Prefeitura planeja terceirizar serviços da Comurg: o que falta para privatizar a companhia?

08 outubro 2023 às 00h01


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Nos últimos meses, a Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) tem tomado conta do noticiário de forma negativa. Enquanto na Câmara Municipal uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) apurava possíveis irregularidades na empresa, nas ruas, a população reclamava de atraso (ou falta) de coleta de lixo. A má qualidade do serviço pautou reportagens de toda a imprensa, o que acabou por manchar a imagem do órgão, que já foi, em outros tempos, motivo de orgulho para os goianienses.
Nos bastidores, políticos e especialistas têm ventilado que a privatização da Comurg poderia estar saindo do campo da possibilidade para se tornar realidade. Em meio às especulações, o cenário de crise acaba por contribuir com quem argumenta que a desestatização é o melhor caminho para a empresa.
Em entrevista ao Jornal Opção, o secretário de Infraestrutura de Goiânia, Denes Pereira, reconheceu que o processo de licitação para terceirizar alguns dos serviços prestados pela Comurg já está em andamento. “Tivemos várias rodadas de conversa com a participação do Ministério Público e Tribunal de Contas do Município. Desde agosto, estamos autorizados a lançar o novo edital, que está em fase final de formulação”, explicou.


No entanto, vale destacar, terceirização não é privatização. Denes destacou que a vocação da Comurg é cuidar da limpeza da cidade e, por isso, “a coleta, a operação dentro do aterro, a varrição mecanizada, tudo isso pode ser feito via licitação para empresas terceirizadas, até para que os serviços avancem em eficiência, tecnologia e sustentabilidade”, disse.
O passo a passo da privatização
Mas caso a Prefeitura decida pela desestatização da Comurg, o que seria necessário para tornar isso possível? De acordo com a conselheira da Ordem dos Advogados de Brasil – seção Goiás (OAB-GO), Eliane Simonini, o processo de privatização pode ocorrer quando o poder público entende que a atividade econômica exercida pela empresa pública não mais se justifica.
E a advogada explica que essa situação pode acontecer por diversos motivos, tais como: “a falta de disponibilidade de investimentos, sucateamento da área técnica e tecnologia ou ainda pela verificação de melhor aderência dos serviços prestados pelo setor privado, além de outros fatores de ordem econômica e administrativa”.
A decisão pela privatização de uma empresa pública, portanto, deve partir, primeiramente do poder pública. “É o ponto inicial e deverá sempre estar pautado pelos critérios da eficiência, conveniência e oportunidade”. Dessa forma, critérios técnicos e econômicos devem justificar a mudança.
Então, na visão da conselheira, o primeiro passo é a administração municipal definir os motivos e os objetivos para a privatização da empresa. “Isso pode incluir melhorias na eficiência operacional, na redução da dívida municipal, no aumento da competitividade ou outras razões estratégicas”, completou Eliane.
Uma vez tendo a vontade política de desestatização de uma empresa, é necessário realizar um estudo de viabilidade para determinar a viabilidade econômica e financeira da privatização. “Isso envolve a análise das condições de mercado, a avaliação dos ativos da empresa, os riscos envolvidos e a elaboração de um plano de negócios para a empresa privatizada”, elencou a representante da OAB-GO.
No entanto, Eliane reforça que há uma “complexidade jurídica que envolve a questão da autorização legislativa para realizar o processo de privatização”. Isso porque, para a criação de sociedades de economia mista e empresas públicas, há a necessidade de autorização em lei específica. “Contudo, a Constituição não é explícita quanto à forma legislativa a ser adotada no desempenho da competência para a desestatização ou privatização”, ponderou.
Assim, segundo a advogada, a decisão pela saída ou não do poder público do controle acionário de uma empresa estatal ou sua extinção deve estar pautada em uma política pública que cria uma programa de desestatização já prevista em lei (que não é o caso da Comurg) ou estar fundado em lei específica, que, caso se decida pela privatização, deverá ainda ser criada.
“Como a constituição não diz claramente que precisa de lei específica e não há no município uma lei que implemente um programa municipal de desestatização, o entendimento que o ideal é a eventual privatização dependa sim de Lei Específica, considerando que a empresa foi criada por lei específica”, destacou Eliane.
Mas a conselheira da OAB-GO pondera que o estudo técnico e econômico minucioso, que é pré-requisito de qualquer privatização, pode, inclusive, levar à outra solução que não a venda da empresa, como a sua liquidação, por exemplo. No entanto, Eliane reforça que “não há como fazer afirmações sem análise de forma acuidada. Os casos devem ser analisados considerando a legislação específica e o caso concreto”, pontuou.
CEI da Comurg
Nos últimos meses, a Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investigava possíveis irregularidades na Comurg movimentou a Câmara Municipal. No entanto, mesmo com as investigações finalizadas e o relatório entregue em agosto, não há previsão de conclusão dos trabalhos por um motivo burocrático: falta digitalizar as cerca de 135 mil folhas de documentos recebidos pela CEI.

