Produtores rurais temem prejuízo com crise de imagem ambiental

01 setembro 2019 às 00h00

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Entre o risco de boicote de compradores internacionais e os embaraços das sanções sustentáveis, produtores rurais veem interesse internacional por trás de acusações

Em consequência à crise de imagem ambiental brasileira, um dos agentes que mais têm a perder é o setor produtivo do agronegócio, que em 2018 superou a marca dos US$ 100 bilhões trazidos ao país via exportação. Com cifras nesta ordem, diversos competidores internacionais estão interessados no espaço ocupado pela indústria brasileira e sentem-se ameaçados por ela.
Embora o agronegócio seja frequentemente entendido como vilão ambiental e tenha ficado associado às queimadas, a ciência diz que o fogo é quase inexistente em áreas produtivas, conforme mostrou o Jornal Opção em reportagem da semana passada. Na realidade, as queimadas estão associadas ao desmatamento, e, segundo dados do Mapbiomas, que monitora perdas e ganhos das mudanças de cobertura e uso do solo no Brasil, apenas 10% das áreas desmatadas na Amazônia foram utilizadas na agricultura, urbanização e mineração.
Os principais causadores do desmatamento são revelados quando se analisa o uso econômico do solo: 30% da área são abandonados e 60% viram pasto. Nessas duas últimas porções, o fogo exerce funções práticas: em áreas abandonadas, grileiros precisam “esconder” o fato de que houve vegetação nativa para realizar a especulação agrária, negociando terras públicas como se fossem privadas, e para isso utilizam o fogo. Nos 60% que se transformam em pastagem, as queimadas servem para limpar o campo, com a intenção de alimentar o gado com a rebrota num modelo de produção extensiva, que tem baixa produção. Nestes dois casos, o fogo acontece principalmente de forma ilegal.
Entretanto, em áreas realmente produtivas, o fogo inexiste. A razão é óbvia: o produtor rural que se propõe a ser competitivo internacionalmente tem um alto custo, com investimentos em plantio direto na palha, fertilizantes, correção do solo, defensivos agrícolas – investimentos que se perdem nas queimadas. Além disso, existem diversas exigências ambientais a serem cumpridas. Produtores rurais de larga escala são vigiados de perto por vários agentes interessados em seus deslizes: órgãos de fiscalização nacionais, competidores internacionais, importadores, organizações da sociedade civil que rastreiam a responsabilidade socioambiental do produtor.
“O agricultor brasileiro é o mais exigido para trabalhar dentro dos padrões ambientais porque temos as leis mais rigorosas do planeta. Nos tornamos modelo em agricultura sustentável para qualquer país do mundo”, afirma Claudinei Rigonatto, conselheiro da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e presidente do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag). Segundo Rigonatto, os produtores rurais há muito investem no aumento de produtividade ao invés de expansão da área. “Em diversas regiões de Goiás vemos a agricultura entrar em áreas de pastagem degradada, com baixa produtividade, e aumentar muito o rendimento do solo”.

A sustentabilidade agrícola não significa que os produtores rurais estejam isentos dos efeitos da guerra de narrativas que se criou nas últimas semanas. A VF Corporation, responsável por marcas como Timberland, The North Face, Kipling e Vans, afirmou por nota ao jornal “O Estado de S.Paulo” que gostaria de esclarecimentos adicionais sobre a procedência do couro brasileiro. Semelhantemente, a empresa norueguesa Mowi ASA, maior produtora mundial de salmão, ameaçou parar de comprar soja brasileira, comunicando à mídia que: “É importante que todos que compram bens do Brasil digam claramente que a floresta tropical deve ser preservada e a situação atual é inaceitável”.
Mesmo com selos ISO (Organização Internacional de Normatização), qualificações e certificações, produtores voltados à exportação têm suas imagens prejudicadas com o discurso de demonização, segundo Claudinei Rigonatto. “Neste momento, o Mercosul acaba de assinar tratado suspendendo tarifas com a União Europeia; a agricultura brasileira vai entrar com tudo na Europa. Grande parte da retórica de demonização que vemos é uma tentativa de criar embaraços para evitar que nossos produtos cheguem lá. Nossos produtos são muito mais competitivos do que os deles – que são extremamente subsidiados”.
“Com Bolsonaro, nada mudou na forma de produção”
Um estudo de 2014 do Departamento de Agricultura Americano (US Department of Agriculture’s Economic Research Service, USDA) relatou o aumento no consumo chinês e previu – até agora com precisão – um aumento nas importações de soja, carnes e outros grãos. O relatório estimou que a China se tornará a maior importadora de milho em 2020, quando deverá trazer para dentro de suas fronteiras 16 milhões de toneladas do grão. Grande parte disso não será para consumo humano, mas se tornará rações para animais de corte.
A USDA explorou ainda o porquê desta virada: nos últimos anos houve uma mudança do setor pecuário da China da agricultura familiar para grandes produtores, por conta da urbanização, contágio de doenças, e aumento da demanda. Em duas décadas, os chineses deixaram de consumir oito para comer sessenta quilos de carne por ano. A mudança levou a um aumento nas importações de milho, soja e outros grãos, e as projeções da linha de base do USDA apontam para uma aceleração dessa tendência.
Em julho deste ano, a gigante chinesa COFCO assumiu compromissos verdes e fez empréstimo de U$2,1 bilhões vinculado desempenho de sustentabilidade. Sendo uma das principais importadoras de grãos brasileiros, a pressão por sustentabilidade é conflitante com a mensagem passada pelas queimadas brasileiras nas últimas semanas, mesmo que produtores não estejam diretamente relacionados com devastação ambiental.
Tasso Jayme, presidente da Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura (SGPA), afirma: “Com Bolsonaro no poder, o setor de agropecuária não recebeu nenhuma orientação e nem adotou nenhum modelo de produção diferente do que já praticava. Nós somos obrigados a preservar; se eu derrubar uma árvore, é fácil saber via satélite. É muito difícil um grande produtor desmatar.”
Por conta da diferença entre os culpados pelo problema ambiental e os afetados, há entre os representantes de produtores rurais um acordo de que o ambiente precisa ser protegido, bem como um ressentimento contra acusações apressadas da sociedade. José Mário Schreiner, deputado federal por Goiás e presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), afirma: “Querer misturar o agropecuário com o desmatador é no mínimo desconhecimento, e há interesses comerciais por trás dessa confusão. O produtor rural é vítima de incêndios, pois precisamos do meio ambiente funcionando para exercer nossa atividade”.

