PMDB e a síndrome do Fantasma da Ópera
18 abril 2015 às 10h03
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Em Goiás, o partido é sedutor, temido, cheio de energia. Mas, como ao protagonista da obra, falta-lhe uma rosto
Henrique Morgantini
Especial para o Jornal Opção
“O Fantasma da Ópera” é um arrasa-quarteirões desde muito antes desta expressão ser adaptada para retratar as longas filas que as pessoas faziam para ir às salas de cinema. Na América pós-guerra, aproveitou-se o termo usado para as bombas do tipo “arrasa-quarteirão” (blockbuster) para falar de coisas boas, como um sucesso de cinema. Ainda que o filme retratasse o horror da guerra. Enfim, coisas da arte. No entanto, a adaptação do romance francês para os teatros da Broadway já tornou o clássico de Gaston Leroux na peça mais vista que se tem registro. Assim como na política, o Fantasma da Ópera tem cifras inatingíveis à imaginação dos ordinários mortais: rendeu mais de US$ 5 bilhões desde sua estreia, em 1986.
E, quem diria, depois de tantos prêmios, versões e adaptações, a história de terror leve e amor profundo se tornaria também uma analogia política. Mas, se tornou.
A Síndrome do Fantasma da Ópera não existe. Eu mesmo a inventei a fim de tentar explicar por quais caminhos ronda o principal partido de oposição em Goiás, o PMDB, diante de uma agenda apagada, confusa, perdida e, principalmente, sem face.
Na obra publicada em série no final da década de 1910, o fantasma é muitas vezes confundido com o som e o impacto do lençol de água subterrâneo no qual o teatro é construído sobre. Também é interpretado como uma série de coincidências e acidentes que acontecem às peças. O fato é que o fantasma é o principal agente capaz de comprometer qualquer peça apresentada nos palcos do teatro ao qual habita. Ninguém sabe ao certo se é obra de assombração ou se apenas uma incauta infelicidade, mas o que se tem como resultado é que o espírito é o único que parece ser capaz de comprometer tudo: da peça às estruturas do prédio.
Outra característica marcante é a imagem do não-semblante de Erik, o fantasma da ópera, traço que aliás é o que imortalizou a adaptação do romance aos palcos e às telas: o fantasma não tem rosto. Vive escondido e envergonhado do semblante que possui e, por isto, usa uma máscara que impeça sua identificação.
Em Goiás, o PMDB é o atemorizante Erik, o fantasma que move intensamente uma história de suspense e mistério, mas que – por ocasião de uma deformidade – jamais revela sua face. Assim como no enredo ficcional, o tempo todo está em cena ou sendo citado, lembrado e sentido, mas sua aparição sempre remete a uma máscara, a um rosto encoberto.
Na política goiana é inviável criar qualquer análise sobre a oposição goiana sem citar, trazer à superfície ou reconhecer o poder de fazer tremer os alicerces do Governo que o PMDB detém. Na analogia com o teatro e suas peças, a legenda é quem detém a capacidade de fazer ruir, assombrar e comprometer. Mas a ele lhe cabe um tremendo defeito: falta-lhe uma face que o represente.
Assim como Erik, não existe a identificação de um rosto para ser o porta-voz dos que não votaram em Marconi Perillo. Por enquanto, ele e seu elenco tocam sua própria ópera sem qualquer interferência.
Assim como em grandes clássicos da ficção, a história pós-eleitoral é sempre baseada num roteiro já manjado: derrotados se reagrupam internamente, debatem estratégias e tentam construir novamente um discurso de oposição. É nítido o desânimo do PMDB como partido mais volumoso (não necessariamente musculoso, bem entendido) e mais capilarizado em montar uma estratégia sistemática de oposição. O banzo é plenamente compreensível por diversas razões, mas todas baseadas numa mesma espiral de repetição.
Afinal, mais uma vez o partido perdeu a eleição diante de um clima que em alguns momentos beirou a esperança de êxito. Foi uma sequência de quase-clímax. Mais uma vez o partido vislumbrou a possibilidade de apresentar um projeto e um rosto novo para a população. A chamada “oxigenação”, tão esperada para estabelecer uma conexão com o eleitor, ameaçou, mas não veio. E mais uma vez Iris Rezende foi o candidato. E tudo que o leitor lembrar de outras disputas eleitorais será findado com a expressão “mais uma vez”.
