Revisão, que estava prevista para ser votada e sancionada em 2017, deve finalmente ser definida. Entidades querem mais participação da sociedade

Desde 2017 Goiânia já deveria ter um Plano Diretor revisado e sancionado pelo Poder Executivo. Pelo menos é o que estava previsto pela própria legislação, desde que, dez anos antes, em 2007, o atual Plano havia entrado em vigor. Veja bem: revisão do atual, não elaboração de uma proposta completamente diferente. Até porque, conforme muitos técnicos entendem, o atual Plano Diretor nem foi “testado” de fato: demandas que deveriam ter sido implementadas – como os próprios corredores do transporte público, ciclovias, calçadas etc. – não passaram do papel para a realização.

Goiânia aguarda aprovação de Plano Diretor quatro anos depois de vencimento do prazo| Foto: Reprodução

Depois de quatro anos a mais no prazo e uma pandemia no meio do caminho, passando por audiências públicas presenciais e virtuais, aprovação em primeira votação no plenário e uma série de emendas polêmicas feitas em seguida – uma “esperteza” que junta interesse de vereadores e de lobistas, como veremos abaixo –, a proposta se encontra no Paço Municipal desde setembro de 2020, quando o então prefeito Iris Rezende (MDB) recolheu o texto para o que seriam adequações técnicas.

Mas por que o termo “esperteza” no parágrafo anterior? Na verdade, com o Plano Diretor já aprovado em primeira votação, as alterações que venham a seguir não precisam mais passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ou seja, a inserção de emendas polêmicas torna-se uma clara manobra para evitar desgastes precoces. E, como se viu, após a primeira prova de fogo em plenário, o texto teve uma série de alterações de impacto apresentadas, como a que aumentava em 32% a área para expansão urbana no município.

Por conta dessas mudanças no texto inicial, Iris e sua equipe resolveram recolher o Plano. Vieram as eleições, a transição, a mudança de governo interina e depois definitiva para as mãos de Rogério Cruz (Republicanos), com a morte do prefeito eleito Maguito Vilela (MDB). O intuito, no entanto, é que ainda este mês a papelada retorne ao Legislativo.

Haveria, a partir de então, dois caminhos: ou a equipe do prefeito Cruz devolve intacto o relatório do vereador Cabo Senna (Patriotas) – uma possibilidade bem remota, conforme explicação abaixo – ou faz alterações no documento. Quando há mudanças na redação retirada da Comissão Mista, é necessário que seja nomeado outro relator (o que ocorreria até porque agora Cabo Senna é presidente da comissão) e que se refaça o processo por meio de audiências públicas e ampliação da discussão.

Já no primeiro caso, sem alterações do Paço, o novo Plano Diretor em tese poderia ser votado, aprovado e sancionado em menos de uma semana. Ocorre que a primeira hipótese é inviável, segundo especialistas ouvidos, porque há “inovações” que tornam inviável a proposta– uma delas seria criar um novo eixo de desenvolvimento econômico, chamado de “Circuito da Moda”, que envolveria três regiões que concentram o setor de confecções na capital: a Avenida Bernardo Sayão (Setor Fama), a Rua 44 (Setor Norte Ferroviário) e a Avenida 85, na região Sul goianiense.

Isso faria com que boa parte da região abrangida nesse trajeto passasse a ter um maior grau de adensamento, o que modificaria totalmente a concepção original do Plano em uma área bastante delicada.

Trâmites a seguir
O ex-diretor legislativo da Câmara de Goiânia Rogério Paz Lima trabalhou diretamente com o Plano Diretor anterior, quando exercia o cargo durante o mandato do vereador Deivison Costa como presidente da Casa, quando auxiliou o então relator da proposta de Plano Diretor, Elias Vaz. Voltou a ocupar a mesma diretoria em 2015, com Anselmo Pereira. Com a experiência de atuação no Legislativo, ele considera que a transparência na condução da votação deve ser condição sine qua non para o trâmite. “A população discutiu o projeto que foi para a primeira votação, não as emendas a ele. Caso não ocorra novamente uma forma de participação da sociedade civil – como por meio de audiências públicas –, o Ministério Público pode entrar de novo para garantir esse direito”, diz ele, que é também advogado.

Rogério Paz Lima, advogado e ex-diretor legislativo da Câmara de Goiânia: “Paço com certeza vai revisar conteúdo de emendas” | Foto: Reprodução

Paz Lima resume como deverá acontecer o trâmite do Plano Diretor. “Haverá uma série de sugestões do Paço, de ordem técnica. Então, o projeto deve voltar à Câmara com alterações. Então, o presidente da Comissão Mista deve nomear novo relator, que terá 20 dias úteis – ou cerca de um mês – para apresentar um novo texto. Após a votação na comissão mista, segue para plenário”, explica.

