fundamental a psicologia da educação. Uma boa formação do professor em psicologia e sociologia da educação são fundamentais para a compreensão do contexto em que o professor se insere e para entender o comportamento de seu público-alvo, que são os alunos.
O bullying, por exemplo, é um comportamento corriqueiro nas escolas e que, a cada dia, se torna mais forte.
Ele sempre existiu. E existe principalmente porque, no modelo tradicional de escola, ao definir o tipo padrão de aluno que se quer ter, o ser social que se pretende formar, aqueles alunos que têm maior dificuldade de encerrar essa dimensão referencial, de estar próximo desse padrão, passa a ser objeto de avacalhação, de bullying, enfim, de toda sorte de violência simbólica e preconceito, que a escola reproduz de forma muito veemente. Então, eu acho que é preciso exterminar um pouco os estereótipos. Quando falamos de educação integral e de formar seres humanos na sua plenitude, nós estamos dando vazão para que as pessoas tenham a possibilidade de se educarem no sentido tão amplo que os estereótipos deles vão começar a se perder dentro desse universo.
Voltando ao Enem. Mais de 500 mil alunos zeraram a prova de redação. As redes sociais não têm contribuído para essa pobreza de raciocínio lógico e de articulação de ideias e, também, falta de conhecimento sobre determinados temas?
As redes contribuem sobremaneira para isso, principalmente. Voltando ao aspecto da linguagem: esses novos mecanismos de comunicação têm causado um prejuízo muito significativo à linguagem formal. O português, a língua pela qual nos comunicamos, tem sofrido golpes violentos em função dessas novas formas de comunicação, a partir desses meios digitais. As abreviações, os neologismos, as novas formas de usar as palavras, tudo isso causa um sério prejuízo e, para o jovem que está em processo de aprendizagem, o que vale para não é o contexto da sala de aula, mas exatamente o aparelho digital, que cobra dele abreviações e a invenção de palavras. E essa é a referência que ele (aluno) passa a ter de expressão de linguagem, o que tem causado um grade prejuízo para a língua formal. É preciso, fundamentalmente, investir em novos modelos de metodologia de ensino. Precisamos redefinir novas formas de ensinar português e matemática.
A Fundação Universidade do Tocantins (Unitins) foi classificada pelo Ministério da Educação como uma das piores instituições de ensino superior do Brasil. O que é preciso ser feito para melhorar?
A Unitins, ao longo desse governo, será resgatada e voltará a ter o potencial que ela já teve em um passado não tão distante, principalmente com a experiência da educação à distância. Ela é uma universidade estrategicamente importante para o desenvolvimento do Estado do Tocantins. É preciso priorizar formações que estejam relacionadas às características regionais do Estado, mas também precisa se organizar no sentido de poder capacitar para dar formação continuada para os professores da rede estadual de ensino. Então, a parceria entre a Seduc e a Unitins é fundamental, mas também com outras instituições de ensino superior no Tocantins, especialmente a UFT [Universidade Federal do Tocantins].
O sr. solicitou da Controladoria Geral do Estado (CGE) uma auditoria pública na Seduc. Qual o objetivo dessa auditoria?
O objetivo é verificar a regularidade das contas, bem como a execução dos contratos, convênios, acordos e ajustes, além da probidade na aplicação dos recursos públicos. A solicitação da auditoria cumpre uma determinação do governador Marcelo Miranda em dar mais transparência às ações de toda a gestão estadual. Com este pedido, nós pretendemos mostrar total transparência nas ações desta pasta. É uma determinação do governador que todos os órgãos do governo trabalhem de forma clara e aberta a toda a população. Com a realização da referida auditoria interna, visamos abranger o exame e a avaliação da adequação e eficácia do sistema de controle.
Como a secretaria está se preparando para a volta às aulas, no dia 2 de fevereiro, na rede estadual de educação?
Aproximadamente 12 mil solicitações de vagas já foram computadas desde a abertura do prazo, no último dia 10. É considerado novato todo aluno transferido das redes federal, municipal e particular de ensino, estudantes oriundos de outros estados, aqueles que desejam mudar de escola por interesse próprio ou que foram transferidos automaticamente de unidade escolar, mas não querem permanecer na escola selecionada. Para garantir vaga, o primeiro passo é acessar o site www.seduc.to.gov.br e preencher o cadastro, por meio do Sistema de Gerenciamento Escolar (SGE). Após a solicitação da vaga, basta confirmar a matrícula entre os dias 19 e 21 de janeiro. A consulta poderá ser feita pela página da Seduc ou pelo telefone 0800-635050, das 8 às 20 horas. Após a confirmação da matrícula, pais e alunos devem entregar os documentos solicitados nas secretarias escolares. Estão sendo oferecidas mais de 116 mil vagas em 530 escolas do Estado, e 133.573 alunos já estão confirmados em rematrículas e transferências automáticas. A partir do dia 22 estarão abertas as vagas remanescentes para quem perdeu o prazo ou teve a matrícula cancelada. As aulas estão previstas para começar no dia 2 de fevereiro.