Ele é uma enciclopédia do futebol goiano e tocantinense. O cronista esportivo Ademar Costa é capaz de escalar os grandes times goianos – Goiás, Vila Nova, Atlético e Goiânia – de qualquer época. Em sua longa trajetória de cobertura esportiva teve o privilégio de ver atuando grandes craques do futebol brasileiro, verdadeiras lendas: Wilson Piazza, Dirceu Lopes, Tostão, Carlos Aberto Torres, Gerson, o “Canhotinha de Ouro”, Jairzinho, o “Furacão da Copa”, Ademir da Guia e Clodoaldo, entre muitos outros.

Ademar conta que descobriu que tinha talento para narração de futebol de forma inusitada. Narrou um jogo em um bar, horas depois de encerrada a partida, como se estivesse ao vivo, lembrando com destalhe os lances e carregando na emoção ao gritar os gols. “Passei a mão no microfone e comecei a narrar o jogo entre Mozarlândia e Rubiataba, que ocorrera naquele dia. Como se estivesse ao vivo, inclusive gritando os gols. O povo ouvindo aquela novidade começou a lotar o bar, todos admirando a narração do jogo, que era uma novidade na cidade”, relembra, explicando que logo depois foi aconselhado a ir para Goiânia, trabalhar em rádio.

Ademar Costa aponta que falta ao futebol profissional do Tocantins, patrocínio para permitir a montagem de equipes competitivas, mas também visão aos dirigentes, que pensam em equipes às vésperas de competições. “Agora algumas equipes começam a se preocupar com as categorias de base, o que pode, em pouco tempo, revelar grandes jogadores para os clubes locais e para o cenário nacional”, prevê o radialista.

No final da década de 90, Ademar Costa trocou definitivamente Goiás pelo Tocantins, inicialmente colaborando com a implantação da Federação Tocantinense de Futebol, a convite do ex-senador Leomar Quintanilha. Posteriormente, assumiu o comando do esporte da TV Girassol/Rede Bandeirantes; passou pela TV Jovem Palmas/SBT e, finalmente, foi convidado pelo então governador Marcelo Miranda para comandar a equipe de esporte da TV RedeSat/TV Cultura, emissora que se transformou na Unitins TV. Atualmente, Ademar comanda o programa Esporte Mais, da Rádio Unitins FM.

Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, Ademar fala sobre o início da sua carreira profissional, revela bastidores da cobertura esportiva e conta episódios curiosos sobre o mundo do futebol.

Vi muita gente boa jogar, craques como Jairzinho e Gérson, do Botafogo, e Carlos Alberto e Clodoaldo, do Santos, entre outros 

Quais os maiores craques que o sr. teve a oportunidade de ver jogando, ao longo da sua trajetória como cronista esportivo?

Vi muita gente boa jogar, daria uma verdadeira seleção. Vou destacar alguns que considero fora de série, começando pelo gol. Vi atuando Carlos, então na Ponte Preta, e Leão, no Palmeiras; o Eurico, lateral-direito, Alfredo, zagueiro, Dudu e Ademir da Guia, meio-campistas e César, atacante, todos do Palmeiras. Tive o privilégio de ver atuando também monstros sagrados do futebol brasileiro, a exemplo de Wilson Piazza, Dirceu Lopes e Tostão, do Cruzeiro; Éder e Reinaldo, do Atlético Mineiro; Paulo Borges, Parada, Bianchini e Aladim, todos do Bangu; Zico, Júnior, Leandro, Andrade e Adílio, do Flamengo; Jairzinho e Gérson, do Botafogo; Carlos Alberto e Clodoaldo, do Santos; além de Baltazar, o “Artilheiro de Deus”, entre muitos outros. 

No futebol goiano, onde o sr. começou, quem eram os craques daquela época?

Comecei no rádio esportivo em 1970. Os craques então eram, Guilherme e Mosca, grandes destaques do Vila Nova; Lincoln, Triel, Macalé, Alexandre, Tostão, no Goiás, que depois teria também Luvanor, Carlos Alberto, Carlos Magno, Uidemar, Túlio Maravilha e Lúcio Bala. Uidemar se tornou técnico e ainda mantemos contato até hoje, por mensagens. Nós nos tornamos grandes amigos.

Comecei a comentar a partida como se estivesse ao vivo, inclusive narrando os gols

Como o sr. entrou para o rádio esportivo?