José Mário Schreiner lembra que áreas rurais são obrigadas a preservar 80% de vegetação nativa na Amazônia, 35% em áreas de transição, e 20% no Cerrado. “Qual outro setor faz isso sem cobrar um ressarcimento?”, pergunta o presidente da Faeg. “Até o começo da era industrial, detínhamos 8% da cobertura vegetal do planeta; hoje, nossa vegetação nativa corresponde a 28% da vegetação do mundo. Isso significa que conservamos enquanto eles devastaram – temos 60% do nosso território preservado.”
Governadores se dividem em relação à ajuda externa
Em reunião com os nove governadores de Estados inseridos na Amazônia Legal, houve uma cisão entre representantes que concordam em receber ajuda externa para conter as chamas e aqueles que concordam com Jair Bolsonaro (PSL). Conforme declarou o presidente, “o Fundo Amazônia tem um preço: demarcações de terras indígenas, ‘áreas de proteções ambientais’, [áreas] quilombolas, parques nacionais, etc. Isso leva um destino que já sabemos, a insolvência do Brasil. […] Se eu demarcar agora, o fogo acaba na Amazônia em alguns minutos, com certeza”.
Apesar da declaração que pretensamente defende interesses de ruralistas, os próprios produtores rurais afirmam não precisar de mais terras. Claudinei Rigonatto diz: “Para aumentar a produção brasileira, não é necessário desmatamento. A incorporação de áreas já abertas é suficiente para continuar um crescimento sustentável.” Concorda com Rigonatto o presidente da Faeg, José Mário Schreiner: “Precisamos mostrar o que realmente é o agronegócio brasileiro, de onde viemos e como chegamos ao que somos hoje por meio da ciência, pesquisa e inovação.”
Por último, Claudinei Rigonatto afirma: “Colocam nossa atividade como um termo pejorativo: ‘agronegócio’. Mas fazemos parte de uma cadeia produtiva que é um orgulho para a nação e fizemos muito esforço para nos modernizar. O agricultor brasileiro tem se aprimorado de uma forma que é modelo não só pro brasil mas para o mundo.”
Contribuição institucional

O diretor técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) explica como tal modernização e aprimoramentos são feitos. Por meio de seu site, o serviço oferece treinamentos a produtores como treinamento em Prevenção e Combate a Incêndios Rurais; Proteção de Nascentes; Recuperação de mata Ciliar e Áreas degradadas; entre outros.
Marcelo Lessa exemplifica: “Temos o Programa Agrinho, um dos maiores programas de responsabilidade social e ambiental do Senar Goiás. Envolvemos a comunidade de todo Estado de Goiás, relacionando os conceitos do desenvolvimento sustentável a ações e projetos desenvolvidos nas escolas. No ano de 2018, estiveram envolvidas no projeto cerca de 300.000 pessoas em quase 15 mil trabalhos desenvolvidos em 2018. Esse programa tem mais de 10 anos, e esse ano o evento será realizado no dia 29 de novembro.”
A Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás comentou o assunto por meio de nota:
“Apoiar a implementação da Lei e seus instrumentos como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Programa de Regularização Ambiental (PRA) para fins de adequação da propriedade rural que nos torna líderes mundiais em agricultura sustentável. Apoiamos integralmente as medidas do governo no sentido de combater os incêndios florestais e o desmatamento ilegal, pois o produtor rural não faz parte do propalado crime organizado, mas entendemos que a falta de Estado nas regiões amazônicas, orientando e concedendo a aplicação do uso alternativo do solo garantido por Lei, tem contribuído para o agravamento do desmatamento.
A solução ao histórico e recorrente índice de desmatamento, com leve aumento desde 2012, e queimadas, que estão dentro da média histórica apurada em período similares, vai muito além da simples política de comando e controle – exige mobilização para promover a segurança jurídica necessária ao desenvolvimento sustentável. É inquestionável a necessidade iminente de promover a regularização fundiária dos produtores dessa região, garantindo segurança jurídica, além de desenvolver práticas de pagamentos por serviços ambientais, que vão colaborar para a manutenção dessas áreas de floresta, investir em assistência técnica e políticas públicas que reduzam os problemas de logística. Miséria e pobreza caminham no sentido oposto à sustentabilidade. Por isso, apenas o combate à ilegalidade de forma isolada não dará o resultado esperado e necessário. Necessária também é a implementação de políticas de desenvolvimento da região, visando dar oportunidade de trabalho e melhoria de vida aos mais de 20 milhões de amazônidas residentes naquela região. Os produtores rurais precisam de segurança jurídica para mostrar ao mundo a sustentabilidade do agronegócio brasileiro, evitando-se assim, a imposição de barreiras comerciais não tarifárias e prejuízos à real imagem de nosso país.”