Ex-governador derrota siqueirismo incrustado no PMDB e consolida nome na disputa pelo Palácio Araguaia. Conquista é resultado de intervenção da executiva nacional do partido no diretório regional, o que assegura a Marcelo o direito de ser candidato conforme acordo que vinha sendo descumprido

Ex-governador Marcelo Miranda consegue superar o jogo entreguista do deputado Júnior Coimbra. Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Ex-governador Marcelo Miranda consegue superar o jogo entreguista do deputado Júnior Coimbra. Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Ruy Bucar

A intervenção da executiva nacional do PMDB no diretório regional do Tocantins, decretada na quarta-feira, 18, revela que o buraco era mais embaixo. Que o PMDB do Tocantins já estava há muito tempo nas mãos do siqueirismo, só que os dirigentes se recusavam acreditar.

Em carta aberta à população tocantinense, o presidente da comissão interventora do PMDB do Tocantins, senador Waldemir Moka, se diz surpreso com a declaração do presidente destituído de que vai recorrer ao Tribunal de Justiça do Tocantins para reverter a decisão da executiva.

O presidente explica na carta que “ao contrário do que se tinha em 2012, a legislação vigente expressamente define Brasília-DF como o foro para impugnação das decisões dos órgãos nacionais dos partidos políticos”, diz a carta.

Em outro trecho o presidente cita a legislação vigente que talvez não seja do conhecimento do deputado. “Esse é o sentido do disposto no parágrafo único do art. 15-A da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 9.096), com a redação que lhe foi dada Lei 12.891, de 11 de dezembro de 2013, in verbis: “Parágrafo único. O órgão nacional do partido político, quando responsável, somente poderá ser demandado judicialmente na circunscrição especial judiciária da sua sede, inclusive nas ações de natureza cível ou trabalhista”, define.

O que pode parecer defesa dos seus direitos de dirigente partidário suprimidos pela intervenção, revela na verdade outra coisa, a confiança do deputado no aparato que ele podia contar para se livrar de punições nos casos de descumprimentos reiterados de deliberações nacionais do partido. Por exemplo, o veto as candidaturas do ex-governador Marcelo Miranda e a senadora Kátia Abreu, que tinha sido motivo de acordo entre a direção regional e a nacional, celebrado ainda em agosto.

Coimbra tem todo o direito de espernear, mas isso não tira a legitimidade da decisão. O certo é que a dupla vitoriosa de 2006, o ex-governador Marcelo Miranda (PMDB) e a senadora Kátia Abreu (PMDB), que derrotou o ex-governador Siqueira Campos (PSDB) e o seu filho Eduardo Siqueira Campos (PTB) na disputa pelo governo e por uma cadeira no Senado, está de volta e ainda mais fortes depois da intervenção, pois agora sim os dois podem ser considerados pré-candidatos sem a ameaça de serem boicotados pelo próprio partido, como vinha acontecendo.

Por unanimidade a executiva nacional do PMDB resolveu decretar intervenção no diretório regional do Tocantins e garantir o cumprimento das decisões tomadas em nível nacional pelo partido. Em nota emitida logo após a decisão os dirigentes explicam os motivos da intervenção. “A Comissão Executiva Nacional do PMDB, em reunião presidida pelo presidente nacional do partido, senador Valdir Raupp e com a participação do líder do PMDB na Câmara dos Deputados, deputado federal Eduardo Cunha, decidiu, por unanimidade, na quarta-feira, 18, determinar intervenção na Comissão Executiva do PMDB do Tocantins, por força de descumprimento do acordo firmado em 12 de fevereiro de 2014 entre o presidente da Comissão Executiva Estadual, Júnior Coimbra, e a Comissão Executiva Nacional”, diz o documento que surpreendeu o ex-presidente e o seu grupo que não contavam com uma medida tão drástica.

