Mão de ferro da economia brasileira quando o país passou pelo “milagre econômico”, Delfim Netto morreu na última segunda-feira, 12, aos 96 anos de idade. O economista foi chefe do Ministério da Fazenda durante grande parte do regime militar e foi um dos signatários do Ato Institucional nº5 (AI-5), período mais brutal da ditadura no país.

Nascido em 1º de maio de 1928 em São Paulo, se formou na terceira turma da faculdade de economia da Universidade de São Paulo em 1951. Anos depois, Delfim voltou à universidade para lecionar por anos. Lá, se tornou uma espécie de “patrono”. Em 2014, Delfim doou cerca de 100 mil livros de seu acervo para a instituição de ensino.

O economista foi ministro da Fazenda entre 1967 a 1974, nos governos de Costa e Silva e de Emílio Médici. Delfim acreditava no regime de deixar a economia crescer para depois distribuir, se tornando uma figura controversa na economia brasileira.

“Ele era um economista muito bem formado, com uma base teórica bastante sólida, ampla e não ficava preso apenas a lógica do pensamento neoplástico, e tinha uma visão mais ampla da economia. No bojo do governo militar ele se diferenciava também por uma visão desenvolvimentista, diferentemente do ministro da Fazenda por exemplo que ele substitui”, explica o economista Sérgio Duarte.

Delfim voltou ao governo durante o regime de Figueiredo, em 1979, desta vez como ministro da Agricultura e, posteriormente, do Planejamento, onde ficou até 1985. O economista tinha como missão lidar com problemas deixados pelo governo da década anterior, no caso a dívida externa, que na época era gigante, e a hiperinflação. Além disso, a desvalorização de salários e a desigualdade social desenfreada foram outros pontos do “legado” de Delfim.

O desenvolvimento econômico no período é inegável e isso se deve em parte ao modelo desenvolvimentista, empregado no Brasil desde a década de 30. “A política que o próprio regime militar implementou e o Delfim liderou nessa época, ela era um desdobramento da lógica desenvolvimentista, que é uma lógica que vinha desde os anos 30 com o Getúlio e que se baseia exatamente numa participação maior do Estado na economia, no planejamento econômico. Então o Estado teve um papel fundamental no desenvolvimento econômico brasileiro, desde os anos 30 até o final dos anos 70, início dos anos 80. Então toda a política nesse período, e a do Delfim em particular era uma política que defende e deu fim de uma visão complexa disso. De que o problema não era eh só o Estado versus mercado, como se fosse um contra o outro. Ele dizia com toda a razão que o nós temos as duas coisas se complementam”.

“Não existe desenvolvimento em que você não tem uma participação eh articulada entre o Estado e o mercado. E no caso de uma economia periférica com é a Brasileira, o estado tem um papel muito maior a cumprir ainda do que nas economias mais desenvolvidas”, explica Sérgio

Milagre econômico

O “Milagre Econômico” brasileiro foi um período de crescimento econômico acelerado que ocorreu entre 1968 e 1973, durante o regime militar. Nesse período, o Brasil experimentou taxas de crescimento anual do PIB superiores a 10%, um aumento significativo na industrialização e a construção de grandes obras de infraestrutura, como rodovias, usinas hidrelétricas e portos.

Delfim Netto, então Ministro da Fazenda, desempenhou um papel importante na condução dessa fase. A abertura para o capital estrangeiro, a manutenção de taxas de câmbio favoráveis às exportações e a disponibilidade de crédito barato para a indústria são algumas das políticas econômicas que Delfim Netto implementou para promover o crescimento econômico. Ele também controlou a inflação reduzindo preços e salários.

“O principal desafio da nossa economia o de promover o seu crescimento. É conceito da própria teoria econômica que o PIB per capita é tido como principal indicador de desenvolvimento de uma economia. O Brasil era tido como uma economia subdesenvolvida e precisava arrancar-se para o desenvolvimento. E o caminho natural para a teoria é o crescimento do PIB, o crescimento do PIB per capita. Lógico que junto com esse desafio do crescimento do PIB per capita vem o desafio de enfrentar as instabilidades econômicas e sociais. Que o próprio crescimento gera, entre eles a questão da distribuição de renda”, explica o economista Valdivino Oliveira.

“No final da década de 60 e início da década de 70, entre 1968 e 1973, houve um boom econômico no Brasil. Nesse período, o ministro Delfim Neto era o titular do Ministério da Fazenda e, portanto, condutor da política econômica brasileira. O chamado milagre econômico foi marcado por um período de industrialização brasileira, principalmente para reduzir nossa alta dependência de produtos importados e pela construção de grandes obras estruturantes da nossa economia, como estradas, usinas, portos, etc”, continua.

