Dados CNI negam a eficácia da política adotada no período de 2008 a 2018 para atração de indústrias. Especialistas apontam para a necessidade de investir em infraestrutura, desburocratização e formação de mão de obra

Renúncias fiscais de ICMS não se sustentaram como fator de atração de indústrias e foi uma política equivocada entre 2008 e 2018. Alvo de uma CPI, cujas investigações produziram em 500 páginas, a conclusão foi de que não se poderia continuar abrindo mão de R$ 8 bilhões relativos à renúncia fiscal. Esse é um recurso que, caso investido em infraestrutura e formação de mão de obra qualificada, teria colocado o Estado em destaque na atração de investimentos e indústrias.

Um levantamento feito pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), e divulgado na última semana, apontou o desempenho da industrialização brasileira entre 2008 e 2018, levando em consideração os estados. Entre o biênio 2007/2008 Goiás tinha 2,83% de participação na industrialização brasileira, porém, terminou o ciclo dos gestores que defendiam balizas legais como Fomentar e Produzir, em 2018, registrou 2,91% de participação industrial.

De acordo com o levantamento da CNI, Goiás é o estado mais industrializado do Centro-Oeste e no ranking brasileiro aparece em nono lugar. Os dados da CNI negam ainda a eficácia da política adotada no período e hoje, economistas alertam que não basta atrair indústrias, mas é preciso investir em outros tipos de atrativos.

Fonte: CNI, com base em dados do Sistema de Contas Regionais (SCR) – IBGE.

Segundo o economista-chefe da CNI, Renato Fonseca, os incentivos fiscais já tiveram protagonismo no passado, durante a guerra fiscal. “Hoje, isso é insuficiente. Nos últimos anos o estado que mais dava incentivo fiscal era São Paulo. Independente desses incentivos, percebe-se que outros incentivos levam as indústrias a expandirem suas filiais e fazer novos investimentos. Bahia e Pernambuco, por exemplo, estão atraindo as empresas pelas suas novas estruturas. Se você tem um mercado consumidor que vai crescendo, se tem um indústria diversificada e ao invés de prover incentivos fiscais, optar em prover uma facilidade de abertura de negócio e uma boa infraestrutura,  ajuda a atrair novos investimentos”, afirma Renato.

Para o especialista, o primeiro ponto a ser observado é exatamente aquele benefício que você tem quando está iniciando um processo. “Goiás ainda tem uma produção industrial maior que os demais estados do Centro-Oeste e uma indústria bem mais diversificada. Um crescimento forte não só da indústria de alimentos que é o ponto forte, mas também a metalúrgica, a química e farmacêutica, a automobilística, bebidas e vestuário, ou seja, todos os setores importantes na economia de Goiás”, diz.

Goiás desponta menos no Centro-Oeste do que Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que se tornou um dos mais importantes no setor de celulose e papel na última década. “É mais fácil um estado que está começando o seu processo de crescimento industrial  ter um crescimento mais forte. Ainda assim, é importante ter esse investimento que vai atrair essas empresas, que é ter uma boa infraestrutura de logística, estamos no centro do país, precisamos que os produtos cheguem aos estados do litoral”, continua o economista.     

Renato reforça que somente os incentivos fiscais já não são suficientes.  “Acaba prejudicando o estado, porque dificulta prover esses serviços que são mais importantes. É importante entender ainda que os grandes centros consumidores estão na região Sudeste, no litoral do Nordeste nas capitais e no Sul, então, a entrada do Centro-Oeste tem que ter um ganho. Obviamente, Goiás tem um grande potencial na indústria de alimentos, principalmente, na questão do óleo de soja, mas se quer continuar crescendo numa indústria diversificada, é preciso fazer com que chegue nos grandes centros de consumidores do Brasil e até nos portos para serem exportados de maneira eficiente. Investir em educação de um modo geral e profissional, investir na diminuição de burocracias para facilitar que as empresas sejam abertas no estado e principalmente na logística barata e fácil de escoar”, destaca.

