Na bancada goiana na Câmara, dos 17 deputados federais, mais da metade (dez, no total) integram a Frente Parlamentar Mista Evangélica do Congresso. Desses, dois são pastores: Glaustin da Fokus (PSC) e Jeferson Rodrigues (Republicanos).  Os outros nomes são:  Daniel Agrobom (PL), Flávia Morais (PDT), Gustavo Gayer (PL), Ismael Alexandrino (PSD), Magda Mofato (PL), Professor Alcides (PL), Rubens Otoni (PT) e Silvye Alves (UB). Dos três senadores por Goiás, apenas Jorge Kajuru (PSB) integra a lista.

Na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), dos 41 deputados, apenas cinco faz alguma referência à religião em seu perfil oficial no site do parlamento goiano. No entanto, isso não quer dizer que temos apenas esses nomes ligados à Igreja. Só comprova a tese de especialistas de que está cada vez mais difícil encontrar vínculo direto de políticos às instituições religiosas, apesar deles existirem na prática.

Dos parlamentares que fizeram referência explícita à religião no site da Alego, apenas um é pastor: Ricardo Quirino (Republicanos), da Universal. Henrique César (PSC), afirma ter “vínculos com a Igreja Assembleia de Deus, ministério Campinas”. Cairo Salim (PSD) diz que “defende a família e os princípios cristãos” e Karlos Kabral (PSB) lembra que “foi criado nas comunidades de base da Igreja Católica, atuando principalmente na Pastoral da Juventude”. E o presidente da Assembleia, Bruno Peixoto (UB), quando vereador em Goiânia, foi autor do projeto de lei que instituiu o Ensino Religioso nas escolas municipais.

Na Câmara Municipal, dos 35 vereadores, 11 fazem referência à religião na biografia disponibilizada no site oficial da casa legislativa, o que equivale a 31,42% das cadeiras. Desses, três são pastores: Dr. Gian (MDB/ Fonte da Vida), Isaías Ribeiro (Republicanos/ Universal) e Welton Lemos (Podemos/ Bethel). Outros três declaram que vão atuar em prol dos valores da família cristã: Kleybe Morais (MDB), Leia Klebia (Podemos) e Thialu Giotti (Avante).

Outros dois, se dizem cristãos: Cabo Sena (Patriota) e Gabriela Rodarte (PTB). Leandro Sena e Ronilson Reis, ainda segundo a biografia, não têm partido, mas têm religião: são evangélicos. E Joãozinho Guimarães (SDD) se declara “católico praticante, encontrista e membro efetivo de movimentos religiosos há 25 anos”.  

Outros parlamentes têm sua fé, apesar de não a declarem no site da Câmara. A vereadora Aava Santiago (PSDB), por exemplo, é evangélica. E fontes ligadas ao legislativo municipal garantem que os vereadores Geverson Abel (sem partido), Sargento Novandir (Avante) e Willian Veloso (PL) também poderiam figurar numa possível “bancada da bíblia”.

A cada 10 goianos, 4 se declaram católicos, 3 são evangélicos e 2 afirmam não ter religião

A maior parte da população goiana ainda é católica (43,5%), mas o número de evangélicos têm crescido: 3 a cada 10 goianos professam essa fé (30,6%). Os espíritas correspondem a 5,2%. Outro dado relevante – talvez até surpreendente – é que 20,7% afirmam não ter religião. Os dados são de uma pesquisa realizada em julho de 2022 pela Santa Dica Consultoria e Pesquisa, com margem de erro de 3,3% para mais ou para menos. Os pesquisadores ouviram 864 pessoas em todas as dez regiões de planejamento do Governo de Goiás estipuladas pelo Instituto Mauro Borges (IMB).

