Verdadeiras minas de ouro, cartórios começam a ter novos titulares
03 maio 2014 às 08h31
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Após um concurso com muitos atropelos, os aprovados começaram a tomar posse em um processo que visa certa transparência. Em Goiânia, apenas dois cartórios continuam vagos, sendo o W Sampaio um deles
Marcos Nunes Carreiro
Foi realizado em 2008 o concurso que dá provimento para a titularidade em parte dos cartórios de Goiás. Após todas as polêmicas que fizeram com que o resultado do certame se arrastasse por quase seis anos, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) enfim definiu a data da posse dos aprovados, que se encerra no dia 6 de maio, podendo ser prorrogada — apenas a pedido do concursado — até o dia 6 de junho.
Os imbróglios do concurso foram resolvidos de modo definitivo depois que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou, no ano passado, que 14 Estados — além do Distrito Federal — preparassem num prazo de 90 dias os concursos públicos para o preenchimento das vagas de titulares nos cartórios extrajudiciais. E Goiás, mesmo tendo realizado concurso em 2008, entrou na lista. De acordo com o CNJ, Goiás possuía, à época, 357 cartórios extrajudiciais administrados por não concursados.
O corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, foi o responsável pela ação, que, se não fosse cumprida, acarretaria em abertura de processos disciplinares. Segundo o CNJ, Além de Goiás, outros 14 estados estavam em situação irregular: Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.
As serventias extrajudiciais somam, em Goiás, 565. A maioria absoluta desses 565 cartórios ainda é administrada por famílias e não por concursados. Contudo, nem todos os cartórios em que não concursados estão como titulares serão afetados por esse ou pelos próximos concursos. Apenas os cartórios em que os atuais gestores assumiram pós-1988, quando a Constituição Brasileira foi instituída. Assim, concursados poderão assumir esses cartórios somente após a morte do atual titular.
Em Goiás, a lista conta com 365 cartórios vagos. O concurso realizado em 2008 — mas apenas confirmado neste ano —, porém, só dá provimento para 141 concursados, que já estão tomando posse nos cartórios. Em Goiânia, 8 dos 18 cartórios foram declarados vagos, dos quais 6 já assumiram. De acordo com a lista publicada pela Corregedoria do TJGO, os cartórios vagos em Goiânia eram:
1º Registro de Pessoas Jurídicas, Títulos, Documentos e Protestos (vago desde 03/04/1988); Registro de Imóveis da 1a Circunscrição (vago desde 02/12/1991); Registro de Imóveis da 4a Circunscrição (vago desde 21/12/1991); 3º Tabelionato de Notas, Tabelionato e Oficialato de Registro de Contratos Marítimos (vago desde 01/06/1996); 7º Tabelionato de Notas, Tabelionato e Oficialato de Registro de Contratos Marítimos (vago desde 27/04/1993); 8º Tabelionato de Notas, Tabelionato e Oficialato de Registro de Contratos Marítimos (vago desde 26/06/1998); Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da 1a Circunscrição (vago desde 20/06/2001).
Desses, alguns cartórios foram para provimento por ingresso e outros por remoção. O juiz auxiliar da presidência do (TJGO), Reinaldo Alves Ferreira, explica a diferença: “Quando um concurso é aberto, algumas vagas são para provimento de remoção e outras para ingresso. Remoção são aquelas vagas destinadas àqueles que já são titulares de cartórios e que querem trocar de local. Ou seja, eles se movimentam horizontalmente por meio de uma prova, no nosso caso, de títulos. Já as vagas de ingresso são para aqueles que vão entrar agora. Esses fazem prova e comprovação de títulos”, ensina.
Após os desenlaces do concurso público, foi realizada no dia 2 de abril deste ano uma audiência pública para que os aprovados no concurso escolhessem as serventias em que queriam atuar. Dos aprovados no concurso para provimento dos oito cartórios extrajudiciais vagos de Goiânia seis já tomaram posse, fora Ana Maria Félix de Sousa Longo — oriunda do 1º Tabelionato de Notas da comarca de Jaraguá e agora titular do 3º Tabelionato de Notas, Tabelionato e Oficialato de Registros de Contratos Marítimos de Goiânia —, que assumiu por remoção.
Os ingressantes são:
— Irley Carlos Siqueira: que assume o 1º Tabelionato de Notas.