Programas de incentivo

O  secretário de Indústria e Comércio (SIC), José Vitti cita que a legislação do Fomentar e Produzir foi atualizada com sucesso nos novos moldes dos incentivos fiscais. “ProGoiás veio para corrigir distorções. Ele é mais fácil do ponto de vista de gestão das empresas”. Com intenção de corrigir um dos maiores erros dos programas passados, que foi a concentração de empresas em poucos municípios. Dados do Estado, até 2018, mostram que apenas um terço dos municípios goianos se beneficiaram com os incentivos fiscais.

Otimista, porém cauteloso, o gestor afirma que é preciso “somar esforços” para criar um ambiente que possa atrair novas indústrias e garantir a retomada do setor em Goiás. “Medidas que garantam a verticalização do setor, principalmente nos minerais metálicos, que não é tão simples assim. Precisamos trazer uma indústria siderúrgica. Temos que somar esforços, não só a Secretaria de Indústria e Comércio, criando um ambiente para que as empresas possam vir”, disse ao Jornal Opção.

“Hoje, o Estado de Goiás talvez seja o único estado da federação que oferece qualificação de mão de obra para as empresas inteiramente gratuito. Nós temos sim, qualificação no nosso Estado, temos uma política de atração que ela é interessante. Nós temos hoje uma política voltada para o agronegócio, temos os grandes players instalados em Goiás devido ao nosso agronegócio. Agora, nós precisamos partir para uma outra linha, ouvir essas empresas para que possamos verticalizar os nossos produtos e não só exportar”, complementa.

Em relação ao que está sendo feito, o secretário explica e reforça ainda que é preciso trazer uma política de atração. “Na questão commodities, nós já estamos trabalhando isso, em parceria com entidades privadas, por exemplo, a Adial que trabalha em parceria para que possa criar um programa de agregação de valores de matérias-primas para Goiás. É importante também que os produtores estejam envolvidos nessa discussão”, pontua.

“Questão de logística teremos muito em breve a Norte-Sul absolutamente concluída e assim que vir a Leste-Oeste teremos mais um ponto. Hoje, o e-commerce é muito intenso em diversos segmentos, e temos que começar a olhar para esse segmento de tecnologia. O estado tem um ambiente absolutamente propício a instalação e diálogo com os setores”, completa o titular da pasta.

Vitti aponta que para a retomada da indústria goiana  reforça que são necessários os investimento no e-commerce. “Nós vamos ser o Estado pioneiro na tecnologia voltada ao agronegócio que é muito importante e que sem dúvida nenhuma é a mola propulsora do Estado de Goiás. Temos que ficar atentos a essas medidas. O e-commerce hoje está sendo utilizado de maneira muito forte, começaram a entender que já é uma tendência mundial começou a chegar agora no Brasil e eu tenho certeza que na próxima década isso será o salto de comercialização”, avalia.

A Retomada

César Moura, secretário da Retomada do Governo do Estado de Goiás, vem em sintonia com José Vitti, em relação as ações que precisam ser adotadas para que haja um crescimento da indústria. “Algumas ações já estão sendo adotadas. Até mesmo porque o que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) nos trouxe algo que nós já havíamos percebido em 2019. As taxas de desemprego dos últimos 10 anos já eram uma sinalização disso”, afirma.

“Ao chegarmos aqui em 2019, nós começamos a fortalecer o cenário industrial goiano. O Governo do Estado trouxe várias indústrias desde o ano em questão. Foram 200 empresas que assinaram o protocolo de intenção, das quais 73 estão em fase de implantação e 23 já estão funcionando. O que nós fizemos quando iniciamos a retomada aqui em agosto de 2020, foi a criação de cursos de qualificação para essas empresas, visto que temos vagas no mercado goiano e o que falta é qualificação profissional. Nós focamos os nossos 17 colégios tecnológicos nas vagas de emprego disponíveis no mercado”, completa o secretário e continua citando o Mais Empregos que  acaba conversando com os colégios tecnológicos.

