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Será que o público irá comprar a ideia dos autores Carlos Graieb e Ana Maria Santos?

Foto: Divulgação

Lançado em 21 de agosto de 2017, o livro “Polícia Federal: A Lei É Para Todos — Os Bastidores da Operação Lava Jato” (Editora Record, 279 páginas), do jornalista Carlos Graieb e da escritora Ana Maria Santos, pretende contar, a partir do ponto de vista dos policiais, os bastidores da Operação Lava Jato, que, inegavelmente, é um marco na história da investigação anticorrupção do Brasil.

A trama começa contando como se deu a busca pelo desmantelamento de transações ilícitas por parte de doleiros. O principal alvo era Alberto Youssef, que mantinha ligação com uma casa de câmbio em um posto de gasolina — daí o nome Lava Jato. Youssef já era um velho conhecido da PF, mas seu novo envolvimento daria novos rumos à operação, responsável por apurar práticas criminosas de partidos políticos, como o Partido dos Trabalhadores (PT), Partido do Movimento Demo­crático Brasileiro (PMDB) e Partido Progressista (PP), grandes empreiteiras, como Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, além de estatais, como a Petrobrás.

A prisão do doleiro envolveu uma mobilização das equipes tanto de Curitiba quanto de São Luís, haja vista que era na capital do Maranhão o local onde ele se encontrava. Por meio do rastreamento de celular, foi possível identificar sua localização. Youssef estava em um hotel de alto padrão e, de lá, foi levado em um avião para a sua nova moradia: a cela.

Márcio Anselmo, um dos delegados responsáveis pelo caso, foi quem desvendou a relação entre Youssef e Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás. O delegado descobriu uma nota fiscal de uma Range Rover Evoque, “presente” dado pelo doleiro a Paulo Roberto, que, após preso, fechou acordo de delação premiada e ajudou a elucidar enigmas, incriminando, posteriormente, diversos políticos e empresários.

Carlos Graieb e Ana Maria Santos desenvolveram um texto dramático capaz de prender o leitor. Graieb foi editor de opinião da “O Estado de S. Paulo” e redator-chefe da “Veja”. Hoje, é subsecretário de Comunicação do Estado de São Paulo por indicação do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Ana Maria foi executiva de empresas dos segmentos de auditoria, saúde e varejo e já publicou “De Volta à Escuridão”, seu primeiro livro.

A boa escrita de “Polícia Federal: A Lei É Para Todos — Os Bastidores da Operação Lava Jato” já era esperada. O seu viés, também. Logo no início do texto, os autores deixam claro o seu pensamento no que tange à importância de ressaltar o papel da Polícia Federal. Para eles, trata-se de uma “necessidade” a fim de dar maior voz aos delegados de Curitiba, que, em certa medida, acabaram sendo ofuscados, segundo Graieb e Ana Maria, pela “fama” do juiz federal Sérgio Moro, do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e do procurador Deltan Dallagnol.

Ora, todo brasileiro deve apoiar a Operação Lava Jato. Afinal, ela é, hoje, um dos principais instrumentos contra a corrupção. O problema é quando um livro sobre o tema acaba se tornando uma peça publicitária, exaltando um lado da história, sem contar o outro, e colocando profissionais em um pedestal, sendo quase elevados à condição de “super-heróis”, quando, na verdade, estão apenas cumprindo seus deveres.

É importante frisar que criticar a obra não implica em apoiar os investigados. Eles devem, sim, pagar pelos danos causados ao País, ao Erário. Contudo, o excesso pode ser perigoso. Qualquer um que lê o livro nota, facilmente, o seu aspecto tendencioso. Carlos Graieb e Ana Maria Santos compraram uma ideia – resta saber se a conseguirão vender ao público. Se depender da crítica especializada, essa tarefa será mais difícil. Resenhas publicadas nos principais veículos de comunicação do Brasil ressaltam o exagero em questão, especialmente no tocante aos elogios aos agentes da Polícia Federal à medida em que apenas adjetivos pejorativos foram utilizados para caracterizar a parte oposta.

