Quando o cuidado médico precisa ser ágil e eficiente
01 outubro 2016 às 10h07
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O atendimento à vítima de infarto, da constatação do problema ao tratamento, não pode demorar e novo sistema mostra que é possível impedir mortes
Augusto Diniz
O dia 8 de agosto deste ano caiu em uma segunda-feira. E como muita gente, o trabalhador autônomo Vinicius Silveira, de 46 anos, iniciou a sua rotina da semana. Às 6h30 ele acordou e foi levar a filha mais velha, Isabella de Moura Campos Silveira, de 14 anos, à escola. Pegou o carro, e saiu do Jardim Caravelas, em Aparecida de Goiânia, deixou Isabella no colégio e foi resolver algumas coisas na rua.
Nesse trajeto, ele começou a sentir dores no lado esquerdo do peito por volta das 8h30. “Deu uma dor fraquinha. Depois a dor foi ficando mais forte”, descreve Vinicius. Ao voltar para casa, o trabalhador autônomo comentou com a esposa Silvia de Moura Campos Silveira, de 43 anos, que não conseguia mais suportar o incômodo e precisava ser levado ao hospital. A família entrou em contato com um amigo, que dirigiu o carro de Vinicius e percorreu uma distância de cerca de sete quilômetros até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do setor Buriti Sereno.
Na UPA, Vinicius foi atendido por uma enfermeira, que fez o cadastro do paciente. “A enfermeira me passou na frente das outras pessoas que esperavam atendimento porque eu estava sentindo muita dor no peito”, lembra. A UPA do Buriti Sereno é uma das quatro unidades de urgência em Aparecida de Goiânia que conta com atendimento específico para examinar suspeitas de infarto em pessoas que buscam cuidados médicos na rede pública de saúde.
Mas a realidade não era essa até novembro de 2015. Tanto na UPA do setor Buriti Sereno quanto as unidades dos bairros Brasicon, o Centro de Atendimento Integral à Saúde (Cais) Nova Era e no Colina Azul, o paciente que dá entrada com dores no peito passa por triagem e é encaminhado à sala de eletrocardiograma, onde é realizado um exame para verificar a gravidade dessa sensação de incômodo na região do coração.
Quando a gente lembra da crise financeira que vivem as gestões municipais, estaduais e a federal, é complicado imaginar que uma rede pública de saúde tenha à sua disposição a oferta de serviço de exames de eletrocardiograma para a população. Mas uma Parceria Público Privada (PPP) que já foi negociada com outras cidades, inclusive com Goiânia, conseguiu iniciar a primeira experiência no Centro-Oeste, em Aparecida de Goiânia.
Resultado dos exames
Quando Vinicius foi encaminhado à sala de eletrocardiograma, assim que esse exame foi concluído, os dados foram enviados a uma central de diagnóstico em Uberlândia (MG) por sistema online de transmissão de dados. “Eu tomando soro quando a enfermeira chegou com o resultado dos meus exames que confirmaram o infarto”, descreve o paciente.
Em Uberlândia, um serviço de telemedicina com plantão 24 horas por dia, que conta com médicos especializados em doenças cardiovasculares, recebeu o eletrocardiograma de Vinicius, analisou os dados e enviou em poucos minutos o laudo e indicou a necessidade de atendimento que o profissional autônomo precisava receber naquele momento.
Essa informação, com o laudo e o exame, chegou por mensagem de texto no celular dos profissionais do Serviço Médico de Atendimento Móvel (Samu) de Aparecida de Goiânia, da equipe médica que atendeu Vinicius na UPA do setor Buriti Sereno, os setores de regulação, a coordenação de urgência e emergência da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a equipe de cardiologia do Hospital Encore, na cidade.
Da unidade de saúde na qual estava, Vinicius foi transferido por uma ambulância do Samu para o Hospital Encore, que já estava com uma equipe pronta para receber o paciente e iniciar o tratamento de infarto agudo do miocárdio, quando o sangue que chega ao coração para de circular, conhecido também como ataque cardíaco. “É quando o atendimento precisa ser rápido para evitar alguma lesão no músculo do coração, o que pode prejudicar o tratamento”, explica o cardiologista Fernando Henrique Fernandes.
Vinicius afirma que, ao chegar no hospital, recebeu a informação de que passaria por alguns exames. Silvia, esposa do paciente, já sabia que o marido passaria por dois procedimentos cirúrgicos, um cateterismo, que analisa a situação dos vasos sanguíneos e o funcionamento do coração com procedimento invasivo, e uma angioplastia, para reparar a deformação, dilatação ou estreitamento de alguma artéria. “Não me contaram na hora o que ia ser feito. A veia já estava entupida”, relata.
O autônomo diz que tem parente com histórico de problema cardiovascular, o que é considerado um fator de risco. Ele afirma que a rapidez no atendimento, desde a chegada na unidade de saúde até o procedimento cirúrgico evitaram o pior. “Se não fosse assim hoje eu não estaria aqui falando com você. Tenho que agradecer primeiro a Deus e depois as médicos e enfermeiras que me atenderam.”
