“Com mais qualidade de vida para a população, Palmas poderá atrair mais investimentos”

24 janeiro 2015 às 11h33

COMPARTILHAR
Arquiteto que ajudou a projetar a capital tocantinense avalia a situação urbana após 25 anos de construção e diz que os problemas das grandes cidades ainda não se aplicam à “caçula” do Brasil

Gilson Cavalcante
Desde a campanha eleitoral em que foi eleito, o governador Marcelo Miranda (PMDB) tem manifestado preocupação com o desenvolvimento das cidades tocantinenses. Tanto que, logo após ser eleito, disse que a marca do seu governo será o municipalismo. Agora, em menos de um mês à frente da administração estadual, ele determinou à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, a elaboração de um plano para organizar o ordenamento urbano das cidades do interior do Estado. E para falar sobre este e outros assuntos, o arquiteto e urbanista Walfredo Antunes, hoje o superintendente de Desenvolvimento Urbano da referida secretaria, concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal Opção. “É intenção do governador organizar um modo de dar assistência aos municípios naquilo que seja relativo à melhoria das cidades. Esta é uma das minhas principais missões à frente da superintendência”, destacou o arquiteto, que ajudou a conceber o planejamento de Palmas.
A secretaria vai trabalhar também com a regularização fundiária, visto que a maior parte dos municípios tocantinenses, segundo ele, não tem noção e controle sobre as terras que deveriam ser do município. Para se ter ideia, existem problemas remanescentes ainda da época em que o Estado pertencia a Goiás. Há terras federais em processo de regularização, inclusive para emitir título de residências já construídas. “É preciso atentar para a regularização fundiária e o governo federal tem um programa no Ministério das Cidades (Papel Passado), que dedica recursos a isso. Nós vamos buscar esses recursos”, sustenta Antunes.
Palmas completa 25 anos de sua criação e sr. foi um dos mentores do planejamento da cidade. Qual o seu olhar sobre a capital?
A ocupação de Palmas em termos normais seguiu as determinações, as diretrizes e o traçado do plano original, que era um plano urbanístico. Não pode ser chamado de plano diretor, porque este envolve outras áreas da gestão pública, o que aconteceu apenas anos depois. Esse plano original tem o seu traçado respeitado ainda nos dias de hoje. Isso não quer dizer, porém, que a ocupação tenha ocorrido da maneira como deveria, porque havia um modo de ocupar essas áreas de maneira progressiva, umas contíguas e outras ligadas às demais. Seria assim para não gerar problemas econômicos ou os grandes vazios urbanos, a exemplo do que temos hoje.
Mas esses vazios urbanos são consequências de grandes áreas repassadas às empresas que participaram da estruturação da cidade em pagamento dos serviços.
Há dois momentos nisso. Em um momento, o governo teve certa dificuldade de implantar o traçado do plano, pois, para isso, foi obrigado a fazer desapropriações de diversas glebas de terras que tinham os seus próprios limites. Então, ora uma desapropriação dava certo, ora não. A implantação do plano, portanto, teve que se acomodar a isso. Em um segundo momento, áreas foram parceladas e outras tinham possibilidade de parcelamento. O governo, então, se utilizou disso para pagar empresas e pessoas que tinham trabalhado. Mas não é só isso que gera os vazios urbanos. Existem algumas áreas, principalmente na área Sudoeste da cidade, que não estão ocupadas. A cidade teve que passar por cima delas porque precisava se desenvolver. Isso causa toda sorte de enfraquecimento da economia.
O poder público municipal criou o IPTU Progressivo na tentativa de forçar o povoamento e a urbanização dessas áreas, mas parece que o resultado não foi o esperado.
Essa foi uma das medidas da administração municipal, aliás, louvável, porque esse é um dos instrumentos para a ocupação dos vazios urbanos. Seria preciso, talvez, ter uma política de subsídios. Eu, por um lado, não defendo determinados movimentos que postulam a ocupação dessas terras de qualquer modo, como se isso fosse um direito inalienável daqueles que têm menor renda. Por outro lado, eu vejo que o Estado poderia articular subsídios para que famílias de menor renda pudessem ocupar as partes centrais também, para nós não termos a formação de um centro abastado e uma periferia sem as condições mínimas de ocupação urbana, de equipamentos, de benefícios da cidade.
Palmas cresceu muito nesses 25 anos. Podemos dizer que esse crescimento acelerado fugiu às expectativas do que vocês previam inicialmente, causando uma série de problemas e levando a um intenso processo de discussão sobre a revisão do plano diretor da cidade?
Nesse ponto, temos que recordas as discussões intensas ocorridas há dois, três anos e que se referiam à expansão urbana. Eu me coloquei contrário à maioria dos movimentos políticos e, às vezes, de alguns conceitos acadêmicos, dos quais discordo. Eu defendi, claramente, o tratamento via planejamento da parte expandida de Palmas. Vale registrar que o que está existindo hoje de loteamentos fora do plano diretor aconteceu por descuido, por desmazelo da prefeitura e do Estado. Há áreas livres na parte central da cidade que poderiam ser ocupadas de forma correta com uma política de subsídios. Agora, uma vez que aconteceu, não adianta pensar na estrutura urbana que não seja objeto do planejamento da extensão da cidade para abrigar essas áreas, senão corremos o risco de termos uma séria colcha de retalhos sem condições econômicas de levar infraestrutura e qualidade de vida a todas essas partes que devem ser incorporadas à cidade.
