Conhecida nacionalmente pelo grande número de áreas verdes e organização de seus espaços urbanos, metrópole necessita de transformações para que continue a ser referência em qualidade de vida

Com 80 anos de existência e lar de cerca  de 1,3 milhão de habitantes, Goiânia tem desafios típicos de cidades centenárias | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
Com 80 anos de existência e lar de cerca de 1,3 milhão de habitantes, Goiânia tem desafios típicos de cidades centenárias | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Frederico Vitor

O que precisa ser feito para que Goiânia pos­sa melhorar? Qual modelo a ser adotado pela capital para que de fato ela seja uma metrópole moderna e com qualidade de vida para seus moradores? Tais questionamentos não são feitos apenas por quem pensa a cidade, mas pela grande maioria dos cidadãos que aqui nasceram ou escolheram a segunda maior cidade do Centro-Oeste como lar.

Planejada inicialmente para abrigar 50 mil habitantes, hoje, a capital engloba cerca de 1,3 milhão de moradores em seu município e mais de 2,4 milhões em sua região metropolitana. Apesar de ter apenas 80 anos de existência, ainda jovem no universo das urbanidades brasileiras, Goiânia enfrenta muitos problemas característicos de cidades centenárias, como por exemplo, a crescente incapacidade de atender as demandas em infraestrutura. Os gargalos no trânsito e mobilidade, deficiências no sistema de saúde e a crescente taxa de criminalidade e violência têm sido as maiores preocupações do goianiense.

Inserida numa próspera região em que se encontram duas das principais áreas metropolitanas do País, onde se apresentam os melhores desempenhos econômicos entre as macrorregiões brasileiras, Goiânia forma juntamente com Brasília e Anápolis o terceiro maior mercado consumidor do Brasil.

A capital goiana é nacionalmente reconhecida e identificada pela qualidade de vida que proporciona aos seus moradores. Esta característica, por consequência, acaba por atrair novos moradores de diversas regiões do País, formando dois tipos de fluxos migratórios: os migrantes de alto e baixo poder aquisitivo.

O primeiro são profissionais qualificados, em sua maioria, oriundos das regiões Sul e Sudeste que acabam fixando na capital em função do emprego ou de negócios. O segundo grupo é formado por trabalhadores desempregados que chegam a Goiânia em busca de recolocação no mercado de trabalho e de oportunidades.

Ao mesmo tempo em que estes novos munícipes fazem com que haja mais circulação de dinheiro, aquecendo o comércio e a economia local, há também o aumento de problemas como a queda da qualidade de serviços públicos, como saúde, educação, transportes e segurança pública. Diante deste fato, ter planejamento em longo prazo é o primeiro passo para que Goiânia melhore no futuro. A cidade passou da categoria de urbanidade com influência local para uma metrópole regional, e não se pode delegar o seu crescimento à própria sorte sem intervenção do poder público e da sociedade civil organizada.

Conhecendo a realidade

Desenvolver projetos voltados para a realidade da cidade é o primeiro passo para se obter um melhor ordenamento urbano. Nada adiantaria a liberação de licenças para que se construam torres ao redor de parques se outros aspectos de infraestrutura urbana são deficitários e de má qualidade. Como em toda grande capital, casas e estabelecimentos comerciais localizados em setores centrais passam a ser cobiçados pela especulação imobiliária e acabam por dar espaço para prédios e arranha-céus.

O goianiense que não deseja morar em condomínios horizontais termina forçado a se mudar para regiões limítrofes da cidade. Dependente do carro ou refém do precário transporte público para se locomover até o centro e outros bairros, locais em que geralmente está localizado o seu emprego, este cidadão empurrado para bairros periféricos acaba por sobrecarregar ainda mais o caótico trânsito de Goiânia ao se locomover diariamente na ida e volta do trabalho.