A comissão decidiu ainda por unanimidade considerar como definitivas as candidaturas do ex-governador Marcelo Miranda ao governo e da senadora Kátia Abreu, ao Senado, já estabelecidas na reunião do dia 12 de fevereiro de 2014, quando foi homologado o acordo, conforme consta em ata daquela sessão. O documento cita que a decisão tornou-se necessária para fazer respeitar as deliberações nacionais do PMDB, que vinham sendo descumpridas deliberadamente pela direção estadual, com prejuízos visíveis para o partido.

O ex-governador Marcelo Miranda avalia que a medida representa uma vitória importante do PMDB na disputa pelo Palácio Araguaia, mas faz questão de frisar que a decisão foi da executiva nacional por descumprimento de acordo e não do partido no Estado. “Vamos organizar a convenção e fazer uma grande festa democrática para mostrar a força do PMDB”, explica o ex-governador, que está empenhado na busca de entendimentos com outros partidos de oposição para formar uma aliança forte. Miranda cita conversações com o PT, de Paulo Mourão, com o PV do deputado Marcelo Lelis e com o PSD do deputado Irajá Abreu.

A intervenção que afasta Júnior Coimbra da direção do partido que passa a ser comandado por um interventor, o senador de Mato Grosso do Sul Valdemir Moka, muda o cenário interno. Miranda e Kátia que corriam sério risco de ficar sem legenda para disputar as eleições, agora têm todo o apoio da cúpula nacional para serem candidatos, seus nomes serão homologados na convenção marcada para o dia 28 e não mais no dia 24 como queria o ex-presidente.

Júnior Coimbra vacila. O deputado que sempre acusou o ex-governador Marcelo Miranda de preguiçoso e desarticulado foi vítima da prepotência. Pensando que a executiva nacional não conseguiria se reunir em Brasília próximo de um feriado, foi surpreendido e teve que usar um avião particular para participar da reunião que decidiu pela sua saída do comando do partido, tendo chegado atrasado e sem argumentos para se defender. Coimbra ainda tentou negociar e ser indicado candidato a vice de Marcelo Miranda, mas não conseguiu.

O todo-poderoso dirigente que ameaçava a todos teve que baixar a bola e respeitar a sentença decretada pela cúpula nacional. Teve que ouvir dos dirigentes o conselho de que primeiro se cumpre a palavra dada, para depois buscar novos acordos. Coimbra vinha descumprindo sistematicamente todos os acordos, o que explica ter perdido o apoio de aliados importantes como de Geddel Viera Lima (BA) e do líder na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

Passada a refrega Marcelo Mi­randa tem que botar o pé na estrada e recuperar o tempo perdido. O ex-governador tem consciência que é preciso um grande esforço para reestruturar o partido. “Estamos todos juntos nesta tarefa de fortalecer o PMDB, o que é uma responsabilidade muito grande neste processo de reorganização do Tocantins”, declara o pré-candidato, que garante que não guardar ressentimento de ninguém.

Histórico

Em junho de 2012, no apagar das luzes do período da convenção para as eleições municipais, o deputado Júnior Coimbra anuncia a coligação do PMDB com PV e PSDB na disputa pela Prefeitura de Palmas. A notícia de aproximação do PMDB ao governo estourou como bomba no meio político. O governo comemorava a formação da maior aliança partidária da história do Tocantins. Resultado: desconfiado da aliança entre PMDB e Siqueira o eleitor elegeu um ilustre desconhecido, Amastha, que virou fenômeno eleitoral.

O acordo fora costurado por Júnior Coimbra e pelo então secretário de Planejamento e Modernização da Gestão Pública, Eduardo Siqueira Campos. Parte do partido não concordou com a decisão. Daí nasceu a divergência que durou até agora. Coimbra pode até ter a maioria do partido, mas nunca teve apoio para entregar a legenda ao governo, como vinha demonstrando que era a intenção ao combater os líderes da sigla.