Segundo o presidente da CEI da Comurg, vereador Ronilson Reis (sem partido), caberia agora à mesa diretora da Câmara realizar a digitalização de toda a documentação. “Quem tem estrutura financeira e de prestação de serviços é a mesa diretora, é a Câmara, e não a CEI”, explicou o parlamentar.
E enquanto o problema não é resolvido, a pauta segue “travada”. Essa questão, inclusive, é alvo de críticas da vereadora Kátia Maria (PT), que ainda não vê um efeito prático na CEI da Comurg: “o debate deveria propor alguns pontos que precisam ser melhorados”, lamentou.
Uma vez que todos os documentos sejam digitalizados, o próximo passo seria o envio do processo para os órgãos competentes, como o Ministério Público de Goiás (MPGO), o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-GO) e a própria Comurg.
“Comurg tem solução”, diz vereadora
A vereadora Kátia Maria (PT) destaca que a Comurg é “uma grande empresa”, “consolidada” e com “grande capilaridade”. “Está na ativa desde a década de 70, tem expertise e um corpo de servidores muito dedicados”, pontuou. Além disso, a parlamentar reforçou que o maior bem da Comur são os trabalhadores. “É um corpo de servidores muito dedicados, igual um time de futebol: têm uma garra que impressiona, muito acima da média dos servidores em geral”, comentou.

No fim de setembro, Kátia Maria realizou audiência pública para discutir os problemas na coleta de lixo e a coleta seletiva, além da possibilidade de terceirização dos serviços e as condições de trabalho na Comurg. Na ocasião se propôs, entre outras coisas, a realização de concurso público para as funções de coletores e motoristas e a transição de servidores contratados pelo regime celetista para o regime estatutário.
Para a petista, o problema da Comurg é de gestão, mas ela acredita que há solução. “Já tiveram outras crises. A atual pode ser resolvida se focarem em resolver a questão, sem privatização”, afirmou. Kátia é contra a desestatização da companhia: “o fato de atravessar uma crise não justifica uma privatização”, completou.
Entre os maiores problemas enfrentados pelo órgão, na visão de Kátia, estão: as condições de trabalho, o salário defasado dos servidores e a necessidade de revisão dos planos de carreira. “Tem que discutir o quadro de servidores, garantir a valorização dos trabalhadores e melhores condições de trabalho”, destacou.
Além disso, a parlamentar sugere que outro ponto que deve ser repensado pela empresa é a coleta de resíduos sólidos. “Temos cooperativas que coletam os resíduos e não recebem um centavo pra fazer essa separação. Essa é uma pauta que ao longo do tempo vamos ter que trabalhar. Com o tempo, inclusive, reduz o impacto do aterro. Com reciclagem, reduz o volume do lixo descartado”, explicou Kátia.
Denes reconhece que a Comurg, ao longo dos anos foi ganhando responsabilidades para além da limpeza urbana. “Se tornou uma espécie de “mãezona” na Prefeitura, se tornou a alternativa para resolver os problemas que surgiam e que, originalmente, não eram de sua alçada”, afirmou. Além disso, como outra possível raiz dos problemas enfrentados pela companhia, o secretário destacou que a Comurg “pratica preços menores do que as de outros municípios do país”.
A vereadora Kátia lembra que Goiânia já foi vista como uma das cidades mais limpas do país, com praças floridas, e isso foi graças à Comurg. “Temos que pensar a gestão para resgatar o sentimento de orgulho que o goianiense tinha com a companhia”, reforçou.
E a parlamentar se colocou à disposição para buscar apoio na busca de soluções para os problemas enfrentados hoje pela Comurg. “Mesmo sendo de oposição, fizemos contato com o BNDES, que tem diversas linhas e programas para o tratamento de resíduos sólidos. Se a empresa interessar, podemos abrir o diálogo com o banco na busca de um programa para sanar os problemas e fazer investimentos em tecnologia”, frisou.
Com a greve dos servidores da Educação, servidores da Comurg acabaram sendo deslocados para auxiliar no serviço realizado dentro das escolas municipais e Cmeis da capital. No entanto, a vereadora Kátia condenou essa ação e afirmou se tratar de “desvio de função”.
“Não podemos permitir que isso aconteça em áreas como na merenda escolar. Tem padrão, quesito da vigilância sanitária. Nem o faxineiro da escola pode limpar a cozinha. Piorou uma pessoa de fora, que vem sem essa preparação. Não podemos tratar a educação com esse descaso. Quando um médico falta, não é substituído por outro profissional. Ele é substituído por outro médico”, denunciou a parlamentar petista.
Sobre essa questão dos servidores da Comurg terem prestado serviços dentro das escolas, o secretário de Infraestrutura de Goiânia respondeu: “Não existe a opção de deixarmos as unidades de educação se deteriorar por falta de manutenção que a prefeitura pode prestar”.
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