Palmas tem uma semelhança forte com o traçado de Brasília. O Grupo Quatro, do qual o sr. fez parte, se inspirou no projeto da capital federal, com esses dois grandes eixos, que são as avenidas JK e Teotônio Segurado?
As semelhanças são meramente físicas, pois, quando se enxerga esse eixo grande, se pensa no Eixo Monumental. Mas começam aí as diferenças. Não há transporte de massa programado para o eixo de Brasília, mas em Palmas a largura da Avenida Teotônio Segurado foi prevista para suportar um transporte de massa, que é o que está ocorrendo na atual gestão. Isso estava previsto desde o início do projeto, mas só agora saíram os financiamentos para a implantação do BRT. No entanto, as diferenças com Brasília não se esgotam aí. Brasília tem aquilo que se chama, em urbanismo, de um plano de massas, que foram programas de diversas tipologias construtivas e de usos para vários lugares. Por exemplo, o Setor Hoteleiro pode abrigar apenas os hotéis; o Setor de Indústrias é específico, etc. Em Palmas, isso não ocorreu. A concepção da capital do Tocantins é o oposto. Determinam-se as condições de uso equivalente num sistema viário quadriculado e esse uso pode acontecer com maior flexibilidade e liberdade do que acontece em Brasília.
O que Palmas oferece de interessante para atrair pessoas a investir na cidade? A capital é uma cidade boa para se viver?
O problema das cidades, em geral, é vinculado à congestão. O acúmulo de pessoas em condições que possam ter o mínimo de qualidade de vida não é maléfico em si. Agora, há grandes metrópoles em que as pessoas vivem em grandes contingências e se consideram satisfeitas, a exemplo de Seul, com as reformas urbanas que vêm sendo feitas, e em Singapura, onde a densidade é bem distribuída e a qualidade de vida é muito alta. O problema das cidades, portanto, é a congestão. Enquanto Palmas perdurar com a distribuição, com essa mescla de edifícios maiores junto às residências menores e manter esse padrão de ocupação média, sem ocupar esse espaço como um todo, penso que poderemos ter uma qualidade de vida que atraia pessoas e que seja melhor que outras cidades em que o fenômeno da congestão já prejudica o dia-a-dia dos moradores.
E quais os gargalos que a cidade enfrenta hoje, na sua concepção de arquiteto e urbanista? Muitas construções foram edificadas irregularmente, por exemplo, os quiosques.
Isso é um equívoco. É a manifestação da mais valia exagerada, daquilo que se chamou, em determinada época no Brasil, de Lei de Gerson. Pessoas que têm maior acesso e melhores condições distorcem a legislação para valer-se de uma ocupação de um tipo a que têm direito para transformá-la em outro tipo. Equipamentos ou instalações viradas para as vias principais representam um risco para a cidade, porque as vias foram planejadas de forma larga para acomodar os carros e fazer circular com tranquilidade o transporte coletivo, que transita pela direita. Se nós começarmos a ter essa profusão indiscriminada de comércios virados para as ruas, sem a previsão de seu estacionamento, pode ser que isso venha a atrapalhar grandemente a circulação e a fluidez do transporte coletivo. Agora, os quiosques, na minha visão, são totalmente desnecessários. A implantação deles seguiu regras absolutamente aleatórias. Não era para ter quiosques competindo com o comércio normal. Isso é uma relação indiscutivelmente onerosa para o comerciante que adquire áreas, paga seus impostos e tem um concorrente praticamente subsidiado por recursos públicos na porta de seu estabelecimento comercial. Eu sempre postulei que, se fosse para existirem quiosques, que eles tivessem funções públicas de caráter o mais genérico possível, como pontos de informações turísticas; alguns poderiam ser sanitários públicos. Não se pensou nisso em Palmas até hoje, e esse desejo de comercializar de forma efêmera ou provisória poderia ser feito de forma provisória de modo que não tivessem ocupados. Não há cabimento impor à estrutura urbana essas verrugas, essas adições que atrapalham muito mais o funcionamento normal da cidade e a igualdade que tem que ter entre os competidores. Uns podem mais porque têm acesso aos quiosques e outros arcam com todos os ônus disso. Essa política dos quiosques precisa ser revista e me parece que a administração municipal está tentando fazer isso.

Outro gargalo diz respeito às áreas destinadas a estacionamentos, principalmente na Avenida JK.
É preciso que se diga que, para trabalhar com estacionamento, nós sempre trabalharemos com números médios. Não há nenhum tipo de cidade que a pessoa possa estacionar indiscriminadamente onde quiser pelo tempo que quiser. Portanto, essa providência de área azul, que eu ajudei a implantar em Goiânia e que há muito tempo já deveria ter sido implantada aqui, tende a regular os problemas de estacionamento do mesmo modo. Estacionamento particularizado para interesse específico de pessoas deve ser provido pela iniciativa privada, em diversos tipos, de maneira vertical, no subsolo das edificações. A via pública é para todos poderem estacionar por um determinado tempo e não para o uso daqueles que querem ficar lá por tempo indeterminado. O poder público tem que ser mais rigoroso quanto a isso. Em Palmas, há o costume, talvez em função da cidade ser enorme, das pessoas estacionarem onde querem e da forma que querem. Isso tem que ser regulado pelo poder público.