Clímax

Os autores Ana Maria Santos e Carlos Graieb garantem que estão previstos mais dois livros sobre o tema | Foto: Divulgação

Apesar da abordagem enviesada, o livro narra de forma emocionante os bastidores de uma das principais fases da Lava Jato, a 24ª, que conduziu coercitivamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o “alvo extraordinariamente sensível”, a prestar depoimento na sala presidencial do pavilhão de autoridades do aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

Um dos pontos que chama a atenção é o fato de policiais do Comando de Operações Táticas (COI) terem se mobilizado pela primeira vez desde o início da Lava Jato. No total, eram oito homens, que não portavam munições letais, mas tinham armamento suficiente para combate civil. O livro relata que nenhum policial do COT havia sido abatido em uma missão e que um desses homens equivale a 10 que receberam treinamento padrão. A presença deles ali se dava em razão de ameaças de simpatizantes de Lula da Silva. Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e Élio Brasil, presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, disseram que, se necessário, pegariam em armas, convocando demais militantes a fazerem o mesmo.

Ainda no apartamento, o ex-presidente, impaciente, começou a ser irônico e a fazer piadas. Perguntou se não haviam levado junto o famoso “Japonês da Federal”, sugerindo que ele poderia roubar seus pertences. Já em Congonhas, o petista negou tudo que lhe perguntavam. As negações costumavam vir acompanhadas da palavra “querido” no final.

Do lado de fora do pavilhão de autoridades, manifestantes tanto favoráveis quanto contrários a Lula da Silva se estranhavam. Devido ao risco iminente de confrontos, o ex-presidente saiu pelos fundos com a ajuda da PF, contrariando a ideia de políticos pró-Lula presentes no local, que pretendiam vê-lo sair “nos braços do povo”. Mesmo com a forte cobertura midiática, o petista acabou não sendo visto.

A justificativa dada pela força-tarefa da Lava Jato para utilizar o instrumento da condução coercitiva era o de que isso faria com que Lula da Silva evitasse buscar artifícios para não comparecer, além de impedir a eventual convocação de manifestantes e reduzir a chance do ex-presidente e demais alvos combinarem versões. O petista descordava do mecanismo utilizado, alegando que prestaria depoimento onde quer que fosse chamado e dizendo que, dessa maneira, se considerava preso.

Fato é que, depois disso, o medo de Lula da Silva ser preso passou a preocupar a cúpula petista. A maneira utilizada para tentar impedir que ele caísse nas mãos de Sergio Moro foi nomeá-lo para ministro-chefe da Casa Civil. A ideia foi sugerida, a princípio, por Roberto Carlos, um cidadão não identificado pela Polícia Federal, como demonstram os trechos de um diálogo extraídos, com adaptações, do livro:

Roberto Carlos: Eu acho que tem uma coisa que tá na mão de vocês: é Ministério. […] você resolve outro problema, que é o problema da governabilidade. […] é uma hipótese, da minha cabeça mesmo. Você ministro. E o Palocci na Fazenda. Cara, nego começou a me ligar, “vai acontecer isso?!”. Não, eu falei, é só uma hipótese. Acaba a crise, acaba! Põe o mercado no bolso e faz o que tem que ser feito! Porra, só o PT tem isso, tem dois quadros que acabam com a crise, caralho! Tá esperando o quê?! Que arranjo vocês estão esperando?!
Lula: Não, não tô esperando nenhum arranjo não. Para é muito difícil essa hipótese. Na verdade, ela já oferecer, sabe?! Mas eu vou ter uma conversa hoje, depois eu te ligo.

No restante da conversa, o ex-presidente parecia tentar acalmar a animação de Roberto Carlos, respondendo, de forma seca, “uhum” e “tá bom” diversas vezes. Mas Lula da Silva, no fundo, gostou da ideia. Poucos dias depois, a sua nomeação para a Casa Civil já estava com data anunciada. Entretanto, o medo da prisão ainda pairava e, no dia em que a então presidente Dilma Rousseff anunciou seu padrinho político para o ministério, a PF interceptou uma ligação entre os dois:

Dilma: Alô.
Lula: Alô.
Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
Lula: Fala, querida.
Dilma: Seguinte, eu tô mandando o Bessias junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!
Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
Lula: Tá bom, eu tô aqui, eu fico aguardando.
Dilma: Tá?!
Lula: Tá bom.
Dilma: Tchau.
Lula: Tchau, querida.