Quase lá, mas nunca lá. O quase-clímax que, repetido, acaba por tornar-se o anticlímax. Inúmeros romances e obras do teatro usam o artifício.
No entanto, passado o período de desintoxicação da derrota, o PMDB segue fazendo mais do mesmo. Tropeça em discursos soltos, em críticas isoladas e muito mais advindas da iniciativa pessoal de seus quadros do que propriamente através de um senso de unidade de discursos, ou de uma estratégia ideológica que demarque o território da oposição.
Ao invés de se juntar e tentar fazer um grande buraco no sempre fértil solo político goiano, o PMDB distribui aos seus quadros centenas de pás de criança brincar na praia e diz um tímido recado dizendo, “cava aí”. O resultado é uma série de buracos menores que um tatu poderia fazer. Visto em perspectiva, não se vê nada.
Ao invés de assumir com firmeza uma postura de combate e oposição ao Governo Perillo, algo que faça “tremer o teatro” e que comprometa a Ópera Tucana, o PMDB se desconstrói: persegue seus quadros mais emergentes, acusando-os de traição, e deixa seus principais nomes, desde lideranças até políticos com mandatos, simplesmente à deriva na base do salve-se quem puder.
O pós-eleitoral segue aquela mesma espiral da eleição: mais do mesmo.
Mas, mais que tudo isto, mais do que qualquer estratégia meticulosa, baseada na eventual produção e divulgação de pesquisas, de análises matemáticas, estatísticas e econômicas das planilhas apresentadas pelo governo; mais do que o confronto propositivo (ou não) das decisões do governador Marconi Perillo; mais do que cavar (com uma pá mecânica ou aquela, de praia) um escândalo ou algo que permita ao partido como oposição de demarcar território, o que mais falta ao PMDB é ter uma cara. Ter uma face a apresentar. Assim, sem cara, sem rosto, o PMDB é mais Erik do que nunca: se esconde nos subterrâneos enquanto a ópera acontece no andar de cima.
O PMDB precisa ter de fato um rosto para que o eleitor vá se familiarizando. Não se trata de escolher um pré-candidato, mas de ter um conjunto de porta-vozes das mensagens do partido, seja ela qual for. Nomes que já tem um perfil de liderança, que já foram reconhecidos pela população de alguma forma. Hoje, o PMDB goiano repete um problema histórico de sua matriz nacional: é uma agremiação com permeabilidade sem igual, mas sem uma liderança construtiva, renovada, articulada. Em Goiás, os rostos estão encobertos.
Iris Rezende pode fazer isto. Não mais como candidato, porque tem dificuldade evidente em gerar empatia e identificação com o eleitor das pelo menos três gerações de eleitores que sucederam seu auge. Mas o lendário peemedebista tem todos os requisitos para ser o que o ex-presidente FHC é para o PSDB no plano nacional: um timoneiro, que dita o ritmo da oposição, mas jamais uma opção como candidato.
No entanto, o pós-eleitoral segue a mesma espiral da repetição: o candidato derrotado se isola política e publicamente e desaparece da agenda partidária ou mesmo do cotidiano da política regional. Com isto, ficam todos órfãos e sem direção.
Portanto, está instaurada a Síndrome do Fantasma da Ópera no PMDB: protagonista, sedutor, temido, cheio de energia para gerar tensão por onde quer que ande. Mas lhe falta uma face, um rosto, lhe falta a expressão facial que permita a identificação.
Ao final do romance, Erik, o fantasma, enfim se revela à sua amada e perseguida e se liberta do terror que o aprisiona que é viver envergonhado e sem face. E tudo fica bem. Já adianto meu pedido de desculpas por ter contato o final da trama e a meu favor ressalto que a obra – centenária – já não é nenhuma novidade. E como consolo, sugiro que todos acompanhemos o destino do final de outra trama, o do PMDB. Resta saber se como Erik, o PMDB irá encontrar o rosto ideal, desavergonhado, ou se irá seguir se esgueirando pelos subterrâneos, buscando sempre a mesma saída, a mesma espiral da repetição.