Povo israelense sofre com ataque do Hamas

15 outubro 2023 às 00h01

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O pior ataque do Hamas a Israel em 50 anos completou uma semana no último sábado. No dia 7 de outubro, centenas de homens armados do Hamas romperam barricadas entre Gaza e Israel, correram pela área rural na zona fronteiriça e atiraram à queima roupa contra participantes de um festival de música, o Universo Paralello e contra moradores de kibutz (assentamentos rurais) como o de Be’eri, o Nir Am e o Kfar Azza. Segundo último balanço da defesa de Israel, ao menos 1.300 israelenses morreram no conflito. Com mais de 2.215 palestinos mortos, o número de óbitos no conflito entre Israel e Palestina ultrapassam a marca de três mil pessoas.
Israel sofreu com assassinatos de civis em suas casas e estupro em massa de suas mulheres. Idosos foram mortos, 260 jovens foram executados em uma festa rave. Crianças foram sequestradas e sofreram tortura mental: presenciaram o assassinato de seus pais, irmãos e irmãs. Pessoas foram trancadas em jaulas, apresentadas como troféus e feitas de reféns pelo grupo terrorista Hamas.
No primeiro dia, os grupos armados do Hamas se infiltraram em mais de 20 cidades fora de Gaza, onde mataram pelo menos 1.200 pessoas e fizeram cerca de 150 reféns. Em 36 horas, o número de feridos passava de 4 mil. No dia seguinte, Israel destruiu cerca de 800 alvos em Gaza, segundo porta-voz das Forças Armadas. O país retomou o controle dos territórios do sul no terceiro dia de invasão do Hamas e comunicou que 1.500 homens do grupo armado foram mortos.
Amos Blanche, brasileiro nascido no Kibutz Gan Shmuel em Israel, mora em Goiânia e contou ao Jornal Opção um pouco da história de Israel e se posicionou pela paz acima das diferenças. “Eu acho que pela paz, eu acho que qualquer sacrifício vale a pena, mas tem que ter essa disposição de negociar, de abrir mão de coisas importantes, porque eu acho que a vida é a coisa mais importante. Na religião judaica, a lei suprema, é que quem salva a vida salva o mundo inteiro. A vida humana é o valor mais alto que existe na religião judaica e eu tenho certeza que é também na religião muçulmana, assim como é na religião católica, cristã. A gente tem que trabalhar pra isso, pra preservar a vida e chegar na paz”, disse.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, tem viajado por países árabes, procurando pressionar o Hamas a libertar os reféns israelenses em Gaza e impedir a propagação do conflito. Segundo especialistas, os ataques do Hamas têm o objetivo de “destruir a sensação de segurança” em Israel. Apesar de ter iniciado os ataques, o poderio bélico do Hamas é inferior ao de Israel: o grupo armado tem 25 mil integrantes e os soldados israelenses são 170 mil, no total.
Amos contou que Israel é a força que controla a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. O acesso ao mar e as estradas também são controladas pelo Estado de Israel. Segundo ele, a Cisjordânia é uma região desértica, mas os judeus têm um vínculo muito grande com o local, especialmente pelo simbolismo religioso. “Israel é uma democracia né, então temos partidos mais à direita, a favor da ocupação por judeus das terras da Cisjordânia, contra a vontade da população árabe e tem partidos mais à esquerda que são a favor do diálogo. Nos últimos anos, acabou que os partidos de direita ganharam as eleições e estão no poder”.
O “cerco total” à Faixa de Gaza começou na segunda-feira, 9, como parte da resposta do governo de Israel, Benjamin Netanyahu, aos ataques sem precedentes contra o país. Ao mesmo tempo, o Hamas ameaçou executar um refém israelense para cada bombardeio contra o território. Em duro discurso, Netanyahu informou a convocação de 300 mil reservistas e disse que a “guerra total” contra os “terroristas” estava apenas começando.“O que faremos contra o inimigo ecoará por várias gerações”, disse ele, após ter prometido que a retaliação ao Hamas “mudará o mapa do Oriente Médio para sempre”.
Danillo Alarcon, mestre em relações internacionais e doutor em história pela Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que o Hamas tem uma linhagem política que questiona, com base em uma perspectiva político-religiosa, a existência do Estado de Israel. A partir de 2007, o grupo fundamentalista passou a ocupar a Faixa de Gaza. E grupos fundamentalistas não estão preocupados com democracia, eles não estão preocupados em alternância de poderes e não tem interesse em novas eleições. Isso é um elemento interessante porque existe um discurso por parte dos israelenses de que não há uma contraparte democrática para negociar os acordos de paz”, explicou.
