Maioria das administrações das cidades goianas recebe a menor fatia do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) 

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A crise econômica em que o País se encontra tem impactado a vida de diversas prefeituras do Estado. As inúmeras despesas, atreladas ao declínio das arrecadações, têm resultado no enfraquecimento dos investimentos nos mais diversos setores e, como se não bastasse, em cortes de cargos e benefícios.

Na reta final do ano, os prefeitos já começaram a tomar todas as medidas necessárias para quitar as dívidas e garantir que a prestação de contas seja compatível com aquilo que a legislação determina. Como as prefeituras têm atravessado um ano difícil, as perspectivas de melhora são poucas. Tudo aponta para um 2019 que pode ser pautado por problemas ainda mais críticos, tendo em vista a previsão de cortes na receita e a mudança de governo no cenário nacional.

Cada prefeitura tem o direito de receber parte dos recursos enviados pela União aos Estados. Trata-se do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é composto pela soma da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Os valores variam mensalmente e são distribuídos com base na população de cada município.

Para facilitar o entendimento, imagine a seguinte situação: quando um paciente chega a um hospital em busca de atendimento, ele normalmente é submetido a uma avaliação que irá diagnosticar o grau de urgência. Cada paciente é classificado de acordo com a sua necessidade. Assim funciona com os municípios, porém, essa avaliação é feita com base no número de habitantes.

Os parâmetros estabelecidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) vão de até 10.188 mil habitantes, classificados com o coeficiente 0,6 da tabela, a acima de 156.216 habitantes, identificados com o coeficiente de 4,0. Os municípios incluídos no primeiro coeficiente recebem os menores valores, já os inseridos no último, os maiores. Entre um e outro existem 16 diferentes categorias. Observe: 

Faixa de HabitantesCoeficiente
Até 10.1880,6
De 10.189 a 13.5840,8
De 13.585 a 16.9801,0
De 16.981 a 23.7221,2
De 23.773 a 30.5641,4
De 30.565 a 37.3561,6
De 37.357 a 44.1481,8
De 44.149 a 50.9402,0
De 50.941 a 61.1282,2
De 61.129 a 71.3162,4
De 71.317 a 81.5042,6
De 81.505 a 91.6922,8
De 91,693 a 101.8803,0
De 101.881 a 115.4643,2
De 115.465 a 129.0483,4
De 129.049 a 142.6323,6
De 142.633 a 156.2163,8
Acima de 156.2164,0

                            Fonte: Decreto-Lei 1.881, de 27/8/1981

O Presidente da Associação Goiana de Municípios (AGM) e prefeito do município de Hidrolândia, Paulo Sérgio Rezende reconhece que o momento é péssimo. “Todas as prefeituras estão passando por diversas dificuldades. As arrecadações caíram drasticamente e precisamos que o próximo presidente tenha uma sensibilidade municipalista para nos ajudar nas demandas, rever a questão do pacto federativo e fazer uma mudança em relação aos repasses.”

Paulo Sério Rezende: “Todas as prefeituras estão passando por diversas dificuldades”  I Foto: André Costa / Jornal Opção

Segundo a AGM, 155 municípios do Estado estão classificados dentro do menor coeficiente. Isso representa mais da metade das 246 cidades goianas. Ou seja, a maioria das cidades trabalha com a menor fatia de recursos oriundos da esfera federal do País.

E continua: “A cada dia que passa está ficando mais difícil administrar as cidades. Temos a esperança de que, com essa mudança no cenário nacional, independentemente de quem vier a ser eleito, as coisas possam melhorar”.

O presidente da entidade observa que os municípios são a parte mais fraca de toda a estrutura de governo. “Os prefeitos são os que precisam resolver os problemas urgentes daquelas comunidades e infelizmente são os que menos recebem recursos para isso. Não tenho dúvidas que quase todas as prefeituras do Estado fecharão o ano com muitas dificuldades”, lamenta.

Com base na preocupação generalizada das prefeituras, muitos gestores começaram a tomar medidas drásticas em relação aos cargos e gratificações. “Eles estão fazendo de tudo para fechar as contas no final do ano.” Quanto a solução do problema e as principais posturas que devem ser adotadas para enfrentar as dificuldades reservadas para o ano de 2019, Paulo Rezende enfatizou: “Os prefeitos vão precisar ser mais gestores e menos políticos”.

O Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO) ainda não sabe dizer quais prefeituras terminarão o ano com maiores dificuldades. Como 2018 ainda não terminou, os números ainda não foram apresentados. De acordo com o prazo, que é assegurado pela Constituição estadual, ainda não é possível prever quais municípios deixarão de receber algum repasse.

O que vivem os prefeitos
De acordo com o prefeito de Faina, Tiago Lobo (DEM), a situação financeira do município é complicada. “As prefeituras estão em estado de calamidade. A queda da arrecadação somada as dívidas crescentes têm dificultado a gestão de todos os prefeitos.” De acordo com dados de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Faina tem 6.947 habitantes. Isso significa que a prefeitura se enquadra no menor coeficiente de recebimento do FPM.

Tiago Lobo (DEM): “As prefeituras estão em estado de calamidade”

“É um valor insignificante tendo em vista a distribuição desleal entre os prefeitos. Nos municípios é que as pessoas vivem o seu dia a dia, e seus gestores são os que enfrentam as maiores dificuldades”, ressaltou Tiago Lobo. Para o prefeito, a oscilação constante do FPM acarreta uma série de cortes nos cargos comissionados e gratificações. “Isso reflete na redução da qualidade dos serviços prestados pelo municípios, mas infelizmente não há outra saída. Temos que cortar boa parte das nossas despesas.”

