Trajetória de quem apostou e fez nascer a história da soja em Goiás
06 setembro 2020 às 00h00
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Empreendedor e inventivo, José Roberto Brucceli foi o agricultor que modificou Goiás
José Roberto Brucceli tem 66 anos e faz parte da quarta geração de produtores rurais de sua família. Ele nasceu em Conchal, São Paulo, mas os antepassados vieram de Araras e, antes de serem agricultores, eram mão de obra escrava. Em 1979, o pai de José Roberto adquiriu um lote de terras em Planalto Verde, onde hoje é Montividiu e precisou que um dos filhos viesse cuidar das terras. José Roberto veio com a esposa e dois filhos.
“Eu, que não tinha muita noção das coisas, vim sozinho construir uma casa de placas de muro no meio do cerradão bravo,” disse José Roberto Brucceli no percurso de uma de suas fazenda até sua casa, em Rio Verde. A razão para a mudança foi o tamanho das propriedades. Em São Paulo, as fazendas estavam, já naquela época, muito pequenas. Foi no mesmo momento em que as máquinas começaram a ficar mais eficientes e mais área agrícola começou a ser necessária.
“Meu pai comprou o primeiro pedaço de terra, uma fazenda que eu tenho até hoje. Quando cheguei lá, perguntei aos vizinhos se tinha feito uma boa escolha. Eles me disseram que tínhamos comprado o pior trecho de terra da região.” Em todas as fazendas da região, conta José Roberto Brucceli, uma febre que se assemelhava à caxumba no humano matava o gado. “A cara do gado inchava. Ele deixava de comer. Ia secando, secando, e morria”.
A febre encerrou os planos de pecuarista de José Roberto Brucceli. Em 1980, foi a vez da tentativa de cultivar arroz fracassar. Enquanto os agricultores gaúchos colhiam 200 sacas de arroz sequeiro por hectare, o goiano alcançou apenas 20. “Era uma terra plana, boa, mas eu não conhecia o cerrado”, conta o agricultor.
Na safra de 1981 para 1982, José Roberto Brucceli resolveu arriscar e investir na soja. Na época, nenhum outro produtor rural cultivava o grão em Goiás. Por ter um solo muito ácido, era consenso que não se podia fazer a soja crescer no chão do cerrado. “Mas eu tinha noções de correção de solo através de calcário e fertilizantes. Éramos acostumados a fazer isso em São Paulo. Minha família mexia até com hortaliças, e embora eu não tivesse formação teórica, eu sabia o que fazer por formação prática”.
Em 1982, o produtor conseguiu colher 32 sacas de soja por hectare – metade do que colhe hoje. Em 1983, foram 45 sacas por hectare. Os números foram suficientes para atrair agricultores do Sul do País para a região com intenção de fazer crescer a soja. Já no ano seguinte, José Roberto Brucceli relata, estava “cercado pela gauchada. Eu não conseguia competir em volume de terra – comprava dez, 20 alqueires com o dinheiro que eu ganhava. Fui ganhando um dinheirinho e fui comprando também, aumentando as terras. Comigo, nasceu a indústria da soja em Goiás”.
A história da ascensão de José Roberto Brucceli se confunde com o crescimento do agronegócio em Goiás, e também com o crescimento da cidade de Rio Verde. Em 1979, a vila tinha 35 mil habitantes, hoje a cidade tem 241 mil; sete vezes maior do que quando chegou. “A soja é fonte de riqueza. Você vai numa região em que se investe em gado, vê aquela pobreza danada.”
A razão, ele explica, é que o gado e a cana são produzidos por grandes produtores rurais. Enquanto estes vivem distantes dos lugares em que criam seu produto, aqueles que cultivam a soja são em geral pequenos agricultores, que vivem na mesma cidade em que trabalham. José Roberto Brucceli vive e criou seus filhos em Rio Verde.
“Era uma coisa muito boa de se produzir porque precisávamos fazer apenas o controle integrado de pragas, então se produzia bem e se gastava pouco. Isso até 1994…”, disse José Roberto Brucceli. Em 1994, surgiu a praga do cancro da haste, que devastou as lavouras do cerrado brasileiro. As perdas de soja por cancro da haste, acumuladas no período da safra de 94/95 são estimadas em mais de R$170 milhões.
“A tábua de salvação que achamos foi dentro do sistema sindical. Fomos até Brasília, mostramos para o governo que o setor estava capengando e conseguimos fazer a renegociação das dívidas dos produtores rurais. Adiamos em 25 anos as dívidas e foi isso que deu um fôlego pro setor e possibilitou esse impulso de novo”, conta José Roberto Brucceli, diretor do Sindicato Rural de Rio Verde há mais de 20 anos.
José Roberto Brucceli foi também o precursor – juntamente com outros produtores – do sistema de plantio direto na palha na região do cerrado. Plantio Direto na Palha – PDP – é um sistema de produção agropecuária em que se evita a perturbação do solo e se mantém sua superfície sempre recoberta de resíduos (palha) e/ou de vegetação. O termo “plantio direto” origina-se do conceito de plantar diretamente sobre o solo não lavrado, e o termo “na palha” acrescenta a idéia de manter o solo sempre protegido por resíduos.
“No plantio convencional”, diz José Roberto Brucceli, “aquele em que se ara todo o solo, começamos a perder muita camada arável com a erosão. Tínhamos um problema sério. Por volta de 1990 começamos a pensar que talvez o plantio direto daria certo.” O plantio direto era uma prática que começou no Paraná. “Como o clima do Paraná é temperado, alguns falavam que não daria certo. Mas fomos atrás. Buscamos os pioneiros do plantio direto – Nonô Pereira, Érico Barthes, Franke Dijkstra – e pedimos para nos ensinarem a fazer o plantio direto”.
O reconhecimento veio em 2016, quando José Roberto Brucceli recebeu o prêmio concurso cultural Personagem Soja Brasil, realizado para valorizar pessoas envolvidas na cadeia produtiva do grão e que possuem uma contribuição decisiva para o desenvolvimento e a história da soja no país. Promovido pelo Canal Rural, o concurso analisou a história de produtores, pesquisadores e pessoas ligadas ao meio rural que tiveram destaque em suas regiões ou estado. Com 54 % dos votos válidos, o goiano José Roberto Brucceli, foi o grande vencedor da disputa. Ele foi homenageado durante o fórum de encerramento da edição do projeto, que aconteceu no Mato Grosso do Sul.