Como funciona
Vinicius é um dos 12.039 pacientes atendidos pelo programa Latin desde o final de novembro de 2015, em Aparecida de Goiânia. O Latin America Telemedicine Infarct Network (Latin) é fruto de pesquisa do médico Sameer Mehta, estudioso de doenças cardiovasculares e fundador da Lumen Foundation, que atua em Miami, na Flórida (Estados Unidos). Mehta é considerado um dos pioneiros da telemedicina, um método que busca a agilidade no atendimento a casos de infartos agudos do miocárdio por meio de diagnósticos online.
Considerado o mais fatal dos infartos, se o tempo entre os primeiros sintomas de dor e o tratamento demorar mais de 12 horas, considerado um período máximo para se ter uma eficiência maior no combate ao problema, os riscos de a pessoa morrer aumentam bastante. “Quando a gente fala em infarto, o que mais salva vida é o tempo de atendimento”, explica o médico e sócio proprietário do Hospital Encore, Maurício Lopes Prudente.
A pessoa, ao sentir uma dor no peito ou uma suspeita de infarto, deve procurar uma unidade de saúde imediatamente. E o diagnóstico desse problema precisa ser rápido, com a possibilidade de ser atendido e operado com agilidade. É nessa hora que a PPP é necessária. Porque nem sempre a rede pública tem condições de realizar os exames necessários e atender de forma precisa o paciente que sofre um infarto agudo do miocárdio.
Busca por alternativas no atendimento deve priorizar paciente
“Metade dos pacientes que sofrem um infarto nem chegam ao serviço de saúde. Por isso que é a doença que mais mata no mundo. Não chegar porque morre antes. Daqueles que chegam, se ele não vai para o tratamento, uma outra metade desses que chegam também morrem.” O alerta da gravidade do problema que é o infarto dado por Maurício Prudente aponta para a necessidade de se buscar alternativas para dar condições de vida aos pacientes.
A pesquisa de telemedicina nos Estados Unidos ganhou suporte da Medtronic, uma indústria farmacêutica que resolveu investir no projeto e leva-los para outros lugares no mundo. Com 60 centrais de diagnóstico online, as chamadas spokes, e dez centrais de tratamento, as hubs, no Brasil, o Latin chegou a Aparecida de Goiânia como a primeira experiência no Centro-Oeste, como relata o líder do Latin no Brasil e representante da Medtronic, Wilson Martins Junior.
Os 12.039 exames realizados entre novembro de 2015 e setembro de 2016 na cidade aconteceram por meio de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia, o Hospital Encore, a Medtronic e a ITMS, uma empresa com base em Uberlândia que tem parceria com a Lumen Foundation e realiza o serviço de telemedicina no Brasil.
Desde os pacientes atendidos, o poder público e as três empresas da iniciativa privada envolvidas nessa PPP, os relatos são de melhoria e organização no sistema de saúde voltado para o atendimento aos problemas graves cardiovasculares.
A enfermeira Amanda Melo, coordenadora de urgência e emergência da SMS, descreve o programa, que não gera custos à Prefeitura de Aparecida. “A ITMS fornece o eletrocardiograma às unidades de saúde e a Medtronic fornece o material para realizar o cateterismo e as cirurgias.” Essa integração não só reduz o tempo de atendimento do paciente com infarto como cria condições de que a pessoa seja encaminhada ao local necessário para receber o tratamento adequado.
Redução do problema
Dos mais de 12 mil pacientes que passaram por eletrocardiogramas nas quatro unidades de saúde de emergência, 123 eram casos com suspeita de infarto. Dos 123 exames com sintomas confirmados, 81 eram situações de infarto, das quais 28 foram atendidas no tempo necessário para que o tratamento tivesse mas sucesso, que é até 12 horas da primeira dor. A expectativa é a de que esse tempo de atendimento seja reduzido ao menor possível.
As mortes nesse período por infarto foram quatro. “Se não houvesse essa interligação e rapidez no atendimento entre a rede pública, a telemedicina e o hospital, esse número seria muito maior”, declara o médico Fernando Fernandes.
Entraves
Como é uma parceria que não existe pagamento ou vantagem financeira para a iniciativa privada nos hospitais e no setor público no caso dos gestores da área de saúde e da prefeitura, ainda há entraves para que a proposta seja implantada. “Mesmo em Aparecida nós tivemos esse problema em outras gestões. Nós já propusemos isso em Goiânia. Ouvimos do secretário que ia fazer, mas a coisa não anda”, relata Maurício.
A busca por alternativas que melhorem a oferta de saúde eficiente à população precisa de levar em consideração antes de qualquer coisa os cuidados com o paciente. A experiência nos dez primeiros meses em Aparecida mostra que a organização por meio da integração da iniciativa privada e o setor público melhora a prestação de um serviço, principalmente quando se fala em salvar vidas.
E essa é uma tendência, mas que ainda engatinha, a ser adotada em outras cidades. Do serviço público primário de saúde ao privado terciário, como a especialidade médica de cardiologia, houve avanços com a adoção do Latin em Aparecida. Para o prefeito Maguito Vilela (PMDB), o gestor público precisa deixar de lado qualquer vaidade e ser criativo. “É inovação, é criatividade, são novas ferramentas para ajudar a salvar vidas.”
O sistema já agilizou o tempo de atendimento dos pacientes que sofrem infarto com economia para o poder público. Mas ainda pode melhorar, como relatam todos os lado dessa parceria. O aperfeiçoamento do serviço deve ser contínuo para que muitos Vinicius consigam continuar a viver.