De acordo com o chefe do Executivo municipal, o repasse de importantes recursos para a cidade estão atrasados há meses. “Somadas as parcelas atrasadas, os valores são de aproximadamente R$ 140 mil do transporte escolar e R$ 300 mil da saúde”, lamenta.

O prefeito diz acreditar que os novos governantes demonstram o quanto o povo anseia por mudança no cenário político e, por isso, espera que tanto o governador eleito quanto o novo presidente da República tenham maior sensibilidade com os municípios. “Precisamos de um pacto federativo que garanta que os recursos cheguem às prefeituras.”

O município de Chapadão do Céu possui um amplo destaque no Estado e se mantém em constante crescimento. Segundo a estimativa do IBGE, de 2017, o município localizado a cerca de 480 quilômetros de Goiânia possui 9.110 habitantes. Apesar da administração equilibrada de Rogério Pianezzola (PP), o prefeito não deixa de reconhecer os recorrentes desafios em tempos de crise. “Enfrentamos uma grande recessão a nível nacional que, de maneira direta, refletiu nos municípios. Administrar de maneira correta, justa, igualitária e ainda assim manter os gastos em dia tem sido um grande desafio.”

Rogério Pianezzola (PP): A crise vem sendo anunciada e sabemos que não irá se resolver da noite para o dia” I Foto: Clevson Menezes

Para que isso fosse possível, Pianezzola afirma ter diminuído gastos extras e focado nas principais necessidades da população para que nada ficasse desamparado ou entrasse em colapso. Quanto ao repasse do FPM, o gestor reconheceu sua importância para as necessidades locais, mas lembrou que, sozinho, não é suficiente para suprir as demandas. “É preciso outras fontes de arrecadação para que se consiga ter um melhor trabalho desenvolvido no município.”   

Sobre a reta final do ano, o prefeito afirmou que o momento é sempre de grande apreensão por parte dos municípios, tendo em vista que eles precisam se organizar para liquidar todas as compras e também cumprir com a folha de pagamento. Mesmo tendo uma visão otimista para o futuro, Pianezzola diz acreditar que a melhora do País e, consequentemente, dos  municípios não será de forma imediata. “Os novos governantes terão que enfrentar o real conhecimento das finanças públicas e então ver quais as melhores medidas a serem tomadas para curto, médio e longo prazo”, descreve.

No caso de Chapadão do Céu, o prefeito assegura que tomará medidas voltadas ao corte dos gastos desnecessários. “A crise vem sendo anunciada e sabemos que não irá se resolver da noite para o dia. Não podemos acreditar em mágicas, e sim em um trabalho consciente dos gastos públicos.”    

De acordo com a prefeita Dra. Natália (PRB), do município de Cachoeira Dourada, a  população cobra constantemente por mais obras sem conhecer as dificuldades internas enfrentadas pela prefeitura. “Com o dinheiro só conseguimos pagar a folha e as dívidas que temos. Sobra pouco para a realização dessas obras.”

Dra. Natália (PRB): “A cada mês temos um novo leão para matar”

Quanto à aplicação do FPM no município, a gestora afirma que “antigamente era usado totalmente para a realização de investimentos na cidade”. “Hoje, a nossa realidade é completamente diferente daquela época. Com o FPM e o ICMS juntos, a gente mal consegue pagar a folha, água e luz.” A prefeita garante que a fatia recebida pelo município é muito baixa e que “não há como ter ideia do valor mensal tendo em vista que é muito oscilante”. “A cada mês temos um novo leão para matar.”

Quanto ao ano de 2019, Natália acredita que, para suprir as necessidades do município, a prefeitura deverá trabalhar apenas com o número de efetivos. “Não teremos condições de contratar e talvez não realizaremos melhorias em todos os lugares que gostaríamos. Manteremos o pulso firme. Infelizmente, para colocarmos a cidade nos trilhos temos que continuar tomando essas medidas até que a nossa arrecadação se eleve.”

Já a prefeita de Caçu, Ana Cláudia Lemos (MDB), ressalta que os desafios ao longo do ano de 2018 não foram pequenos, mas a prefeitura se organizou para gerir as demandas do município com criatividade. “A crise existe e está em todo lugar, mas como o nosso trabalho foi pautado por um amplo planejamento, nós acabamos não assumindo um compromisso que não seríamos capazes de cumprir.”

Ana Claudia Lemos (MDB): “Se não tivermos segurança no orçamento o município termina no vermelho”

Para Ana Cláudia, o FPM não atende as demandas do município, tanto que a prefeitura não conta com a verba federal em seu planejamento. “Ele oscila muito. Na nossa receita, trabalhamos com aquilo que é certo. Se não tivermos segurança no orçamento o município termina o ano no vermelho.”  

Porém, a gestora afirma que o valor recebido é utilizado para realização de serviços mais simples e menos emergentes. “É um recurso livre e utilizamos esses valores para atendermos as necessidades de uma lista extensa, com demandas que não possuem extrema necessidade de serem realizadas.” Contudo, Ana Cláudia reconhece que, caso houvesse mais estabilidade em relação a esses repasses, “a realidade do nosso município certamente seria outra”.

Para o próximo ano, a prefeita de Caçu espera que o dinheiro seja mais respeitado e melhor administrado pelos governantes, já que “esse dinheiro pode ser gasto em diversas áreas de amplo interesse da sociedade”. Pela falta de confiabilidade, Ana Cláudia argumenta que o município tende a recuar de vários projetos. “Não há como contar com um valor que oscila drasticamente”, pontua.