Entretanto, para ele, não seria nem mesmo momento para discutir um novo Plano Diretor. “Claro que há correções a serem feitas. Mas agora seria uma oportunidade para resolver outras pendências que o poder público tem com o planejamento da cidade, como a elaboração de planos de bairro. Também é preciso ressaltar que antes seria preciso estruturar um projeto de planejamento e desenvolvimento metropolitano”, diz.

A construção de um programa de diretrizes nesses moldes, envolvendo 20 municípios do entorno da capital foi objeto dos trabalhos do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Goiânia (PDI-RMG), iniciados em 2016 sob comando do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana (Codemetro), instância criada ainda em 2000, no segundo mandato de Marconi Perillo (PSDB). Mas desde 2018 nada mais se avançou na proposta – os pagamentos para o grupo de trabalho, especialmente técnicos da Universidade Federal de Goiás (UFG), foram cessados.

CAU-GO cobra mais participação nos trabalhos  

Uma das instituições da sociedade civil mais presentes nas audiências públicas que discutiram o novo Plano Diretor foi o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-GO). A vice-presidente do conselho, Janaína de Holanda Camilo, acompanha os trâmites desde o início dos trabalhos, quando ainda não estava no cargo.

Janaína de Holanda, vice-presidente do CAU-GO: “Densidade e impermeabilização do solo preocupam | Foto: Arquivo pessoal

Sua queixa, no momento, é justamente sobre a dificuldade de ter acesso ao que está sendo discutido na Prefeitura, após a devolução do Plano Diretor da Comissão Mista da Câmara para o Executivo. “O Paço insiste que apenas está analisando as emendas dos vereadores. E que para isso se formou um grupo de trabalho. Ocorre que entidades como CAU-GO não foram convidadas a participar”, diz Janaína. Enquanto isso, entidades ligadas ao mercado imobiliário, como o Sindicato dos Condomínios e Imobiliárias do Estado de Goiás (Secovi Goiás), participam da atividade no Paço. “Nós discordamos de não tornar públicas essas reuniões e de só ter grupo de trabalho com o mercado imobiliário”, registra.

Para Janaína, antes de se discutir qualquer pormenor sobre diretrizes e modificações, seria necessário pensar mais profundamente sobre o todo. “É uma questão de eficiência do setor público. Sobressaindo-se às demandas que estão hoje colocadas, há outras que são mais importantes e que as antecedem, como, por exemplo: qual o modelo de cidade que nós queremos?”.

Na visão da vice-presidente do CAU-GO, o Plano de 2007 foi rapidamente apropriado pelo mercado. “O que temos de ruim, o que ficou para trás em relação ao documento atual, foi a execução do poder público: o sistema de ciclovias, o inventário do patrimônio histórico, a implementação dos eixos, a adequação das calçadas, nada disso foi concluído. Estamos criando uma cidade com adensamento, sem a tarefa de casa, dar suporte ao adensamento”, conclui.

Um preocupação em particular da arquiteta diz respeito ao incremento de densidade de algumas regiões, aliado com mais impermeabilização do solo. É o caso da região do Setor Sul, bairro que protagonizou as maiores polêmicas envolvendo moradores e poder público, incluindo uma audiência pública “quente” na sede do Conselho Regional de Contabilidade, com a presença do presidente da Câmara, vereador Romário Policarpo (Patriota).

“Não dá para concordar com mais adensamento e impermeabilização em um bairro que já está sobrecarregado nesse sentido e está ao lado do Córrego Botafogo. É preciso pensar nas consequências dessas alterações”, diz Janaína.

Secretário

Valfran de Sousa Ribeiro, titular da Seplanh: “Alterações no Plano serão discutidas de forma aberta e abrangente | Foto: Reprodução

Recém-nomeado para comandar a Secretaria de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) na administração do prefeito Rogério Cruz (Republicanos), o professor Valfran de Sousa Ribeiro ainda se ambienta na pasta. “Cheguei aqui quinta-feira (6/5) e ainda estou tomando conhecimento de diversas tarefas, que vão bem além do Plano Diretor, apesar deste ser uma de nossas prioridades”, disse.

Em sua primeira semana na Seplanh, ele ainda acompanha o trabalho da superintendente de Planejamento Urbano, Carolina Alves, à frente dos trabalhos do Plano Diretor. Nas últimas semanas, ela mesma informou que a discussão das emendas levou o grupo de trabalho a ocupar os dois turnos diários e que a proposta deve ser devolvida à Câmara em no máximo duas semanas.

“O grupo de trabalho analisa inconstitucionalidades, redação, palavras técnicas. Creio que não haverá mudanças radicais na proposta e que o Plano será adequado às necessidades de Goiânia”, acredita o secretário. Ele alerta para o fato de que o Plano Diretor, na verdade, era para ter sido revisado ainda em 2017.

Sobre a polêmica da expansão urbana, Valfran diz que “é natural que haja [expansão] em uma cidade que está crescendo, como Goiânia”. De qualquer forma, ele garante que “todas as alterações serão discutidas de forma abrangente e aberta à sociedade”.