Prefeitura de Senador Canedo anuncia medidas para conter desabastecimento
10 novembro 2015 às 18h49
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Administração municipal assume desafio de dar uma resposta positiva à população diante de crise hídrica, ampliada em gestões anteriores
A recente crise hídrica que afetou o Estado de Goiás alcançou níveis alarmantes em Senador Canedo, levando o prefeito Misael Oliveira (PSDB) a decretar situação de calamidade pública no dia 21 de outubro. Esse quadro advém de uma série de deslizes administrativos cometidos pelos gestores municipais, que concentraram esforços mais no crescimento da cidade do que no seu desenvolvimento. Faltaram investimentos estruturais e o ônus é a incapacidade de atender à crescente demanda por água.
Diante do desabastecimento, recorrente ano após ano, a atual administração assumiu em 2012 com o desafio de dar uma resposta positiva à população. Emergencialmente, equipes da Agência de Saneamento de Senador Canedo (Sanesc), responsável pela captação, tratamento e distribuição de água no município, perfuraram 18 poços artesianos e reativou outros 20, elevando a 51 o total em operação. Para assegurar maior aproveitamento da vazão, as bombas utilizadas nos poços foram trocadas.
A reservação, aspecto ignorado ao longo dos anos na cidade, foi ampliada em 50% com iniciativas adotadas pela gestão municipal, como a construção de um reservatório com capacidade para 10 milhões de litros. Já pronto para entrar em operação, ele começa a ser abastecido, o que não ocorreu antes em função do baixo nível dos mananciais e a necessidade de direcionar a água diretamente para o uso da população.
Conforme Celismar de Lima Neves, diretor técnico-operacional da Sanesc, esse reservatório terá papel relevante no enfrentamento da falta de água em Senador Canedo. “Para ilustrar essa importância, basta dizer que se considerarmos toda a cidade, ele significa para o sistema 12 horas de reservação. No caso apenas da região norte, por exemplo, ele garante o abastecimento por cinco dias”, explicou Celismar, adiantando que já está em análise a construção de outros dois equipamentos semelhantes.
Ainda dentro do pacote de medidas de curto, médio e longo prazo adotado, a Prefeitura de Senador Canedo lançou mão da captação de água no lago da Empresa Goiana de Pesquisa Agropecuária (Emgopa). Feito atualmente por meio de caminhões-pipa para socorrer os períodos emergenciais, esse serviço será otimizado a partir do próximo ano com a construção de uma adutora.
Hoje, explica Celismar Neves, os caminhões-pipa fazem a captação e transporte até a Estação de Tratamento de Água (ETA). De lá, ela é direcionada aos bairros em situação mais crítica de desabastecimento. “Com a adutora a água seguirá diretamente para a ETA, agilizando o processo”, diz.
De acordo com o diretor técnico-operacional da Sanesc, também está no planejamento da empresa a construção de uma mini-ETA no bairro Morada do Morro. A ideia é finalizar a obra em 2016, aliviando a estrutura central, que está operando no limite. No início do ano que vem deve ser retomada ainda a edificação da ETA do Ribeirão Sozinha, suspensa em decorrência da suspensão do repasse de recursos pelo Governo Federal. Com ela, será duplicado o volume de água tratada.
Lançado recentemente com a expectativa de movimentar a economia do município, o condomínio Alphaville será parceiro na batalha contra a falta de água. O projeto do loteamento fechado inclui um lago de oito alqueires, que além de valorizar o empreendimento, será utilizado para o abastecimento humano. “Ele deve ser finalizado, no máximo, até 2017. Trata-se de um pulmão para a cidade”, fala Celismar Neves.
Represamento
A gestão de Misael Oliveira, que em breve completa três anos, ainda não conseguiu solução efetiva para uma das maiores deficiências: a pequena capacidade de represamento de água. Havia previsão inicial de investimentos para 2014, o que acabou não acontecendo. A justificativa, além da crise financeira brasileira, seria a tramitação dos projetos, que demandam tempo.
Celismar Neves garante, todavia, que duas represas serão construídas às margens do Ribeirão Bonsucesso com expectativa de armazenamento de 380 milhões de litros de água. A parte civil da obra, que deve ser lançada ainda esse ano, vai demandar cerca de 30 dias. Vencida essa fase, já é possível começar o represamento. “Segundo estudos dos nossos técnicos, esse volume é suficiente para abastecer a cidade, complementando, durante quatro meses”, conclui.
Gargalos
Apesar da falta de planejamento específico para o setor ao longo dos anos, outras variáveis contribuíram para a pior crise hídrica de Senador Canedo, o que se fez notar durante essa última longa estiagem. Celismar Neves aponta a degradação dos mananciais, principalmente do Ribeirão Bonsucesso, como o principal responsável pela falta de água. “O assoreamento dos rios e o desaparecimento das matas ciliares, combinados com a instalação irregular de pivôs para irrigação foram determinantes para essa crise”, afirma.