Arquiteto Renato Rocha: ”Goiânia precisa de mais planejamento”
Arquiteto Renato Rocha: ”Goiânia precisa de mais planejamento”

Falta conhecimento

Neste sentido, para se ter planejamento é necessário primeiramente conhecer a realidade de Goiânia. O doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB) Renato Rocha afirma que Goiânia não conta com um instituto ou entidade dedicada à pesquisa e estudos estratégicos do município. Por causa deste desfalque, a prefeitura não tem domínio das informações e conhecimento amplo sobre a realidade da cidade. “Somente com o levantamento de dados temos o cenário completo de Goiânia e, em cada área, se obtém um prognóstico por meio de análises. Só se começa a entender a cidade pela forma como ela funciona.”

Renato Rocha idealiza que o instituto a ser criado com o objetivo de estudar Goiânia e auxiliar em seu planejamento deve prioritariamente trabalhar ligado aos departamentos de pesquisas das principais universidades locais, como a Federal de Goiás (UFG) e a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). “As universidades têm doutores e pesquisadores gabaritados que podem desenvolver ótimos projetos na área de urbanismo, arquitetura e engenharia, contribuindo assim na melhoria da qualidade das construções civis, dos parques e dos equipamentos públicos.”

Entidades como Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), Con­se­lho Regional de Engenharia e A­gronomia (Crea-GO) e o Con­selho Regional de Cor­reto­res de Imóveis (Creci) também devem participar e colaborar ativamente com os estudos de planejamento da cidade. O arquiteto lembra que não se pode copiar ou im­portar modelos existentes em outras capitais, pois cada lugar tem suas particularidades, povos, culturas e costumes distintos. “Se não houver um projeto específico para Goiâ­nia não é possível fazer um planejamento de qualidade e dentro de uma realidade particular.”

Gestão dos espaços públicos é um dos desafios

O grande desafio para Goiânia é a gestão dos espaços públicos. Manter praças e parques bem cuidados parace não ser uma preocupação do poder público, já que se verifica um avançado estado de degradação da maioria deles espalhados pela cidade.

De acordo com o geógrafo Ta­deu Arrais, Goiânia não pode dar pas­sos atrás, como permitir o uso da cal­çada como estacionamento e ser co­nivente com o som automotivo, al­go banido nas principais cidades brasileiras. “Há a necessidade da aplicação da lei do silêncio”, diz. Ele também defende mais planejamento no sentido de criar centralidades distribuídas nas diferentes regiões da capital. “Se as pessoas não vão ao Cen­tro, a gestão pública deve levar a centralidade até as pessoas, pois a questão de mobilidade não é apenas dotar a cidade de meios de transporte.”

Geógrafo Tadeu Arrais: “Precisamos de mais parques lineares”
Geógrafo Tadeu Arrais: “Precisamos de mais parques lineares”

Tadeu Arrais afirma que os novos parques da capital passaram a ser capturados pela expansão do mercado imobiliário. Ele explica que hoje se constroem prédios ao redor destes espaços públicos sem a devida preocupação ambiental. Uma proposta viável seria mais investimento em parques lineares, aproveitando a imensa rede de drenagem, rios e córregos que cortam a capital. “Verticalizar as áreas de parques é uma grande besteira. O poder público tem condições de implantar vários parques lineares, o que seria o diferencial de Goiânia em relação as outras capitais brasileiras.”

Trânsito: infraestrutura relacionada ao transporte público precisa ser melhorada

De acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a quantidade de veículos em circulação em Goiânia cresceu quatro vezes mais do que a população, ou seja, há um carro para cada habitante. São cerca de 1,1 milhão de veículos emplacados na capital e algumas estimativas apontam que aproximadamente 1,4 milhão de veículos circulem diariamente na cidade. Apesar do fluxo da superlativa frota, a malha viária da cidade não sofreu intervenções importantes para suportar o tráfego intenso e caótico, principalmente em horários de picos.

O poder público tenta diminuir o impacto do excesso de carros por meio de interferências pontuais, como a construção de viadutos e trincheiras. Mas, no final das contas, tais medidas acabam se tornando apenas o caminho mais próximo para um novo congestionamento. Não há segredo que para conseguir solucionar o problema do trânsito e mobilidade é preciso priorizar o transporte coletivo em detrimento do individual. Portanto, para que o goianiense começe a entender que é melhor se locomover de ônibus do que em seu próprio carro, o serviço de transporte público precisa ser significativamente melhorado.