Católicos ainda são maioria entre a população goiana | Gráfico: Jornal Opção

Para o sociólogo e sócio da Santa Dica Consultoria e Pesquisa, Kim Macherini, o que mais chamou atenção nesse levantamento foi o crescimento de evangélicos em cidades que antes eram consideradas tradicionalmente católicas, como é o caso de Pirenópolis e Luziânia, por exemplo, que hoje possuem quase 40% do eleitorado crente. “A fé impacta bastante no posicionamento político dos candidatos. E quem se declara evangélico tem uma tendência maior a se posicionar como uma pessoa de direita”, revelou Kim.

De todas as regiões de Goiás, a região metropolitana de Goiânia é a que concentra o maior número de evangélicos enquanto que os municípios no Norte do Estado são os que possuem uma menor quantidade de pessoas dessa religião. Na cidade de Anápolis, no Centro Goiano, por exemplo, um a cada três é evangélico (33,3% da população).

Entre os anapolinos, inclusive, para o sociólogo Kim, políticos e eleitores têm um jeito diferente de atuar. “Para os temas econômicos, as escolhas são um pouco menos conservadoras. Anápolis caba tendo características muito mais ligadas ao empreendedorismo. Já em pautas de costumes, o conservadorismo se mantém”, analisou.

Quem é evangélico, normalmente, compartilha do mesmo conceito de família, de consumo e de propriedade. Mas os tópicos valorizados por essa comunidade vai além da pauta moral. “Existe todo um jeito de ser que conta para esse eleitorado. E essa forma de levar a vida define o que é lazer e como se deve pensar a economia, com uma tendência mais liberal. São bem ligados ao mercado”, avaliou o sociólogo.

Kim Macherini: “evangélicos pensam que política e religião devem andar juntas” | Foto: arquivo pessoal

Kim lembra ainda que, dentro da Igreja Evangélica, existe uma forma de arregimentar a eleição. “Fazer pesquisa para entender o perfil do evangélico fora do período eleitoral é muito difícil. Quase não capta intenção de voto”, explicou. Com o início das eleições, a comunidade evangélica se mobiliza rapidamente em torno de seus candidatos e ativa sua base por meio de redes sociais, dos cultos e grupos em aplicativos de mensagens. Assim elegem seus candidatos.

“Os evangélicos pensam que política e religião devem andar juntas e dão mais importância para a representatividade no parlamento. Por isso engajam em campanhas de forma mais ativa”, acrescentou o sociólogo.  Mas, depois de eleitos, alguns candidatos se destacam e se tornam menos dependentes dos pastores. “O deputado federal Glaustin da Fokus, por exemplo, está sempre nesse tipo de pauta e hoje consegue representar a comunidade evangélica de uma forma geral, e não apenas uma igreja x ou y”, acrescentou.

Candidatos de outras religiões, normalmente, têm mais dificuldade de reunir toda uma Igreja em torno de um único nome pelo próprio formato em que essas estruturas religiosas se organizam. Mas não é impossível. “Na Igreja Católica também acontece, mas não de forma tão ativa. O ex-deputado Francisco Junior é católico e conseguiu ter essa representatividade”, afirmou Macherini.

Vínculo religioso x bancada

O professor de sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), Flávio Sofiati, destaca que é preciso diferenciar o vínculo religioso com a bancada. Segundo ele, qualquer político pode ter uma religião. Para se tornar uma bancada, é preciso articular e agir em conjunto, muitas vezes, independente do partido. Para ele, no Congresso, “o perfil partidário é muito diversificado, apesar de partir de uma lógica de centro-direita”, comentou.

“A Frente Parlamentar Evangélica no Congresso é basicamente composta por políticos evangélicos com perfil conservador de direita”, resumiu Sofiati, que é doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Ele explica que, na última década, a atuação desse grupo tem sido organizada em bancada. “Se unem muito em torno das temáticas morais”, exemplificou. E dentro desses temas que são consenso entre os evangélicos estão o aborto, as pesquisas com células tronco e os direitos das pessoas LGBTQIAPN+.