O deputado José Augusto Pu­gliesi que indicou a sua mulher, Cirlene Pugliesi, para compor a chapa governista, fazia discurso radical contra o governo, mas o seus alvos preferidos eram mesmo o ex-governador Marcelo Miranda e a senadora Kátia Abreu. Pugliese previa que não teriam legenda para disputar as eleições.

Pugliesi em seus momentos de devaneios chegava a dizer que era válido o esforço do bloco dos autênticos em movimentar a militância peemedebista, mas classificava de irresponsabilidade a pré-candidatura de Marcelo Miranda. Para ele Miranda é inelegível, portanto não deveria ocupar espaço como pré-candidato no partido.

Júnior Coimbra chegou a declarar durante a pré-campanha que a sua postulação ao governo do Estado seria uma grande contribuição para o PMDB, uma salvação para o partido, pois chegaria o momento em que o ex-governador Marcelo Miranda seria impedido de ser candidato e ele poderia entrar no lugar, como salvação, sem prejuízo para a campanha já que estaria em plena militância.

Pugliesi previa ainda que quem seria o candidato ao governo seria Coimbra e apontava as razões. “Miranda é inelegível e se fosse elegível não teria maioria no partido para vencer a disputa na convenção”, dizia, acrescentando que Coimbra, além de elegível, tinha a maioria da legenda para vencer a escolha. Pugliesi também acreditava que a definição do candidato não seria feita pela executiva nacional e sim pelos membros do partido sem interferência da cúpula nacional. Deu no que deu.

Júnior Coimbra, que se mantinha indiferente ao sentimento popular e agia como dono do partido, terá que repensar os seus atos, pois agora pode pagar caro tudo que tramou contra o partido e os seus líderes. Como buscar a reeleição na sombra de Marcelo e Kátia que tanto combateu?

Em uma semana no comando da legenda Coimbra provocou um enorme estrago. Convocou a convenção em data difícil de mobilizar os convencionais, registrou candidatura ao governo num confronto direto e aberto com o ex-governador que também foi obrigado a registrar chapa, contrariando acordo que tinha feito de manter afastamento até as eleições e de que não haveria disputa na convenção. Seria homologado o candidato com melhor desempenho nas pesquisas e que sabia que não era ele.

Se não fosse a intervenção Coimbra faria uma convenção ao seu bel-prazer, escolheria a si mesmo como candidato a governador, o empresário Dito do Posto como candidato ao Senado e ainda comemoraria a derrota de Miranda e Kátia Abreu. Seria a mais clara demonstração de suicídio político, mas que agradaria profundamente o siqueirismo.

O PMDB, que vem de uma longa ressaca de crises, tem tudo para superar o racha interno que tem servido pra alimentar a propaganda governista que apregoa que o ex-governador é inelegível. Parte do partido inexplicavelmente corroborava essa tese que beneficiava diretamente o adversário. Uma contradição grave que não tem paralelo na história do partido, a não ser em momentos recentes em que este segmento levou o PMDB a fazer aliança com partidos governistas e ser reprovada nas urnas.

Marcelo Miranda e a senadora Kátia resgatam a dupla vitoriosa de 2006, que acredita-se pode levar o partido de volta ao comando do Palácio Araguaia.

O ex-governador é a bola da vez, mas o impasse da divisão interna, um problema mal resolvido, ainda é uma ameaça. A judicialização das eleições, um fato que já vem acontecendo, certamente pode ser a próxima cartada dos que temem Marcelo e Kátia. Eles têm até o dia 28 para tentar novos ataques. Depois dessa vitória arrancada na raça a dupla parece mais atenta às movimentações dos adversários mais perigosos, que moram ao lado, quer dizer dentro do partido, mas que estão sendo derrotados em suas articulações golpistas.

É esperar pra ver o que vai acontecer daqui para frente. Finalmente a executiva nacional assumiu a responsabilidade de organizar a legenda, botando ordem na casa depois de quase dois anos de divergências, desavenças e brigas internas, mas que não foram suficiente para desestruturar o maior partido do Estado, que ainda tem peso para decidir as eleições no Tocantins.