A reeleição levou ao Brasil da propina que temos hoje
27 dezembro 2014 às 09h43
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Para o deputado e senador eleito Ronaldo Caiado, é preciso focar no que mais tem desmoralizado a política brasileira, como o uso da máquina pública para reeleger ocupantes de cargos executivos
Em 1988, o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches cunhou o termo “presidencialismo de coalizão”, para definir o que ocorre na prática no sistema político brasileiro. A essência desse sistema, após a Constituição de 1988, é a combinação de um sistema eleitoral proporcional com forte estímulo à existência de múltiplos partidos políticos com um sistema de governo que delega muitos poderes de negociar e de legislar ao Executivo.
Nesse contexto, o Executivo é obrigado a governar com uma frente de partidos políticos, já que o partido do presidente raramente atinge 20% das cadeiras e utiliza seus recursos de transação para consolidar o apoio da coalizão. E para eleger seu candidato, o partido majoritário também precisa acoplar o máximo de siglas para ter maior tempo de TV. Evidentemente, o problema se amplia com o instituto da reeleição para os cargos executivos.
Para um dos políticos brasileiros mais enfronhado no estudo das distorções do nosso sistema político-eleitoral, o deputado federal e agora senador eleito Ronaldo Caiado (DEM), que relatou um projeto de reforma política na Câmara dos Deputados, a reeleição é o ponto fulcral a ser atacado. Ele debita a ela o descalabro ético em que o País se vê mergulhado atualmente.
“É preciso acabar de vez com a reeleição. Esse é o ponto que identifico hoje como o quadro que mais tem desmoralizado a política. O instituto da reeleição é o que mais leva ao uso da máquina pública. E com todas essas ferramentas de corrupção para atender o anseio da reeleição, acabou se desenvolvendo o Brasil que está aí hoje. Um Brasil de desrespeito aos órgãos públicos, do excesso de cargos comissionados, das propinas e tantas coisas erradas”, critica Caiado.
O parlamentar afirma que a classe política tem de analisar prioritariamente os pontos que estão cada vez mais fragilizando e deteriorando a política nacional. “Hoje, o ponto que vou priorizar será uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para acabar de vez com a reeleição”, promete ele para o mandato de senador que estreia em fevereiro do ano que vem.
Por causa do uso da máquina pública para reeleger ocupantes dos cargos executivos, a corrupção é potencializada no País. E esse quadro gera um problema imediato: o custo estratosférico das campanhas eleitorais. O senador eleito diz que as máquinas públicas são todas usadas para fazer licitações fraudulentas com objetivo de, depois, o político que está no cargo ter caixa de campanha com doações de empreiteiras, por exemplo, para sua reeleição. “Os órgãos públicos também são utilizados nessas licitações com cartas marcadas.”
Ronaldo Caiado diz que como sua proposta se dará em forma de uma PEC, terá que começar de forma fatiada, aos poucos. “Não se trata de mudar o sistema eleitoral num processo de campanha, mas sim de mudar uma ferramenta que tem sido extremamente nociva para o País, que é a reeleição.”
Na sequência, o líder ruralista fala de outro problema que também será contemplado numa PEC. “A partir daí, e agora com essa pulverização de partidos, acho que cresce o sentimento da necessidade da cláusula de desempenho, que também é uma norma constitucional, como também vejo como necessário o fim das coligações proporcionais.”
O parlamentar diz que, depois, vai para projetos de lei ordinária, discutindo aquilo que já é fato consumado, como o financiamento de campanha. Já há decisão do Supremo, com seis votos favoráveis para ter o último parecer do ministro Gilmar Mendes, em relação ao não financiamento de empresas às campanhas eleitorais. “Com isso, acho que vamos caminhar para o financiamento público, e aí sim, vou lutar duramente para que a eleição seja por lista pré-ordenada, porque senão vai ser uma aceleração violenta do caixa 2 de campanha.”