“Temos tido bons resultados nos números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), apesar da pandemia. Temos também aumentado o número de vagas disponíveis no Mais Empregos, com uma média de 5 mil funções disponíveis todos os meses. Reforçamos a qualificação profissional tanto em Goiânia quanto no interior. Fazemos ainda um curso de qualificação customizada para a empresa que decide vir para o nosso Estado, sem custos para a mesma, desde que ela contrate os profissionais de Goiás”, destaca.

César Moura salienta ainda outro trabalho em parceria com o Senar, que está qualificando as pessoas para o setor do agronegócio. “Essa nossa postura começou a ser praticada a partir de uma provocação que nos foi feita no ano passado no Fórum Empresarial, se não me engano em uma fala da Adial, em que afirmaram que se houvesse qualificação profissional, todos os goianos estariam trabalhando”, diz.

Na área do e-commerce, citado pelo também secretário José Vitti, a Retomada afirma que a escola do futuro nasceu pensando nesse mercado. “Nós verificamos que existem cidadãos goianos que trabalham para empresas da Holanda em regime de home office, aqui mesmo de suas casas. Isso significa que o conhecimento dele está indo embora. Logo, precisamos atraí-lo para fazer com que ele use sua força de trabalho aqui no nosso estado. De 2019 para cá nós diminuímos o peso do incentivo fiscal e diminuímos a burocracia do processo para implantação de empresas em nosso território, fazendo com que a instalação de indústrias aqui em Goiás se torne mais atrativa”, conclui César Moura.

Investimentos

Um importante dado que facilita a logística, é que a  Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (Goinfra), vai investir R$ 1 bilhão em obras de pavimentação, recuperação da malha viária, construção de pontes, entre outras ações nas estradas e nos municípios até o final de 2021. Segundo o governador Ronaldo Caiado (DEM), antes no início do segundo semestre serão entregues mil quilômetros de rodovias reformadas, em trechos estratégicos para o desenvolvimento goiano. Investimentos como alertado pelos especialistas devem ir além e chegando até na legislação necessária para que se amplie a conectividade no país, ou seja, a tecnologia, visando o fortalecimento de políticas públicas.

O professor, economista e mestre em Desenvolvimento Regional, Aurelio Troncoso avalia que a estagnação veio por alguns motivos. “Primeiro que outros estados que começaram a perder as indústrias, também começaram a oferecer incentivos fiscais, por exemplo, São Paulo, para segurar as suas indústrias no seu estado. E o estado de Goiás continuou com o Produzir a todo vapor durante muito tempo, atraindo empresas mais muito poucas”, explica.

Segundo o especialista, Goiás nunca participou de nenhum programa de atração industrial feito pelo governo Federal. “A única coisa que nós temos em Goiás que se pode dizer que atrai e que ajuda é o FCO em termos de tentar alavancar algum tipo de atração de alguma empresa para cá, juntamente com o Produzir. Deveria melhorar muito o ProGoiás para que houvesse mais atrativo industrial para o estado. Não existe industrialização onde as pessoas vem porque o estado é bonito, porque o estado é pujante só. Goiás pode continuar crescendo, a partir do momento que tiver um programa que realmente seja um atrativo industrial, que o empresário tenha vantagem de vir para cá para poder produzir aqui e mandar para fora”, pontua Troncoso.

“Goiás tem outros atrativos como o Porto Seco de Anápolis, as ferrovias que vão passar pelo estado. Talvez isso faça com que as industrias venham para cá e que fique mais barato mandar produtos para outros estados ou para fora do país através de exportação. Acredito que a Norte-Sul principalmente e o Porto Seco vai favorecer muito. Mas, acredito que Goiás ainda tem que trabalhar e remar muito. Essa Reforma Tributária que está sendo feita é algo que pode ajudar Goiás, os estados a se industrializarem melhor ou pode também fazer a desindustrialização dos estados e ficar concentrado praticamente as indústrias em outros estados mais ricos como Rio, São Paulo, cidades que já tem uma tradição industrial”, completa.

O especialista acredita que é preciso se reinventar. “Goiás tem que se reinventar, começar a buscar algum tipo de indústria que dependa de algum produto que seja da terra, daqui. Porque indústrias que dependem de insumos de outros estados eles naturalmente produzem em qualquer lugar. Agora, se atrair indústrias que a matéria prima esteja em Goiás é mais fácil, e tem tudo para crescer, é um estado de oportunidades”, avalia.