Valdivino relata que um dos principais desafios do período era “o de promover o crescimento da economia, caminho natural para o desenvolvimento. O per capita é tido pelos economistas como o principal indicador de desenvolvimento de uma economia. E junto com esse desafio vieram as instabilidades de preços que normalmente trazem instabilidades sociais, tais como a distribuição de renda. O crescimento e posteriormente o combate a essas instabilidades eram, portanto, os grandes desafios da nossa economia”.

“No longo prazo, a política de investimento em obras de infraestrutura, energia, portos, estradas, etc., preparou o país para a busca do desenvolvimento. Não seríamos hoje uma das dez maiores economias do mundo se naquela época não tivesse a decisão de realizar tais investimentos. Foi uma visão de longo prazo do ministro Delfim. Assim, obras infraestruturais como portos, estradas, energia, realizadas à época, foram fundamentais para o crescimento de hoje”, continua.

Hiperinflação

Após o “Milagre Econômico”, o Brasil entrou em uma crise econômica intensa marcada pela hiperinflação. Esta crise durou dos anos 1980 ao início dos anos 1990. A hiperinflação, que chegou a atingir níveis superiores a 2.000% ao ano, foi um dos principais problemas que o país enfrentou; corroeu o poder de compra dos brasileiros e desestabilizou a economia.

Segundo o economista, é normal que, com a expansão da economia, consequência como a inflação ocorra. “Se a política econômica adotada para a época era uma política expansionista para gerar crescimento do PIB e iniciar o processo de desenvolvimento da nossa economia, é natural que a inflação causada pela expansão econômica fosse a principal consequência do chamado milagre econômico. E era uma questão de trade-off para a época, ou seja, ou você cresce ou você combate a inflação. A opção do governo brasileiro à época foi promover o crescimento econômico”, relata.

O alto endividamento externo acumulado durante o período, o aumento dos preços internacionais do petróleo, que agravou a balança de pagamentos, e a incapacidade do governo de regular o déficit público foram algumas das causas da hiperinflação. Expectativas inflacionárias, indexação generalizada de preços e salários e a crescente desconfiança em relação à moeda nacional alimentaram o ciclo vicioso da inflação elevada.

Com isso, após o período do milagre econômico, uma outra decisão precisou ser feita pelo governo brasileiro. “No final dos anos 70, a inflação, que subverte a ordem econômica e provoca muitas desigualdades sociais, passou a ser o principal problema da nossa economia. Assim, a escolha, ou o chamado trade-off, deveria ser entre combater a inflação ou crescer a economia. Depois de longo período de crescimento, optou-se pelo combate à inflação com a adoção de políticas econômicas retracionistas. Daí, combater a inflação significava abrir mão de crescimento, que evidentemente, através de juros mais elevados e pela contração das despesas públicas, levaria, obviamente, a um período de estagnação econômica, mas um período propício para o combate à inflação”, explica Valdivino.

A estratégia de Delfim Netto, que foi bem-sucedida durante o “Milagre Econômico”, tornou-se menos eficaz nesta época de crise e incerteza persistentes. “Delfim é autor de uma célebre frase de que primeiro temos que fazer o bolo crescer para depois repartir. Daí a sua obsessão pelo crescimento da economia”, completa Valdivino.

A hiperinflação prejudicou o crescimento econômico, aumentando as desigualdades sociais e fomentando a desconfiança nas instituições econômicas do país. A opinião sobre a participação de Delfim Netto durante esse período é dividida. Alguns valorizam sua experiência e capacidade técnica, enquanto outros criticam sua abordagem gradualista e sua relutância em implementar medidas mais rígidas para combater a inflação galopante.

AI-5

O Ato Institucional nº5 (AI-5), promulgado em 13 de dezembro de 1968, foi o mais severo e autoritário de todos os atos institucionais durante o regime militar brasileiro (1964-1985). Considerado um marco de repressão, o AI-5 deu ao Executivo poderes extraordinários para suspender garantias constitucionais, fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares e permitir censura generalizada, prisões arbitrárias e tortura intensificada contra opositores do regime.

Um dos ministros que assinou o documento, Delfim Netto acreditava que a economia deveria ser a prioridade, e que o “custo” da repressão era justificado pelos benefícios do crescimento econômico. A repressão promovida pelo AI-5 garantiu que grandes projetos e investimentos pudessem ser realizados no país sem a interferência de movimentos sindicais ou oposição política.

Porém, mesmo com o sucesso econômico, a imagem do ministro ficou manchada pelo seu alinhamento com a repressão e o controle social. A trajetória de Delfim é marcada pela sua defesa da necessidade de um “choque de ordem” para garantir o desenvolvimento.