O modelo de priorizar o automóvel fracassou em todas gran des cidades do mundo. Em Goiânia não seria diferente, portanto adequar melhor sua infraestrutura relacionada ao transporte coletivo é uma necessidade. Os pontos de parada e terminais devem ser melhorados para que o serviço ganhe qualidade, atraindo assim novos usuários. Mas apenas isso não é suficiente, o transporte não motorizado, ou seja, o pedestre e os ciclistas precisam ser incentivados.

Ciclovias, como a da Avenida T-63, precisam ser interligadas a outras regiões
Ciclovias, como a da Avenida T-63, precisam ser interligadas a outras regiões

Ciclovias em rede

Existem duas importantes ciclovias em Goiânia, uma localizada no canteiro central da Avenida T-63, e a outra no corredor Universitário. Ambas ainda são usadas de forma tímida. Segundo a professora de Arquitetura da UFG e doutora em Transportes Erika Cristine Kneib, o goianiense só vai aderir aos pedais quando houver uma malha de ciclovias, ou seja, uma rede interligada que conduza com segurança os ciclistas para as mais variadas regiões da capital. “As ciclovias da T-63 e do corredor universitário são muito pouco para a dimensão da cidade, por isso não se pode ter apenas uma rota isolada.”

Em relação ao excesso de carros, motos e demais veículos nas ruas, Erika Kneib afirma que as soluções viáveis seriam a implantação da cobrança de estacionamento em área pública com fiscalização para coibir estacionamento em calçadas e locais proibidos. O sistema de rodízio e a proibição do trânsito de automóveis em determinados locais do Centro são medidas válidas ao incentivo do uso do transporte coletivo. “Goiânia precisa de duas medidas a ser executadas com urgência: melhorar o transporte público e priorizar o transporte não motorizado como o pedestre e o ciclista. Se isso não for feito de forma integrada não resolverá em nada o problema de mobilidade urbana.”

Precisa de metrô?

Com o crescimento da Região Metropolitana de Goiânia, a qualidade do transporte público decaiu drasticamente. Moradores dos bairros mais distantes do Centro, às vezes chegam a demorar mais de duas horas para percorrer o trajeto de casa para o trabalho. O Eixo-Anhanguera, importante plataforma que transporta quase meio milhão de passageiros por dia, opera no seu limite de capacidade, principalmente nos períodos de pico. A implantação de novos projetos de transporte de massa como o metrô e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) são alternativas viáveis para melhoria da mobilidade urbana.

Erika Kneib aponta que Goiânia necessita de uma solução rápida e barata, e uma delas é a implantação de corredores exclusivos para ônibus, os BRTs — sistema de corredores de ônibus rápidos — que, segundo ela, realmente agregaria melhoria à velocidade operacional do transporte coletivo. “O projeto de VLT não é um metrô, e sim um transporte leve. Para se começar hoje a construir um projeto de metrô que funcionaria como uma malha levaria de 15 a 20 anos para ser concluído. O que precisamos é de uma solução barata e rápida, que são os corredores exclusivos para o transporte coletivo.”

Saúde é motivo de reclamação dos usuários

Se há uma reclamação recorrente por parte da população de Goiânia esta é em relação ao atendimento na rede pública de saúde . Embora seja referência em determinadas áreas, como na oftalmologia, a demanda de pacientes ainda é grande, o que reflete diretamente em filas intermináveis para consultas e exames, principalmente nos Centros de Assistência Integrada à Saúde (Cais).

Prefeitura reconhece que a saúde é hoje um dos principais problemas de Goiânia
Prefeitura reconhece que a saúde é hoje um dos principais problemas de Goiânia

Outra questão que tem agravado o já sobrecarregado sistema de saúde da capital é a vinda de pacientes de outras cidades e Estados em busca de atendimento médico.