— Lucas Fernandes Vieira: 8º Tabelionato de Notas.
— Mateus da Silva: 1º Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas — cartório que tem atribuições de Tabelionato de Notas, Tabelionato e Oficialato de Registro de Contratos Marítimos.
— Rômulo Filizzola Nogueira: 3º Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas — cartório com atribuições de Tabelionato de Notas, Tabelionato e Oficialato de Registro de Contratos Marítimos.
— Igor França Guedes: 1º Registro de Imóveis.
— Rodrigo Esperança Borba: 4º Registro de Imóveis.
Como permite a lei, os outros dois concursados pediram prazo de mais 30 dias para assumir os cartórios escolhidos na audiência pública do dia 2 de abril e tem até o dia 6 de junho para assumir. Caso isso não ocorra, os cartórios continuam nas mãos dos interinos que os comandam atualmente. São eles:
— Naurican Ludovico Lacerda, que deverá assumir o 1º Registro de Pessoas Jurídicas, Títulos, Documentos e Protestos, atualmente sob a tutela de Irismar Dantas de Souza — interino, que assumiu o cartório no lugar de Maurício Sampaio.
— Fernando Dias, que deverá assumir o 7º Tabelionato de Notas, atualmente nas mãos de Luciana Franco de Castro.
Como está sendo feita a transição de acervo
Como os cartórios praticamente regem a vida da cidade, visto que grande parte dos documentos importantes passa por eles, surgiu uma preocupação por parte de muitos na forma em que os cartórios estariam sendo repassados para os concursados. Essa preocupação está no fato de que os titulares, até então, ficaram à frente dos órgãos por décadas. Como saber se documentos importantes, ou até mesmo sobre situações irregulares, foram ocultados?
Em relação aos cartórios de Goiânia, o diretor do Foro da capital, juiz Átila Amaral — que é o responsável por garantir essa transição — diz que não há motivo para preocupação, uma vez que, além de toda a documentação dos cartórios estar disponível em meio físico, há muitos anos esses documentos foram digitalizados por essas unidades com a fiscalização da corregedoria. Além disso, segundo ele, não há resistência alguma por parte dos cartorários em dar posse aos concursados.
“Por exemplo, tanto nós, de Goiânia, quanto outros diretores de Foro permitimos que cartórios fechassem por um dia para que fosse feita a transição [3° Tabelionato de Notas de Goiânia, 1º Tabelionato de Notas de Caldas Novas e o cartório de Registro de Imóveis da comarca de Serranópolis]. Porém, na maioria dos cartórios a transferência já está completamente concluída”, declara o diretor.
A título de explicação, o juiz cita o caso do 1º Registro de Pessoas Jurídicas, Títulos, Documentos e Protestos, conhecido por Cartório W Sampaio. O cartório foi alvo de denúncias, após auditorias feitas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela Corregedoria Nacional de Justiça, que verificaram irregularidades. Essas denúncias motivaram ação civil pública por parte do Ministério Público de Goiás (MPGO), que cumpriu determinação do corregedor nacional da Justiça, ministro Francisco Falcão, e afastou Maurício Sampaio de suas funções como titular do cartório. Foi assim que o então diretor da Divisão de Arrecadação Judicial do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), Irismar Dantas de Souza, assumiu como interino, cargo que ainda exerce.
O diretor do Foro de Goiânia, que é responsável pela indicação dos interinos nos cartórios da capital, elogia Irismar Dantas e diz que, mesmo que o cartório tenha dado problemas no ano passado, sua transferência para o concursado depende dele próprio. “É certo que o 1º cartório de Protestos, onde estava como interino o Maurício Sampaio, apareceu na mídia em meio aos escândalos que o envolveram. Nesse cartório ainda não foi realizada a transferência. Até imaginávamos que o concursado fosse tomar posse rapidamente, mas ele pediu a prorrogação do prazo. Então ele pode exercer seu direito de posse até o dia 6 de junho. Isso tem gerado algumas perguntas, mas está tudo normal”, declara.