O histiriador explica que é importante lembrar que Israel ocupou a faixa de Gaza na Guerra de 67. Essa ocupação, ela perdurou até 2005, quando unilateralmente Israel decidiu sair, meio que como também um sinal de boa vontade nos processos de negociação. De acordo Alarcon, isso vai gerar mudanças no cenário de negociações, além de um debate dentro do país em relação às opções que serão tomadas agora. “Se Israel invade a faixa de Gaza ou ocupa para acabar com o Hamas, porque eles têm capacidade militar para isso. Mas o que eles vão fazer depois? Eles vão continuar na faixa de Gaza? Eles vão sair, eles vão deixar quem no poder?” questionou o professor.
Amos explica que o conflito se iniciou antes da criação do Estado de Israel, em 1948. A intenção era servir como um refúgio seguro para os judeus que fugiam da perseguição nazista, bem como uma pátria nacional para os judeus. A Segunda Guerra Mundial teve seu fim em setembro de 1945, período em que caiu o regime fascista, totalitarista e nazista da Alemanha, que perseguiu e matou seis milhões de judeus no mundo. Mais de sete décadas após o fim da guerra, o planeta continua alerta para movimentos neonazistas. O Holocausto representou o massacre de mais de seis milhões de judeus.

Auschwitz foi o maior e mais terrível campo de extermínio do regime de Hitler. Em suas câmaras de gás e crematórios foram mortas pelo menos um milhão de pessoas. No auge do Holocausto, em 1944, eram assassinadas seis mil pessoas por dia.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, o Holocausto foi um ponto de virada na história da humanidade, que levou o mundo a dizer “nunca mais”. A resolução que instituiu o Dia Mundial em Memória das Vítimas do Holocausto traz a lembrança dos crimes passados com o objetivo de preveni-los no futuro.
Segundo a professora de História da Universidade de São Paulo (USP) Arlene Clemesha, o conflito é o resultado de uma dívida histórica do ocidente com o povo judaico: “A questão do Holocausto é muito importante para a criação de Israel e pra essa dívida moral que a Europa [tem]. Eu não digo o mundo, eu digo Europa […] Eles precisavam expiar essa culpa e espiaram criando um novo problema, né?”, pontuou a professora.
Origem histórica do conflito
No fim do século XIX teve o movimento sionista, que pregava a volta dos judeus à terra de Israel, que era ocupado pelo império Otomano na época. O movimento ganhou força e os judeus começaram, em função desse movimento, começaram a comprar terras e a se acertarem nesse território que se chamava Palestina na época, região que a Bíblia chama de terra de Israel. “Eles foram e, pacificamente, compraram as terras dos proprietários, porque não havia conflito naquela época. A cultura era muito diferente da população que morava na região, os árabes, posteriormente chamados de palestinos. Foi com a convivência dos dois povos, com o choque cultural, que iniciaram-se os conflitos”, explicou o israelense.
As tensões entre os dois povos aumentaram quando a comunidade internacional deu ao Reino Unido a tarefa de estabelecer um “lar nacional” na Palestina para o povo judeu. Isto resultou da Declaração Balfour de 1917, uma promessa feita pelo então Secretário dos Negócios Estrangeiros Arthur Balfour à comunidade judaica britânica. A declaração foi consagrada no mandato britânico sobre a Palestina e endossada pela recém-criada Liga das Nações – precursora das Nações Unidas – em 1922.
Para os judeus, a Palestina era o seu lar ancestral, mas os árabes palestinos também reivindicaram a terra e se opuseram à mudança. Entre as décadas de 1920 e 1940, o número de judeus que chegaram lá cresceu, com muitos fugindo da perseguição na Europa, especialmente do Holocausto nazista na Segunda Guerra Mundial.A violência entre judeus e árabes, e contra o domínio britânico, também aumentou.
Em 1947, a ONU votou a favor da divisão da Palestina em estados judeus e árabes separados, com Jerusalém a tornar-se uma cidade internacional.Esse plano foi aceite pelos líderes judeus, mas rejeitado pelo lado árabe e nunca implementado. No dia 14 de maio de 1948, seis horas antes do término oficial do Mandato britânico, David Ben Gurion, que seria o primeiro governante israelense, leu a declaração de Independência de Israel. Os Estados Unidos e a União Soviética, as potências do pós-guerra, reconheceram a criação do Estado de Israel.