Para a Polícia Federal, estava claro que “em caso de necessidade” significava “se houvesse um mandado de prisão”. O Planalto, em nota, justificou que o termo de posse foi enviado porque não se tinha a certeza de que Lula da Silva compareceria à cerimônia de posse.

Quem tinha de justificar outra informação foi a própria PF. Uma vez que Lula já havia sido anunciado como ministro, as suas interceptações telefônicas deveriam ser interrompidas. O livro esclarece que, às 11h12 daquele dia, Sergio Moro estipulou que isso acontecesse. Às 12h46, a operadora de telefonia recebeu o e-mail com a determinação do juiz. No período entre a comunicação à operadora e o encerramento completo do sinal, porém, foi quando Lula da Silva e Dilma Rousseff conversaram, exatamente às 13h32. Às 18h30, após Moro ter decidido retirar o sigilo da ligação interceptada, o áudio já estava sendo divulgado pela imprensa.

Sequência

A Operação Lava Jato está longe de ser concluída. Aliás, publicar obras como esta ainda durante o andamento das investigações pode não ser umas das medidas saudáveis. “Polícia Federal: A Lei É Para Todos — Os Bastidores da Operação Lava Jato” termina com a posse do presidente Michel Temer após Dilma Rousseff ter sofrido impeachment. Em entrevista ao blog da Editora Record, Carlos Graieb e Ana Maria Santos garantiram que estão previstos mais dois livros e filmes. “Continuar é inevitável, afinal, a Operação Lava Jato ainda está em curso e temos material que não foi usado no primeiro livro. Já estamos trabalhando na sequência”, declararam. l

Filme passa imagem ainda mais tendenciosa

Antônio Calloni, Flávia Alessandra, Bruce Gomlevsky e João Baldasserini estrelam o filme da Lava Jato | Foto: Divulgação

O livro “Polícia Federal: A Lei É Para Todos — Os Bastidores da Operação Lava Jato” deu origem ao filme com o mesmo nome. O lançamento aconteceu no feriado de 7 de setembro, Dia da Independência. Como de costume, a obra cinematográfica, com um elenco estrelado por nomes como Ary Fontoura, Marcello Serrado, Flávia Alessandra, Antônio Calloni, Bruce Gomlevsky e João Baldasserini, consegue ser menos atraente do que a literária.

Pulando detalhes de bastidores que legitimam a ideia inicial de Carlos Graieb e Ana Maria Santos, o longa de 1 hora e 47 minutos dá ares mais tendenciosos à trama. Isso fica notório quando uma jornalista, que, anteriormente, já havia confrontado os delegados da Lava Jato, aprece durante a cobertura da condução coercitiva de Lula da Silva gravando um vídeo com seu celular, cuja capa contém os números “720” escritos de forma bastante semelhante ao portal de notícias “247”, com posições reconhecidamente favoráveis ao petista.

Quando os áudios entre o ex-presidente e Dilma Rousseff são divulgados pela mídia, aparece a imagem de um telejornal aos moldes do “Jornal Nacional”, mas passando um aspecto bem amador. Além disso, a voz de Lula da Silva em uma das gravações parece mais com uma daquelas brincadeiras de comediantes que imitam políticos e a passagem de Sergio Moro (Marcello Serrado) de carro pelos manifestantes vestidos de verde e amarelo dão a impressão de que ele seria, na verdade, uma estrela da música ou do esporte.

A película busca, ademais, humanizar os agentes da força-tarefa, mas, assim como o livro, peca em exagerar para um lado e não mostrar o outro. O caso do delegado Márcio Anselmo, que aparece mais de uma vez cuidando da saúde de seus pais, é exemplo disso. Aliás, o pai do delegado, ferrenho defensor de Lula da Silva, chega a discutir com o filho sobre sua eventual parcialidade. Ele responde — numa espécie de demonstração ao público — que, independentemente de quem entre no caminho da Lava Jato, será devidamente investigado.

A imparcialidade é algo que deve ser trabalhado para a próximo filme — após a apresentação dos créditos, há uma chamada para a segunda edição. Da mesma forma que “Lula, o Filho do Brasil” é uma propaganda a favor do ex-presidente, “Polícia Federal: A Lei É Para Todos — Os Bastidores da Operação Lava Jato” é uma propaganda contrária. E o público deve ter isso claro em mente. l