Ele destaca que é comum observar o desrespeito à faixa de servidão e o desmatamento que vai até a beira dos rios. “Para combater esses abusos, há um projeto da Sanesc, Secima [Secretaria da Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos], Dema [Delegacia de Estado do Meio Ambiente] e Amma [Agência Municipal de Meio Ambiente] e Amma, Sanesc de criação de uma força-tarefa para restaurar as margens desses rios”, detalha Celismar.
Outra dificuldade enfrentada pelo município é o crescente consumo de água. Em 2014, o aumento foi de 14%, que deve se repetir até o final desse ano. Em números absolutos, foram quase cinco mil ligações ano passado e quatro mil já feitas em 2015. “Com base no que diz o IBGE, devemos pegar esse número e multiplicar por quatro –média de moradores por residência –, o que implica em 30 mil habitantes a mais na cidade em menos de dois anos”, diz Celismar Neves.
Sobre o comportamento da população, o diretor da Sanesc avalia que houve colaboração durante os dias mais críticos da crise, mas que passada essa fase o consumo voltou a subir. “Há um desperdício enorme, basta rodar a cidade que se vê isso. A economia tem que ser contínua porque apenas 1% da água pode ser consumida e se não cuidarmos disso, as futuras gerações vão sofrer com a escassez”, vaticina.
Fluxo migratório e planejamento urbano
Entre os erros cometidos por gestões anteriores em Senador Canedo, e que refletiram na dificuldade de manter o abastecimento de água, figura a liberação desenfreada de novos loteamentos, principalmente a partir de 2005. Hoje na cidade, há um estoque de 36 mil lotes, ou seja, o número de terrenos vagos é maior que o de construídos.
Na opinião do secretário municipal de Planejamento, Jorge Moreira, a liberação de parcelamento do solo ajudou a afetar o abastecimento de água e o problema só não é maior hoje em virtude de o prefeito Misael Oliveira ter negado a liberação de novos loteamentos. “A pressão do setor mobiliário é grande, mas o prefeito tem sido firme”, assegura.
Jorge Moreira avalia que o primeiro ponto a se considerar para a compreensão do problema é o crescimento populacional. Com apenas 25 anos de emancipação, Senador Canedo já está chegando à casa de 130 mil habitantes. “Esse crescimento, apesar da crise, continua acelerado e a questão migratória, principalmente de pessoas vindas dos estados do Norte e Nordeste do País, é complicada para o Município conter”, diz.
Para o secretário de Planejamento, Senador Canedo “paga o preço” de ser um dos municípios mais atraentes da Região Metropolitana, tanto pela proximidade com a capital, quanto pelas ligações viárias feitas pelo governo de Goiás, como as duplicações das GOs 020 e 403, além de outros acessos em construção. “Há ainda as oportunidades de emprego. A cidade tem hoje quatro polos e um distrito industrial, além do maior complexo petroquímico do Centro-Oeste. Portanto, os atrativos são muitos”, destaca Jorge Moreira.
Alternativa
Dada a impossibilidade de conter o fluxo migratório, Senador Canedo cresce muito acima da média nacional, uma alternativa encontrada pela atual administração, algumas vezes questionada, é a autorização para a instalação de condomínios fechados, que, para Jorge Moreira, “não trazem tanto ônus para o município”.
“Em todos os loteamentos de condomínios fechados o município está pedindo contrapartida, seja em obras, serviços ou compensação ambiental. É o tipo de parceria que dá certo já que nela são divididos a responsabilidade e os investimentos com a iniciativa privada. Dentro deles o serviço é todo prestado pelo condomínio, a Prefeitura não entra. Essa modalidade, além de absorver parte do fluxo migratório, é um investimento que também traz renda”, explicou o secretário de Planejamento.
Jorge Moreira ressalta que a demanda por essa modalidade de condomínio é maior hoje em Senador Canedo. Segundo ele, isso se deve à existência de áreas e às facilidades da topografia, além da abundância de recursos naturais. “Para se ter uma ideia, há 12 projetos sendo cuidadosamente analisados pela Seplan e uma demanda ainda maior a tramitar”, explica.
A contribuição que os loteamentos fechados oferecem vão além da absorção dos novos moradores que chegam em grande quantidade ao município. Como exemplo, Jorge Moreira cita o represamento de oito alqueires que será feito pelos empreendedores do Alphaville, e cuja água será usada parcialmente para abastecer a cidade.
“Trata-se de um grande empreendimento que está sendo instalado entre Senador Canedo e Caldazinha. Na verdade, é o maior loteamento fechado do Brasil, com 200 alqueires divididos em sete módulos dos quais dois já foram aprovados, lançados e vendidos em um único dia (mais de 1,4 mil lotes). Isso mostra como nossa cidade é atraente tanto na construção de moradias, quanto para os negócios”, comparou Jorge Moreira.
Futuro
Se controlar o fluxo é inviável, a alternativa para garantir uma cidade organizada está na revisão completa do Plano Diretor, defende Jorge Moreira. O documento foi aprovado em 2007 e o Estatuto da Cidade recomenda que seja revisto a cada 10 anos. Assim, para o secretário de Planejamento o momento é propício para as mudanças. “Precisamos dar nova roupagem à legislação urbanística. Se não fizermos isso, não estaremos preparados para o crescimento e seremos uma cidade desordenada”.