Caiado lembra que a cláusula de barreira é discutida de várias formas. Ele apresentou um relatório de reforma política em 2007, e lembra que no projeto ele conseguiu construir um acordo entre os partidos, de 2% dos votos válidos, com eleição de cinco deputados federais em cinco diferentes Estados. “Foi uma cláusula em que consegui consenso e se estivesse em prática, não teríamos essa pulverização de partidos.”
Se Ronaldo Caiado prega o fim da reeleição, seria viável ter mandato de cinco anos? Ele diz que tanto a duração de mandato como a coincidência de eleições são matérias a serem tratadas nessa mesma PEC.
E sobre o suplente de senador, assunto que muita gente considera necessário mexer, já que notoriamente se sabe que muitos candidatos “vendem” a vaga de suplente na chapa. Caiado lembra que esse assunto era da alçada do Senado Federal e na sua proposta ele não se dedicou a buscar alternativas.
“Isso chegaria ao Senado, onde os senadores se pronunciariam no projeto da reforma. Não adianta nada ter uma tese sobre suplência e não tratar com os senadores, porque a matéria não estava no Senado”, afirma Caiado. Ele diz que não adianta fazer elucubrações sem que tenha um mínimo de respaldo por parte do Senado.
“Logicamente que nesse assunto, eu chegando no Senado, vou buscar a tese que teria a maior chance e trabalhar em cima de alguma regra que fosse mais participativa para a população na indicação dos nomes”, promete Ronaldo Caiado.
“Senador Caiado pode ser o protagonista da reforma política”
O cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), diz que a presidente Dilma Rousseff não terá força política para mobilizar sua base aliada para bancar a votação da reforma política no ano que vem. Foi promessa da presidente em seu discurso após a reeleição. “Não vejo condição para isso”, diz Fleischer.
Ele lembra que a melhor proposta de reforma se deu em 2003, organizada por uma comissão na Câmara dos Deputados, sem intervenção do então presidente Lula da Silva. “Depois o governo Lula tentou, em 2006 ou 2009, apresentar uma proposta elaborada pelo Ministério da Justiça, mas Lula não mobilizou sua base para isso. Então nada foi aprovado.”
Segundo Fleischer, falar de referendo ou plebiscito na reforma política é balela. “Para ter referendo ou plebiscito, tem de ser convocado pelo Congresso, e o Congresso jamais vai convocar isso. É o Congresso que dita isso, independentemente de Dilma e do PT.”
O cientista político vê que o deputado federal e agora senador eleito Ronaldo Caiado deve ter preponderância sobre o tema reforma política, a partir do ano que vem. “Deve ser o novo senador de vocês aí, de Goiás, o Ronaldo Caiado, o protagonista. Caiado foi relator dessa proposta na Câmara em 2003, ele “comprou” de alma a reforma política e é o maior propagandista dela. É possível que ele possa comandar o processo.”
Segundo o professor, o importante em 2015 seria a formação de uma comissão mista, com deputados e senadores juntos trabalhando. Ele afirma que se os novos presidentes da Câmara e do Senado forem inteligentes, vão convocar uma comissão mista para tratar do tema. “E nessa comissão, Caiado vai ter um papel muito importante.”
Fleischer lembra que no relatório de Caiado, ele conseguiu consenso em vários pontos. O que travou o andamento do projeto, na verdade, é que dois partidos foram contra, porque no detalhamento do projeto, ficou de basear o financiamento público nos deputados eleitos em 2002, não levando em consideração o troca-troca partidário.
Lembrando que em entre 2002 e 2003, nada menos que 37 deputados federais trocaram de partido antes da posse. Foi o que se chamou “transfuguismo”, que ajudou o governo petista a fortalecer a sua base de apoio na Câmara Baixa para aprovar reformas importantes em 2003. Essa migração não beneficiou diretamente o PT, mas quase dobrou o tamanho de dois partidos da base governista: o PL e o PTB.
“E esses partidos, que tinham quase 150 votos, ameaçaram obstruir tudo. Por isso, a Câmara nem colocou em pauta para deliberar nem mandou para a CCJ. Talvez tenha sido a melhor proposta de reforma política até agora. Mas não passou”, afirma David Fleischer.