Eu morava em Mozarlândia, interior de Goiás. Cidade pacata, mas com muitos garotos bons de bola. Um dia, o time de Mozarlândia recebeu uma equipe de Rubiataba e venceu confronto por 3 a 2, numa disputa emocionante. Eu anotei tudo sobre o jogo: escalação, placar etc. Osório [Pereira], um dos atacantes do Mozarlândia, que marcou dois dos três gols da equipe local, era dono de um bar, na estação rodoviária. No bar, tinha um alto-falante num poste, para passar alguns avisos e comunicar aos passageiros o horário de saída dos ônibus. Osório precisava vender muita cerveja naquela noite, para pagar dívida com fornecedores. Então, ele me chamou para ajudá-lo a convocar os torcedores para comemorar a vitória, que havia ocorrido no começo da tarde, em seu bar. Foi aí que eu entrei na parada. Passei a mão no microfone e comecei a narrar o jogo entre Mozarlândia e Rubiataba. Comecei a narrar a partida como se estivesse ao vivo, inclusive os cinco gols do jogo. O povo ouvindo aquela novidade começou a lotar o bar, todos admirando a narração do jogo, que era novidade na cidade.

Osório vendeu todo seu estoque de cerveja, levantando o dinheiro necessário para quitar dívida com fornecedores e ainda me pagou um bom cachê. Terminada minha participação, quando estava saindo, surge um senhor chamado Silvio que me parabeniza pelo trabalho realizado e me aconselha: “Você é muito bom, vá embora para Goiânia trabalhar em rádio, rapaz!”. Fiquei muito feliz, aceitei seu conselho e em 1970 cheguei com a cara e a coragem para integrar a equipe de esporte da Rádio Brasil Central, de Goiânia, o famoso Escrete de Ouro. Era a maior e melhor equipe esportiva do rádio de Goiás, composta por grandes radialistas que fizeram história no rádio, como Jayro Rodrigues, Jurandir Santos, Ledes Gonçalves, Levi de Assis, Nunes Macedo, Caetano Beghelli, Barbosa Nunes, Gonçalves Lima e Hugo Sérgio. Em seguida, passaram a integrar a equipe mais profissionais, como Evandro Gomes, Antônio Porto, Sergio Moraes, Jota Junior, José Carlos Rangel, Luciano Rangel e José Calazans, entre outros.

Depois de alguns meses trabalhando como assistente, tive a oportunidade de ser setorista de clubes, começando pelo Goiânia Esporte Clube. A partir daquele momento, as portas se abriram e eu aproveitei as oportunidades. Depois de cinco anos como repórter de rádio, acumulei a função de repórter de TV, chegando a chefiar o departamento de esportes da TV Brasil Central, indicado pelo então diretor na época, Baltazar de Castro. Passei também a ser correspondente da TV Bandeirantes, de São Paulo. Recebi convites para trabalhar em São Paulo, mas não topei o desafio. Fiz a opção por continuar em Goiás.

O que o levou a trocar uma carreira consolidada em Goiás pelo Tocantins, onde o esporte até hoje é apenas uma promessa?

Em 1993 recebi um convite do então presidente da Federação Tocantinense de Futebol (FTF), Leomar Quintanilha, para trabalhar na assessoria da entidade, na cidade de Miracema [do Tocantins]. Naquela ocasião, vim à disposição da Prefeitura de Palmas, que tinha como prefeito Eduardo Siqueira Campos. Atuava como correspondente divulgando o esporte tocantinense pela Rádio Brasil Central, de Goiânia, além de desempenhar a função de secretário no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD). Após sete meses, resolvi retornar a Goiânia, quando Jorge Kajuru assumia a direção da equipe de esportes da Rádio Brasil Central. Ressentido pela impossibilidade de trabalharmos juntos, devido a divergências de opinião, optei por pedir demissão em 1994, retornando ao Tocantins para trabalhar na TV Girassol. Em seguida, me transferi para a rádio e TV Jovem Palmas, onde trabalhei por cinco anos, posteriormente recebi o convite do então governador Marcelo Miranda para trabalhar na TV Redsat e na Rádio 96 FM, atualmente denominada Rádio Unitins FM.

Tocantinópolis é um clube completo, o único a ter seu próprio estádio, além de alojamento para seus jogadores e centro de treinamento

Por que o futebol profissional do Tocantins ainda não deslanchou?