O sr. foi presidente do Indur, em Goiás. Qual o legado que trouxe para ajudar a planejar Palmas?
Naquele momento, nas décadas de 1970 e 1980, foi quando se configuraram os instrumentos que hoje começam a ter validade, até de forma legal, para a política urbana brasileira. Foram os primeiros movimentos da administração pública no sentido de se preocupar com o desenvolvimento urbano. Isso ocorreu na época do governo de Ernesto Geisel, mais ou menos, com a formação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, que depois veio a se tornar ministério. Era o momento em que existiam recursos para investimento nas cidades e, no Estado de Goiás, montou-se essa estrutura de desenvolvimento urbano para aproveitar-se disso. Isso permitiu, pelo menos, dois tipos de coisas benefícios: por um lado, permitiu recrutar os técnicos de diversas especialidades. Como o meio urbano é um setor que apresenta diversa complexidade, é preciso que se trabalhe nisso não só arquitetos e engenheiros, mas sociólogos, demógrafos, geógrafos e pessoas ligadas aos serviços sociais. Então, aqueles recursos e aplicações de determinados projetos permitiram ao Indur, por exemplo, montar uma estrutura nesse sentido. Por outro lado, também alertou as administrações para os benefícios do planejamento, porque esses recursos só eram investidos mediante projetos e planos que justificassem a sua liberação. Então, isso alertou as administrações para o planejamento da organização territorial de suas cidades, implantação dos serviços públicos para poder obter os recursos. Isso foi muito benéfico na época, como continua sendo benéfico até hoje.
O sr. hoje é superintendente de Desenvolvimento Urbano da Secretaria de Desenvolvimento. O que o sr. está pensando para as cidades do interior do Estado, principalmente as maiores? Há algum planejamento nesse sentido solicitado pelo governador?
É digno de conhecimento geral que falta a determinadas administrações, até mesmo a capacidade de gerir e organizar seus projetos. É intenção do governador Marcelo Miranda, e ele chegou a falar isso durante a campanha eleitoral, organizar um modo de dar assistência aos municípios naquilo que seja relativo a melhoria das cidades. Esta é uma das minhas principais missões à frente da superintendência. Ademais, hoje, no Brasil, já existe o conceito estabelecido de que a habitação, por exemplo, não se fará mais sem se ter em conta a inserção desses conjuntos habitacionais nas cidades ou nas populações que são beneficiadas pelos programas federais Minha Casa Minha Vida; além disso, o Plano Nacional de Habitação não deixou de existir. Hoje em dia, o próprio governo federal tem os seus conselhos e a sua maneira de administrar e gerir esses recursos, de modo que, ao levar habitação ou postular recursos para habitação, as demais entidades de governo têm que se preocupar com a acessibilidade, como será o transporte e os equipamentos mínimos necessários para essa habitação ser construída. Portanto, essa nova secretaria tem uma relação muito interessante entre habitação e desenvolvimento urbano. Na parte de desenvolvimento urbano, além da parte técnica, vamos trabalhar com regularização fundiária, porque a maior parte dos nossos municípios não tem noção e controle sobre as terras que deveriam ser do município. Para se ter ideia, existem problemas remanescentes ainda de Goiás, com a divisão do Estado. Há terras federais em processo de regularização, inclusive para emitir título de residências já construídas. É preciso atentar para a regularização fundiária e o governo federal tem um programa no Ministério das Cidades (Papel Passado), que dedica recursos a isso e nós vamos buscar esses recursos. Outra área que está sendo objeto de preocupação do governo federal é a área da mobilidade urbana e nós vamos buscar também esses recursos. O problema da movimentação das cargas de pessoas não é só da capital, que teve os quadros técnicos para montar, por exemplo, o BRT e gera o trânsito de maneira razoável. Por exemplo, há problema de mobilidade em Araguaína, Paraíso, Gurupi e até em cidades menores. Não há por que não tentar equacionar esses problemas para melhorar o trânsito, o tráfego e transporte de pessoas e o transporte público quando for o caso. Outra área ainda que vamos cuidar com muito carinho é o ordenamento territorial. Há muito bem pouco tempo, os recursos disponíveis para esse tipo de atividade não eram muito claros, não eram muito centrados em termos do governo federal. Agora, recentemente, foi aprovado o Estatuto da Metrópole, que, dentre outras coisas, prevê apoio entre municípios com problemas comuns e que isso seja feito também através do ordenamento territorial. Então, plano de ordenamento junto com planos diretores vão poder propiciar aos municípios uma melhor gestão de seus territórios. Em suma, o governo Marcelo Miranda pretende implantar uma marca de assistência aos municípios de forma dinâmica no que se refere ao desenvolvimento urbano.