No total, a Secretaria de Estado da Saúde administra nove centros hospitalares, como o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) e o Hospital Geral de Goiânia Dr. Alberto Rassi (HGG). Já na esfera municipal, são 129 unidades de saúde. Entre elas estão os Cais, maternidades e Unidades de Pronto Atendimento (UPA). Segundo o médico psiquiatra e ex-presidente e atualmente conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), Salomão Rodrigues, o que precisa ser feito para melhorar a área da saúde em Goiânia é a mudança do modelo de gestão de todas as unidades.

Rodrigues afirma que atual modelo é travado e que os diretores das unidades enfrentam grandes dificuldades para suprir as demandas, o que acaba sendo refletido na qualidade do atendimento. Para ele, compete ao próprio poder público encontrar um novo padrão que seja pouco burocrático e que busque agilidade de maneira legal em licitação para compra de equipamentos e insumos hospitalares. “O planejamento e a administração de uma unidade hospitalar são extremamente difíceis e as demandas são complexas. É preciso um modelo mais eficiente e menos burocrático de gestão para as unidades de saúde.”

Prefeitura reconhece que há problemas e diz ter projetos para as áreas mais críticas

A Prefeitura de Goiânia enumera quatro fatores que considera ser as maiores preocupações do goianiense: mobilidade urbana, segurança pública, saúde e educação. Na área de mobilidade o principal gargalo é o excesso de veículos individuais. De acordo com o assessor de gabinete do prefeito Paulo Garcia (PT) e ex-secretário extraordinário de Planejamento e Gestão para Resultados, Nel­civone Melo, o município estaria implantando corredores preferenciais e exclusivos para ônibus, previsto no Plano Diretor de Goiânia em vigor desde 2008.

Nelciovone Melo: há dois problemas identificados na Educação. Déficit de vagas para educação infantil e falta de sistema de tempo integral
Nelciovone Melo: há dois problemas identificados na Educação. Déficit de vagas para educação infantil e falta de sistema de tempo integral

Nelcivone Melo afirma que a prefeitura tem recursos assegurados para a implantação destes corredores e que a medida trará impacto positivo ao trânsito da cidade. “Por enquanto não há projetos da restrição do uso de automóveis, mas existe a possibilidade no futuro da elaboração de um que vise a restrição de horários, o rodízio e a redução de vagas de estacionamento para a implantação de ciclovias.”

Na área de segurança pública, a prefeitura entende que esta não é uma questão isolada do governo estadual, também de responsabilidade do município. A Guarda Civil Metropolitana (GCM), por exemplo, tem feito trabalhos em parceria com a PM e há investimentos em equipamentos de comunicação e vigilância eletrônica. “Estamos implantando uma central de monitoramento igual ao que o Estado já tem.”

Na área da saúde, a prefeitura tem verificado que, por ser uma cidade polo, Goiânia acaba atraindo pacientes de outras cidades e outros Estados sobrecarregando o atendimento das unidades. Apesar de a pasta receber o maior investimento do caixa do município, consumindo 25% do orçamento, o Paço tem projetos como a construção de novos hospitais e uma maternidade na região noroeste. “Até o final deste mandato vamos inaugurar várias unidades de saúde e melhorar as já existentes, como o Cais do Novo Horizonte, que foi aperfeiçoado consideravelmente.”

Na Educação há dois problemas identificados pela prefeitura. O primeiro é o déficit de vagas para educação infantil, ou seja, crianças de 6 meses a 6 anos. O Paço tem o objetivo de zerar a demanda e para tal, estaria construindo dez Cmeis que poderão ser inaugurados até o final do ano. O segundo problema é relacionado ao ensino fundamental e a prefeitura deve im­plantar o sistema de tempo integral em todas as unidades escolares que atendem estudante de 7 a 14 anos de idade. “Hoje apenas cerca de 20% destas escolas funcionam em tempo integral e o projeto do prefeito é aumentar progressivamente o número de escolas neste sistema, além de melhorar a qualidade do ensino.”