O modelo pediátrico tem interface interativa de jogos com personagens e desenho animado

Crianças se divertem enquanto reaprendem a andar na AACD | Foto: Reprodução / Guilherme Balconi / AACD

O Lokomat é um exoesqueleto de alta tecnologia que pode se prender a um paciente imobilizado por danos no sistema nervoso e fazê-lo andar sobre uma esteira. As respostas do corpo à repetição dos movimentos controlados pelo robô são interpretadas pela equipe médica e terapêutica que supervisiona o paciente. Ao longo de várias sessões, o movimento reproduzido é tão semelhante à marcha natural que áreas do cérebro associadas aos processos fisiológicos do caminhar são estimuladas. Assim, o aparelho literalmente reensina o corpo a marchar.  

O equipamento produzido pela empresa suíça Hocoma não é barato ou de fácil acesso. Com custo médio de R$ 1,5 milhões, apenas o laboratório de robótica da rede Lucy Montoro e a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) possuem exemplares do Lokomat – todos na capital paulista. Goiânia será a segunda cidade do país a oferecer o tratamento, que será inteiramente público. Em cerca de três meses, o exoesqueleto robótico auxiliará a terapia de adultos e crianças no Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer). 

Como mostra estudo publicado com base em análise de vinte anos de dados gerados pelo equipamento, o Lokomat é capaz de reduzir o tempo necessário para a recuperação da marcha em pacientes vítimas de AVCs, lesões encefálicas e medulares, indivíduos com síndromes de Guillain-Barré, Parkinson, esclerose múltipla e com dificuldades para caminhar durante recuperação pós-operatória. Entretanto, médicos afirmam que não se trata de uma cura milagrosa, mas de um método suplementar que auxilia o tratamento tradicional.

Movimentos realizados pelo robô estimulam o sistema nervoso | Foto: Reprodução / Guilherme Balconi / AACD

Diretor técnico do Crer, o médico ortopedista João Alírio Teixeira afirma que o hospital público receberá módulos para atender crianças e adultos imobilizados por diversas causas. “O Lokomat move membros que a pessoa ativamente não consegue, fazendo parte da movimentação, estimulando a musculatura remanescente e o sistema nervoso”, explica o médico. João Alírio Teixeira afirma que o Crer espera atender primeiro dezenas de pacientes com lesão medular, que estão entre os maiores beneficiados pelo método. 

Dez anos de caminhada

Desde 2010, uma unidade do Lokomat funciona na AACD, onde foram realizado mais de 27 mil atendimentos. Na associação, a equipe que acompanha o paciente no aparelho é composta por um fisioterapeuta, um médico avaliador e o técnico que auxilia no funcionamento da máquina. Pacientes são submetidos a ciclos de 24 sessões – no mínimo duas sessões de  de 50 minutos por semana – e ao fim de cada ciclo há a análise dos resultados.

O médico fisiatra Marcelo Ares é coordenador da equipe de fisiatria da AACD, em São Paulo, e explica sua experiência com o uso do Lokomat. Segundo ele, um dos fatores decisivos é a escolha do paciente a ser submetido à terapia, pois pacientes com comprometimento grave não conseguirão transferir os ganhos com aparelho para o solo e casos leves são pouco beneficiados. Além disso, o método não deve ser realizado isoladamente, sendo necessário que haja uma previsão da evolução do paciente. 

“O equipamento melhora a marcha de pacientes com capacidade de reabilitação, então é importante selecionar aqueles cujo potencial não é atingido por déficit de controle motor, dificuldade de equilíbrio, alteração na capacidade de propriocepção”, afirma Marcelo Ares. O fisiatra explica que nestes casos, além de atingir o objetivo principal da evolução da marcha, o Lokomat promove ganhos secundários. “O equipamento melhora o condicionamento cardiovascular, aumenta o tônus muscular e a autoestima. O paciente se vê andando, e isso é muito positivo. Trabalha também o raciocínio, atenção; são benefícios muito importantes”. 

Módulo pediátrico conta com interface interativa | Foto: Reprodução / Guilherme Balconi / AACD

O  fisiatra Marcelo Ares explica também quais são os fatores impeditivos para uma pessoa utilizar o equipamento: “O paciente precisa ter a cognição e atenção preservadas, além de querer colaborar com o método. Não pode ter deformidades estruturais nos membros inferiores. Além disso, é muito importante o acompanhamento das articulações e qualidade dos ossos com densitometrias ósseas e exames rotineiros de raio-x. O paciente não pode ter osteoporose ou poderá se machucar na máquina.”

Crer

Crer acumula 17 milhões de atendimentos em toda sua história | Foto: Reprodução / Crer

“Quando o Lokomat chegar a Goiânia, teremos de ter uma equipe multidisciplinar muito preparada o esperando”, diz João Alírio Teixeira, Diretor técnico do Crer. “A equipe também terá de selecionar muito bem quem fará esta terapia. Trata-se de um método complementar às terapias realizadas em solo que abrevia o tempo de tratamento e que oferece a vantagem de poder ser utilizado em diversas etapas do tratamento”, complementa o médico. 

A fabricante suíça Hocoma lista possibilidades: mesmo pacientes com lesão medular completa, que não têm controle sobre os membros inferiores, o treinamento com Lokomat pode levar a alterações neuroplásticas e benefícios secundários, como a regulação da função intestinal e da bexiga. Também os indivíduos que já recuperaram parte da capacidade de locomoção podem ser desafiados com o treinamento com Lokomat. Por exemplo, o uso do robô para fornecer resistência em diferentes fases da marcha pode servir como uma espécie de musculação  durante a caminhada.

Espera-se que a taxa de sucesso entre pacientes do Crer seja semelhante ao número de estudos randomizados controlados compilados pela Hocoma que apontaram resultados superiores entre pacientes que treinaram no Lokomat. Em 78 artigos publicados, 58 relataram vantagens para o treinamento no Lokomat e 11 reportaram resultados semelhantes, enquanto apenas 9 mostraram vantagens exclusivas para métodos alternativos de treinamento. 

Em Goiânia

Dr. João Alirio Teixeira discute a paralisia cerebral na Câmara dos Deputados | Foto: Reprodução / Otávio Praxedes / Câmara dos Deputados

O equipamento destinado ao Crer foi adquirido com verbas de emenda parlamentar federal, destinada pelo deputado Vitor Hugo (PSL). O parlamentar afirmou que não conhecia o equipamento anteriormente e que foi procurado pelo superintendente executivo do centro de readaptação, o médico Sérgio Daher, com a indicação do que gostariam de adquirir. “Eu havia decidido dedicar a verba à saúde, mas queria que fosse algo palpável, concreto. Quando o dr. Sérgio Daher me mostrou o que tinha em mente, me decidi imediatamente”.

Quando perguntado o que o superintendente lhe disse para sensibilizá-lo para a causa, o deputado Vitor Hugo afirmou: “Primeiro foi a idoneidade e histórico do uso de recursos públicos da Associação Goiana de Integralização e Reabilitação (Agir) – organização social que gere o Crer. Eles são extremamente eficientes”. 

“Em segundo lugar”, continua Vitor Hugo, “fui tocado pelo caráter humanitário. Eu já visitei o Crer algumas vezes e pude ver as pessoas imobilizadas que podem ter esperança de reabilitação. Me explicaram como a máquina retoma os movimentos, ensina o sistema nervoso da pessoa a realizar os movimentos do passado. Isso me convenceu”, conclui.