Já para temáticas mais laicas, segundo Flávio, a atuação de cada integrante da bancada “vai depender muito do vínculo partidário”. E o sociólogo lembra que, no governo Bolsonaro, a bancada evangélica atuou para garantir a governabilidade. No entanto, para ele, hoje ainda é nebulosa a atuação da bancada evangélica. “Existem evangélicos governistas, mas existe uma bancada que atua na oposição”, ponderou.

A tensão entre o governo do PT e os evangélicos se dá, principalmente, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinaliza que quer avançar na área dos direitos humanos, principalmente os relacionados à população LGBTQIAPN+, às mulheres e outras minorias. “Em seis meses desde que Lula assumiu, já tiveram muitas tensões, vitórias e derrotas”, avaliou Sofiati.

Entre os últimos presidentes, Jair Bolsonaro (PL) foi o que teve maior apoio entre os evangélicos, inclusive. Apesar de formalmente batizado na Igreja Católica, o ex-presidente também teria sido batizado “informalmente” na Igreja Evangélica. Sua mulher, Michelle Bolsonaro é crente. Na presidência, abrigou em seu governo ministros evangélicos, mas não tem um vínculo formal com qualquer templo religioso.

No governo de Dilma Roussef (PT), a bancada evangélica teria, inclusive o poder de veto a qualquer tema mais polêmico.  Na avaliação de Flávio, nos primeiros governos de Lula, houve uma participação muito forte do catolicismo da libertação enquanto que no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os católicos carismáticos dominavam o Congresso.

Para o sociólogo Flávio Sofiati, “o monopólio da prática conservadora da política tem se diluído” | Foto: Fernando Leite/ Jornal Opção

Em Goiás, o sociólogo vê uma boa aceitação dos evangélicos com o governo de Ronaldo Caiado (UB), que é católico praticante. Antes de se tornar governador, era figurinha carimbada em missas de igrejas do Setor Bueno e Nova Suíça, como as paróquias Rosa Mística e Nossa Senhora Aparecida e Santa Edwiges. Como governador, concilia seu compromisso de cristão com sua agenda de chefe de Estado.

No entanto, independente da religião, Flávio Sofiati acredita que “os evangélicos têm muito vínculo com o agronegócio e o Caiado é um representante legítimo do setor, apesar de ter tido problemas com uma parcela do agro”. Além disso, em pautas conservadoras, católicos e evangélicos costumam se unir.

Em Goiânia, o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) é um pastor. Em março, ele sancionou o projeto de lei que instituiu o Dia da Igreja Universal no calendário oficial da cidade, que será pela primeira vez comemorado no próximo dia 9 de julho. A ideia, aprovada pela maioria na Câmara Municipal, foi do vereador Isaías Ribeiro (Republicanos), também pastor, o mais votado nas eleições de 2020, com 9.233 votos.

No calendário oficial da capital, também se comemora o Dia do Pastor Evangélico, no segundo domingo de junho; o Dia da Família Cristã Goianiense, em 30 de maio; e o Dia do Evangélico, comemorado no dia 31 de outubro, mês dedicado à Cultura Gospel na cidade, por meio da lei nº 9.289, de 14 de junho de 2013.

São nos municípios, inclusive, que as pautas de costumes reverberam e os vereadores com vínculo religioso tentam emplacar leis com esse viés. “Em diversas cidades chegaram a aprovar leis proibindo a ideologia de gênero nas escolas. Mas não é competência das Câmaras Municipais e todas foram consideradas inconstitucionais”, lembrou Sofiati.

Para o sociólogo Flávio, está cada dia mais difícil encontrar o vínculo orgânico de um político com qualquer religião. “Cada vez mais o monopólio da prática conservadora da política tem se diluído. Isso tem sido comprovado nas últimas três eleições, em todas as esferas. Antes evangélicos e católicos carismáticos dominavam. Agora eles competem com outros segmentos, também conservadores, como o da segurança pública, por exemplo”, arrematou.