Em Palmas, a questão é saber por que o governo vendeu 157 hectares por R$ 15 mil

11 abril 2015 às 13h05

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Transação que está sendo questionada foi feita em 2010, durante o governo Siqueira Campos
Gilson Cavalcante
Cerca de 180 famílias de chacareiros se mobilizam para garantir o direito de permanecer numa gleba de terras que corresponde a 157 hectares, na região Sul de Palmas, próximo ao local onde é realizada a Feira de Tecnologia Agropecuária do Tocantins (Agrotins). O defensor público Pedro Aires afirma que a Defensoria Pública constatou que o título da área foi emitido de forma irregular, visando o favorecimento político. “Foi um título emitido sem a vistoria do local”, sustenta, enumerando uma série de irregularidades no processo de titularidade da terra, durante a audiência pública realizada na Câmara de Vereadores, na terça-feira, 7.
A titularidade da gleba foi concedida, em 2010, pelo Instituto de Terras do Tocantins (Itertins) e agora está sendo questionada na Justiça pelas famílias dos produtores rurais que vivem no local. Os chacareiros reivindicam a anulação do título da área concedido em nome de Benedito Neto de Faria e Rossini Aires Guimarães, pelo valor de pouco mais de R$ 15, 5 mil.
Para o vereador Milton Neris (PR), solicitante da audiência, além dos indícios de irregularidades apontados na ação, o preço pago pela aquisição da área é uma questão que deve ser tratada. Segundo ele, a área foi adquirida por um valor que não se compra um lote na região Sul de Palmas, imagina 157 hectares. “É um assalto ao erário público. Isto seria um caso de polícia”, atacou o parlamentar, durante a audiência pública.
Para o defensor Pedro Aires, embora a titularidade da área seja datada de 2010, os supostos proprietários (Benedito Neto e Rossini Aires) jamais ocuparam a gleba de terra em questão. Um parecer da Procuradoria-Geral do Estado, de acordo com o defensor, diz que foram constatados inúmeros indícios de irregularidades na emissão do título.
Na avaliação do presidente da Câmara de Vereadores, Rogério Freitas (PMDB), há interferência política envolvendo o caso. “O que aconteceu com estas famílias foi uma afronta ao direito. Qualquer um, mesmo que não seja técnico, perceberia numa vistoria que aquele espaço já estava sendo ocupado e que aquelas famílias tinham o direito de posse da propriedade”, enfatizou o presidente, acrescentando que o Legislativo enfrentou o embate e posiciona-se “veementemente contrário à ação impetrada contra estas famílias”.
O vereador Carlos Braga (PMDB) apresentou como solução para o problema o cancelamento do título da área. “O cancelamento deste título administrativamente já transforma esta área em terra devoluta, impedindo, inclusive, outras ações”, argumentou ao sustentar que o Itertins tem o poder de rever os seus atos.
O vereador Jucelino Rodrigues (PTC) comparou o valor pago pela área (R$ 15 mil) com o preço dos lotes vendidos pelo empresário que comprou o terreno. “Esse empresário vende um lote de 220m² pelo preço médio de R$ 90 mil e compra uma área inteira por R$ 15 mil. Isso não tem cabimento”, indignou-se o parlamentar.
“Nós entendemos que está mais do que provado que isso (emissão do título) foi feito de forma irregular, para beneficiar alguém. Isso não pode prosperar”, disse o vereador João Campos (PSC). O parlamentar também manifestou-se favorável ao cancelamento do título da terra e destacou que “o direito será dado a quem o tem”, referindo-se aos pequenos agricultores.
O vereador Joaquim Maia (PV) enfatizou a função da Câmara Municipal como “a voz do povo” e ressaltou a necessidade de procurar caminhos para o dilema. “É uma ação de 2010, do governo passado, mas é um problema atual. Então, os caminhos têm que ser encontrados para resolver a questão e, de preferência, que este caminho seja a efetiva regularização de vocês lá, porque vocês precisam desta área para sobreviver”, falou aos produtores rurais.
O vereador Claudemir Portugal (PPS), ao solidarizar-se com os produtores rurais, cobrou a participação do Ministério Público, que não enviou representante à audiência. “Não é possível que o Ministério Público não vá se manifestar quanto a esta aberração jurídica”, reclamou.
A ausência de representantes do governo do Estado foi criticada pelo vereador Hiram Gomes (PSDB). “Não vejo aqui nesta Casa nenhum representante do governo do Estado do Tocantins.Não consigo entender a omissão do Estado. Desafio alguém a comprar 30 alqueires por R$ 15 mil. Este fato por si só já justificaria a participação do Estado nesta discussão”, obervou Gomes.
Após os pronunciamentos dos vereadores, os agricultores fizeram uso da palavra. Abordaram as dificuldades que vêm enfrentando na luta pela terra e relataram situações de ameaças à vida de alguns dos integrantes do grupo. O presidente da Aprucivep, Raimundo Cunha, agradeceu o apoio da Câmara de Palmas e da Defensoria Pública e afirmou que irá buscar intervenção do federal para defender os interesses das famílias.
Após audiência pública que abordou a questão, os vereadores, liderados pelo presidente da Casa, Rogério Freitas (PMDB) e pelo vereador Milton Neris (PR), juntamente com representantes dos agricultores que vivem atualmente na Vila Agrotins, como a área ficou conhecida, estiveram no Itertins e foram recebidos pelo presidente do órgão, Júlio Cesar Machado.
Na ocasião, os parlamentares cobraram, por parte do governo do Estado, uma solução rápida e viável a fim de impedir a expulsão, por ordem judicial, das cerca de 180 famílias de produtores rurais que ocupam a área. A suspensão do título da terra foi uma das alternativas apresentadas pelos vereadores até que o caso seja definitivamente resolvido.
O presidente do Itertins explanou sobre o andamento do processo e informou que o consórcio de empresas Investco, recentemente, também acionou a Justiça alegando ser proprietária da área, o que complica ainda mais a situação. Júlio César disse, no entanto, que o governo do Estado tem todo o interesse em resolver a pendência.
Na quarta-feira, 8, em reunião com o procurador-geral do Estado, Sérgio do Vale, vereadores da capital solicitaram a suspensão do título da área denominada como Assentamento Vila Agrotins até que o processo que analisa a posse da terra seja concluído. A solicitação dos parlamentares visa evitar que cerca de 180 famílias de agricultores que atualmente ocupam o local sejam despejadas de imediato.
Liminar visando à reintegração de posse, em favor dos empresários que alegam ser proprietários da área, estipula um prazo até a próxima quarta-feira, 15, para que as famílias abandonem a Vila Agrotins. Os vereadores entendem que o governo precisa intervir no processo, evitando um problema social com o despejo dos produtores rurais.
“O que estamos discutindo é a legalidade do título e não a posse da terra; a posse será decidida posteriormente pela Justiça. Mas, no momento, não podemos permitir que 180 famílias sejam desabrigadas e percam suas condições de sobrevivência”, destacou o presidente da Câmara, Rogério Freitas (PMDB).
Para o vereador Milton Neris (PR), a suspensão do título é a decisão mais coerente até que se defina com clareza o real proprietário da Vila Agrotins.
O procurador-geral disse que, como recentemente a Investco também passou a reivindicar a propriedade da área, a PGE atualmente não tem condições de pronunciar-se sobre a propriedade da terra. O processo está em análise na PGE. Quanto à suspensão do título, o procurador informou que vai comunicar a decisão do governo do Estado.