Indústria e desenvolvimento

O presidente executivo da Associação Pró-Desenvolvimento (Adial), Edwal Portilho acredita, que o que aconteceu com Goiás faz parte também de um cenário nacional. “O país tem tomado passos largos nessa desindustrialização já desde a década de 90, principalmente, na década dos anos 2000 a 2010. O PIB industrial nosso caiu muito em relação ao PIB total. Esse período de 2008 a 2018 em Goiás, na verdade foi um resultado relativamente positivo diante de um cenário nacional na nossa visão. Mas, foi realmente muito tímido e deve-se também a uma mudança de postura dos governos desde aquela época e dos órgãos de controle contra os incentivos fiscais, que é um desconto de impostos em troca de investimentos industriais, geração de emprego e desenvolvimento humano  com capacitação”, afirma.

Para Edwal Portilho, é preciso alinhamento de propósitos. “O que entendemos que deve ser feito é realmente um alinhamento de propósito entre o setor público, o governo estadual com suas secretarias e o setor privado industrial, também do setor primário para que seja discutido os segmentos. A nossa sugestão e contribuição é no sentido de realmente discutirmos por segmentos mais importantes, que são basicamente alimentos, bebidas, biocombustíveis, fármacos, automóveis. Em Goiás, isso já soma praticamente 60% do nosso PIB industrial e dos outros industriais muitos são ligados a isso”, enfatiza.

O representante da Adial, destaca que tem que se falar na questão tributária, mas é preciso levar em conta que durante a pandemia a demanda por serviços mudaram bastante. “Os mercados mudaram e essas adequações precisam ser feitas e para isso precisa construir esse ambiente para discussão de cada segmento para avançarmos no curto, médio e longo prazo  em cima de transformações que possam favorecer as que já estão aqui a crescer e atrair novas. Já foi criado o Pró-Goiás, já está desburocratizando,  mas tem que se discutir por segmento. A Adial é uma associação espontânea, temos como entrega de trabalho garantir a competitividade do estado de Goiás frente os desafios da concorrência com outros estados.  Já estamos desenvolvendo esse diálogo para um alinhamento de propósitos”, salienta Edwal.  

O diretor para assuntos do DAIA e membro da Associação Comercial e Industrial de Anápolis, Sergio Hajjar enfatiza a necessidade de que reformas sejam feitas. “O principal a ser feito são as reformas, precisamos de uma reforma Tributária, precisamos de uma segurança jurídica. Isso não foi feito nos últimos governos e o estado de Goiás como um grande produtor de commodities, como não tem essas facilitações prefere exportar a suas mercadorias, porque não  adianta produzir uma coisa em Goiás que eu não possa competir para vender em Goiás e no Brasil”.

Hajjar cita o Porto Seco como um grande facilitador de negócios para o Estado de Goiás e para a região Centro-Oeste. “É  hoje uma plataforma multimodal com uma área alfandegária que facilita tanto a exportação como a importação. A gente tem  essa facilidade com o Porto Seco, tínhamos uma dificuldade no reassentamento de algumas empresas no Daia, cerca de 44 empresas fechadas sem poder ser terceirizadas ou vendidas e isso foi solucionado pela Codego e acredito que isso irá dar uma arrancada muito forte no Parque Industrial de Anápolis e consequentemente em Goiás”, explica.

“Acredito que agora vamos ter um atrativo muito grande, sabendo do Porto do Seco  daqui, e a facilidade para absolver uma empresa e com as reformas vamos ter um avanço. Incentivo tem, o que precisamos é de segurança jurídica, um custo baixo operacional que é até por conta das necessidades da reforma. Precisamos que essas commodities que estão sendo mandadas para fora sejam industrializadas aqui em Goiás e para isso incentivo a gente já tem só precisa de segurança jurídica. Esperamos um crescimento sim, com a facilitação dos programas do governo estadual”, conclui.