Primeiramente, por se tratar de um Estado novo, que possui poucas indústrias, dificultando a montagem das equipes por falta de patrocínio, uma vez que o futebol é um esporte caro e necessita de financiamento. Em segundo lugar, por alguns dirigentes não se organizarem na montagem dos times. Em terceiro lugar, por não haver união entre eles. Observamos isso ao perceber que somente o Tocantinópolis é um clube completo, por ser o único a ter seu próprio estádio, além de alojamento completo para seus jogadores e centro de treinamento, ao contrário de outras equipes. Talvez por isso, ele lidere com facilidade o futebol do nosso Estado, sendo o único tocantinense a ganhar três títulos seguidos. Acompanhando este desempenho do Tocantinópolis, o Capital Futebol Clube já possui centro de treinamentos e apresenta tudo para crescer ainda mais, tendo ocupado o espaço deixado pelo Palmas Futebol e Regatas, que de 2000 a 2004 mandava no futebol do Tocantins.

O Tocantins é um celeiro de craques como Reinaldo, Gilson Jáder, Amado Bucar, Tuide, Roni, Tiba, Lúcio Bala, Sandro Hiroshi, Luquinha e Lucas Tocantins. Isso ocorre desde que ainda era norte de Goiás e continua. Por que o Estado não consegue avançar em competições nacionais?

Como citei anteriormente, devido à falta de planejamento dos dirigentes. No entanto, agora algumas equipes começam a se preocupar com as categorias de base, o que pode em pouco tempo revelar grandes jogadores para os clubes locais e para o cenário nacional.

Há esperança de que o jogador Elias, do Palmas, possa defender uma grande equipe do futebol brasileiro e até do exterior

Quais são os jogadores do futebol do Tocantins que o sr. considera craques do momento?

Infelizmente, no momento não temos nenhum. Começaram a surgir alguns no sub-20 do Palmas, no final do ano passado, contudo a diretoria optou por acabar com o time. Há esperança de que o jogador Elias, do Palmas, possa defender uma grande equipe do futebol brasileiro e até do exterior, desde que se recupere bem da cirurgia realizada no joelho.

O rádio esportivo mudou muito, desde que o sr. começou sua trajetória. Que passagens interessantes no rádio esportivo lhe são mais marcantes?

Na verdade, mudou pouco. Podemos perceber mudanças em alguns lugares, como no Tocantins, onde o rádio se tornou mais profissional, apesar de que alguns ainda confundem o lado profissional com o de torcedor. Lembro-me, sim, de uma boa passagem, em Goiás. Jurandir Santos e Caetano Beghelli transmitiam um jogo em Anápolis, pela Brasil Central, quando começou a chover. O Jurandir disse: “Aqui em Anápolis chove nos quatro cantos do gramado”. E Caetano completou: “E no centro, também”. (risos)

Futebol é um terreno fértil para histórias inacreditáveis. De que histórias ou passagens o sr. se lembra envolvendo o meio futebolístico?

Jogavam no Estádio Serra Dourada, em Goiânia, o Vila Nova e Itumbiara, pelo Campeonato Goiano. O árbitro da partida, José Muniz Brandão, marcou uma falta, próxima à grande área do Itumbiara, a favor do Vila Nova. Os jogadores do Itumbiara inconformados com a marcação partiram para cima do árbitro. Enquanto os atletas tentavam persuadi-lo a voltar atrás, o atacante do Vila Nova, Nivaldo Lancuna, cobrou a falta sem autorização, convertendo-a em gol. Mesmo sem ter autorizado, José Muniz Brandão validou o gol para o Vila Nova, aumentando ainda mais a confusão com os jogadores do Itumbiara. Resultado: 1 a 0 para o Vila Nova, com esse gol irregular.

O Palmas lotava os estádios em todos os jogos, por ser formado quase que totalmente por jogadores do Tocantins

Tem uma contradição inexplicável no futebol tocantinense. O futebol amador em qualquer cidade do Estado atrai uma multidão para a beira do campo; já o futebol profissional, com melhores espaços, não tem torcida e atrai pouca gente aos estádios, sendo insuficiente para se financiar, e precisa ser custeado por algum dirigente que tenha a coragem de meter a mão no bolso. O que está errado?

No futebol amador não se cobra ingresso para assistir aos jogos, os jogadores não recebem salário e jogam por amor à profissão. Os atletas são quase todos da mesma cidade e seus familiares vão aos jogos para apoiá-los. Já no futebol profissional, as equipes contratam de outros Estados, e eles vêm para cá sozinhos. Com isso, não há a mesma ligação entre o jogador e o torcedor; dessa forma, muitas vezes o jogador pode não atrair o torcedor daquela equipe, pelo fato de não ter amor à camisa, mas sim ao dinheiro. De 2000 a 2004, a história era outra, a equipe profissional do Palmas lotava os estádios tocantinenses em quase todos os jogos, sua equipe era formada quase que totalmente por jogadores do Tocantins.