Os combates entre milícias judaicas e árabes vinham se intensificando há meses e, no dia seguinte à declaração de Estado de Israel, cinco países árabes atacaram. A Jordânia ocupou terras que ficaram conhecidas como Cisjordânia e o Egito ocupou Gaza. Jerusalém foi dividida entre as forças israelenses no Ocidente e as forças jordanianas no Oriente. Como nunca houve um acordo de paz, houve mais guerras e combates nas décadas seguintes.
A Guerra dos Seis Dias, ou Terceira Guerra árabe-israelense, foi travada entre os dias 5 e 10 de junho de 1967, tendo de um lado do conflito as forças armadas do Estado de Israel e, do outro, as do Egito, Síria, Jordânia e Iraque, que, por sua vez, receberam o apoio de Kuwait, Líbia, Arábia Saudita, Argélia e Sudão. Essa foi a guerra mais rápida travada entre árabes e israelenses e foi também a guerra que possibilitou a Israel expandir seu território, conquistando a Península do Sinai, a Cisjordânia, Gaza, Jerusalém oriental e as colinas de Golã – o que, posteriormente, desencadeou a Guerra do Yom Kippur, em 1973.
Entre os vários conflitos ocorridos entre árabes e israelenses, está a Guerra do Yom Kippur, que durou cerca de vinte dias no mês de outubro de 1973. O nome dessa guerra está relacionado com o feriado judaico do Dia do Perdão – Yom Kippur, em hebraico. Aproveitando as comemorações judaicas e de falhas no sistema de inteligência do exército israelense, Egito e Síria atacaram Israel em 06 de outubro de 1973.O motivo principal da Guerra do Yom Kippur foi a anexação de territórios sírios e egípcios por Israel durante a Guerra dos Seis Dias, em julho de 1967. Esses territórios eram a Península do Sinai, uma parte do Canal de Suez, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e as Colinas de Golã.
O conflito terminou em virtude, principalmente, da intervenção dos Estados Unidos, ONU e União Soviética pela realização de um cessar-fogo. A União Soviética chegou a ameaçar entrar no conflito a favor do aliado sírio. Apesar do acordo, Israel não devolveu os territórios que havia ocupado em 1967. Nos últimos 50 anos, Israel construiu colonatos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, onde vivem actualmente mais de 700 mil judeus.

Israel ocupou Gaza na guerra de 67 e permaneceu até 2005, durante esse período construindo assentamentos judaicos. O país, no entanto, retirou as suas tropas e colonos posteriormente, embora tenha mantido o controlo sobre o seu espaço aéreo, fronteira partilhada e linha costeira.
Há uma série de questões sobre as quais os dois lados não conseguem chegar a acordo, como:
- O que deveria acontecer com os refugiados palestinos
- Se os assentamentos judaicos na Cisjordânia ocupada deveriam permanecer ou ser removidos
- Se os dois lados deveriam compartilhar Jerusalém
- E, talvez a questão mais complicada, se um Estado palestino deveria ser criado ao lado de Israel
Desde então, os dois povos tem convivido em conflitos. “O governo de Israel já não tem apoio mais da população, tem o problema necessariamente com a pressão que vem sendo feita cada vez mais contra, especialmente, os palestinos da Cisjordânia. A gente precisa lembrar que hoje o governo de Israel é um governo de extrema-direita, e uma parcela significativa dos representantes é contra uma negociação e a criação de dois estados” pontuou Danillo Alarcon.
Como Hamas atacou Israel
A primeira ação do Hamas se deu ainda nas primeiras horas de sábado, 7, ao passar pelos muros de ferro que dividem Israel do território palestino. São quase 65 km de barricadas duplas, com seis metros de altura e equipadas com tecnologia para detectar qualquer violação – como câmeras, sensores e arame farpado em suas estruturas. Ainda há uma barreira de concreto enterrada abaixo do muro com sensores para identificar a escavação de túneis.

O Hamas agiu de forma coordenada e atacou os muros em 29 pontos no sábado, segundo Israel. Torres de observação ao longo da proteção não identificaram os ataques. Além dos dois muros de ferro, há uma barreira de areia para atrasar a ação de invasores.