O juiz auxiliar da Corregedoria do TJGO Antônio Cézar Pereira Meneses diz que uma equipe acompanha a transição e faz um inventário de tudo no cartório. Além disso, foi publicado um Manual de Transmissão do Acervo para guiar o processo. O manual traz orientações como: “Para a transmissão a conferência do acervo é primordial. A regra é que seja quantitativa (contagem dos livros, arquivos e pastas). Se a serventia dispor de fichas, deve-se fazer prova da possível quantidade (se necessário fotografar o local de armazenamento dos documentos, registrando o primeiro e o último).” Em caso de alguma irregularidade, o novo cartorário deve, segundo o manual, anotá-las “no tempo de trabalhos de transmissão do acervo” e comunicá-las ao diretor do Foro.
Já está na hora de Goiânia aumentar seu número de cartórios?
Em 2009, e então deputado estadual José Nelto (PMDB) tentou abrir comissão parlamentar de inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa para apurar a qualidade dos serviços prestados pelos cartórios em todo o Estado, além de investigar a possibilidade de formação de caixa 2 e sonegação de impostos. À época, o deputado conseguiu reunir 28 assinaturas, mas a resolução não prosseguiu e o caso foi arquivado.
No mesmo período, José Nelto apresentou projeto de lei para aumentar o número de cartórios em Goiânia, que conta com 18: 4 de registro de imóveis, 2 de protesto, 4 de registro civil e 8 tabelionatos de notas. Segundo o ex-deputado, sua intenção era aumentar, principalmente os de registros de imóveis, uma vez que o mercado imobiliário de Goiânia está em ascensão desde aquela época. “Tentei aumentar o número e realizar a CPI dos cartórios, mas não foi para frente porque os senhores deputados foram ‘convencidos’ pelos cartorários. É tudo uma grande máfia”, acusa o peemedebista.
Ele diz: “Eu queria saber a razão pela qual o Pode Judiciário não mandava e continua não mandando projetos ao Legislativo visando a criação de novos cartórios. Também questionei o porquê dos cartórios goianos terem as taxas mais caras e abusivas do país, sendo que o atendimento é dos piores. Os cartórios atendem pior que os bancos”, afirma. Contudo, uma de suas soluções é: “O que deveria ser feito é acabar com os cartórios e fazer com que cada agência bancária da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil fosse um cartório. Hoje, os cartórios prestam um serviço público e o fazem muito mal.”
De acordo com José Nelto, cinco anos depois de apresentar a proposta de aumentar o número de cartórios, esses locais continuam sendo uma verdadeira tortura para os cidadãos. Segundo ele, não há transparência por parte dos notários e diz que se não ocorrer uma ampliação do número de cartórios de registro de imóveis, o setor imobiliário de Goiânia irá parar em breve. “O mercado de imóveis sofre demais com isso, pois gasta-se um tempo muito grande para conseguir registrar uma escritura.”
Mas o debate não para por aí. O diretor do Foro de Goiânia, juiz Átila Amaral, diz que, em sua opinião, esse debate já deveria ter sido feito atentando para os grandes rendimentos dos cartórios. “Goiânia deveria fazer uma redivisão com outras unidades sendo criadas, pois sabemos que tem cartórios com rendimentos completamente fora da realidade do país”, relata.
De acordo com ele, essa situação poderia ser amenizada com a criação de novas unidades e joga a responsabilidade para o Legislativo. “Assim, a população seria mais bem atendida, além de fazer com que aqueles que estão à frente dos cartórios tivessem uma rentabilidade menor. Mas isso depende de leis. Ou seja, deve ser tratado pela Assembleia Legislativa.”
De fato. Os rendimentos destinados ao Fundo Especial de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário (Fundesp) de apenas oito cartórios de Goiânia — aqueles cujos rendimentos estão disponíveis para consulta — entre 2011 e março deste ano, ultrapassam os R$ 27 milhões quando somados (acompanhe no quadro). Isso mostra o tamanho da rentabilidade de alguns cartórios. O 1º Registro de Pessoas Jurídicas, Títulos, Documentos e Protestos, por exemplo, ganhou sozinho quase R$ 12,5 milhões nesse período.
Isso, em tese, vai contra a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que fixou as remunerações dos cartorários no valor máximo correspondente a 90,25% dos subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que ganham R$ 32.703,09 de salário bruto. Isto é, o valor dos rendimentos de um cartorário deveria ser de, no máximo, R$ 29.514,54.
Com um aumento no número de cartórios, seguindo a linha de pensamento de Átila Amaral, esses números seriam reduzidos.