Para Jorge Moreira, a primeira coisa é garantir, por meio do Plano Diretor, uma estruturação urbana que estaria centrada em dois pontos: a estruturação viária e o zoneamento. Com isso, garante-se o ordenamento urbano. “Mas se trata, a meu ver, de uma mudança profunda, devemos reescrever toda legislação – lei de zoneamento, de parcelamento, código de edificações e legislação ambiental”, conta.
O titular da pasta de Planejamento destaca ainda o patrimônio ambiental expressivo de Senador Canedo e a necessidade premente de se preservar cursos d’água, mananciais e reflorestar nossas nascentes. “Especificamente em termos de abastecimento de água devemos aumentar as capacidades de represamento e de armazenamento, aliando-as ao consumo racional”, arremata Jorge Moreira.
Investimentos também em esgotamento sanitário
Os investimentos em saneamento feitos desde o início de 2013 pela atual administração, em alguns casos a partir de parcerias com o governo Federal, somam R$ 50 milhões. As obras, de perfis estruturantes, interferem diretamente no perfil da cidade, com avanços sociais e em saúde pública.
Além da água, várias ações foram tomadas para retirar Senador Canedo da incômoda condição de município sem esgotamento sanitário. A primeira delas foi a construção da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), cujas obras de construção civil estão praticamente concluídas.
“A Caixa [Econômica Federal] exige que ela esteja em funcionamento até março e o cronograma será cumprimento já que 90% está pronto”, diz Mauro Guaracy, diretor administrativo da Sanesc.
Segundo ele, falta apenas a parte de eletricidade, fazer a subestação e a ligação interna, que permite se colocar os equipamentos em funcionamento; e a urbanização da área, que consiste no calçamento, iluminação e colocação de grama, que correm por conta da empreiteira responsável pelo serviço.
Mauro Gauracy explica que até março a ETE entrará em operação com o que há pronto da rede de esgotamento, o que é basicamente alguns loteamentos que foram feitos mais recentemente. “Vamos ligar para iniciar a funcionabilidade e, na medida em que for caminhando a rede, novas ligações serão feitas”, fala.
O diretor da Sanesc explica que a importância do esgotamento sanitário “quase não pode ser mensurada”, dado o seu alcance social. “Sem contar a questão da saúde pública. É sabido que a cada real investido em esgoto se economiza 3, 4 reais em saúde”, afirma.
Esquema
A Prefeitura de Senador Canedo tem assinados três contratos de esgotamento. O primeiro e o segundo contemplam a ETE, parte da rede, interceptores e a rede pressurizada, que está quase pronta. “Já o terceiro inclui a elevatória do Prado e o restante da rede, que após ser concluída vai garantir o benefício em 90% do município beneficiado”, detalha Mauro Guaracy, destacando que a universalização do serviço deve ocorrer em dois anos.
Caminhos para enfrentar o problema
Enfrentar o desabastecimento demanda ações que vão além das medidas de caráter emergencial. Para o engenheiro eletricista e hidrólogo Marcos Correntino, que percorreu o Ribeirão Bonsucesso, um dos principais mananciais de Senador Canedo, se o poder público não construir barragens para segurar água durante quatro meses, a crise tende a se agravar ano após ano.
A medida, entretanto, deve ser adotada em um segundo momento. A prioridade é a retirada dos vários pivôs instalados clandestinamente ao longo do ribeirão. “A irrigação ajuda muito na produção de alimentos e o mundo precisa aumentá-la em 75% nos próximos 25 anos. Mas deve ser feita de maneira adequada, com pivôs automáticos, que só acionam quando ha necessidade. Os agricultores também precisam plantar a cultura de acordo com a quantidade de água que existe na bacia”, diz o hidrólogo.
Ele explica que da forma que acontece hoje, a situação só tende a piorar. Como exemplo, ele cita o funcionamento de um pivô de 100 hectares ligado 20 horas por dia. “Nesse caso, o consumo de água é suficiente para uma população de 30, 40 mil habitantes. É uma quantidade enorme de água desperdiçada e um mililitro jogado fora na irrigação pode corresponder a um milhão de litros. É preciso ter cuidado com o manejo”, detalha.
Marcos Correntino também cobra uma gestão mais eficiente do Estado por meio da Secima. Segundo ele, não há monitoramento no Bonsucesso. “Não há um único local no ribeirão onde você tenha estação para medir a vazão e ver como está evoluindo, onde tem mais sedimento. Falta presença efetiva, ver onde pode e onde não pode outorgar o uso da água”, avalia.
O hidrólogo também questiona a falta de fiscalização e lamenta que a Lei 9433 não venha sendo cumprida e ninguém faça nada nesse sentido. “Essa lei tem um artigo que diz que no caso de escassez, o uso prioritário da água é para o abastecimento humano. Tem que chegar aos agricultores e determinar que contenham a irrigação, o mesmo nas fábricas, nos lava a jatos. É preciso propor rodízios e outras medidas que garantam água para abastecimento humano”, conclui.