O grupo terrorista também usou drones para ajudar na ofensiva. Os equipamentos voaram sobre os muros de ferro e lançaram explosivos nas torres e nos sistemas de defesa que Israel tem na fronteira com Gaza.
O Hamas bombardeou Israel com milhares de bombas e contou com militantes em equipamentos aéreos para invadir o território israelense. Explosivos detonados ao longo do muro abriram brechas para a invasão de outros integrantes do grupo extremista por terra, a pé ou com motos.
Em seguida, foi usada uma retroescavadeira para danificar o muro de ferro. Ao abrir grandes brechas na barreira de proteção, o grupo fundamentalista possibilitou que veículos maiores, como carros, invadissem Israel e dessem apoio aos drones e militantes que invadiram pelo ar.
Por terra, ar e mar, com motos e parapentes, homens armados invadiram o território israelense pelo sul do país. Os invasores atiraram em pessoas que estavam nas ruas e sequestraram dezenas de israelenses (incluindo mulheres e crianças), levados como reféns para Gaza.
Acordo de paz e possível solução de conflitos
As conversações de paz entre Israel e a Palestina foram realizadas intermitentemente entre as décadas de 1990 e 2010, intercaladas com surtos de violência.Uma paz negociada parecia possível nos primeiros dias. Uma série de conversações secretas na Noruega tornou-se o processo de paz de Oslo, para sempre simbolizado por uma cerimónia no relvado da Casa Branca em 1993, presidida pelo Presidente Bill Clinton. Num momento histórico, os palestinianos reconheceram o Estado de Israel e Israel reconheceu o seu inimigo histórico, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), como o único representante do povo palestiniano. Foi criada uma Autoridade Palestiniana autônoma.
Para o israelense Amos, hoje há muita propagação de ódio e, com isso, a paz é dificultada. “Os palestinos também fizeram muito, contribuiram muito para não existir os acordos. Porque desde uma época, em 1994 por exemplo, Israel estava disposta a criar um estado palestino. Mas a liderança palestina na época não aceitou que parte do território que Israel conquistou em 1967, ficasse com Israel. Eles queriam ter um certo território para os palestinos. Não houve uma capacidade de dialogar”, pontuou ele.
Os esforços de paz se estagnaram em 2014, quando as conversações entre israelitas e palestinianos em Washington falharam. O plano de paz mais recente, preparado pelos Estados Unidos quando Donald Trump era presidente, foi chamado de “o acordo do século” pelo primeiro-ministro Netanyahu, mas foi rejeitado pelos palestinos como unilateral e nunca saiu do papel.
Aline Arruda, professora de Relações Internacionais do CEUB, explica que as autoridades precisam entrar em acordo de paz. “É necessário um acordo entre as autoridades ali para gerar o fim do conflito, isso vai precisar acontecer porque o que está acontecendo ali não é uma guerra, são muitos ataques que a gente pode chamar de terroristas em alguma medida porque não respeitam nenhuma normativa ou razoabilidade de direito internacional de conflitos armados, então atacam civis, atacam hospitais, mulheres, crianças, idosos”, explicou a professora.
Apesar de difícil, o acordo de paz é possível e deve ser visto como a única solução possível para o conflito. É importante lembrar que a guerra não é entre os israelenses e palestinos, mas sim entre o Estado de Israel contra o grupo terrorista Hamas. É preciso que a ONU (Organização das Nações Unidas) ajude na construção da paz e do estabelecimento de direitos igualitários para ambos os povos.
Amos diz que deseja que os judeus e os árabes tanto lá em Israel, quanto aqui no Brasil, que eles convivam e façam um esforço para viverem de forma harmoniosa. “Aqui no Brasil a gente tem uma grande população árabe e também uma grande população judaica, e a gente convive de uma forma muito harmônica. Eu sempre falo pra todo mundo que os melhores amigos aqui no Brasil são árabes, ou de origem árabe. A gente tem um comum, quando você esquece o conflito e pensa no afinidade dos árabes com os judeus. Na cultura mesmo, somos muito parecidos. Tanto o árabe, quanto o judeu, valoriza muito a família, tem um grande respeito pelos pais. A comida mais popular em Israel é a comida árabe. Então assim, eu tenho uma fé muito grande de que a paz não é impossível, ela não é fácil, é muito difícil, mas ela é possível”, concluiu.
