Se aprovada da forma como foi apresentada ao Congresso Nacional, sem passar por qualquer mudança, Proposta de Emenda à Constituição distancia empregado da aposentadoria com exagero assustador

Mudanças no regime previdenciário são necessárias, mas não com o carimbo da penalização do empregado, seja ele do setor público ou privado | Foto: Roosewelt Pinheiro/ Arquivo ABr

Augusto Diniz

Desde que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) rompeu definitivamente, no dia 12 de maio de 2016, com a presidente da República eleita na mesma chapa que ele – informação que tenta tratar como de outro mundo –, a cassada Dilma Rousseff (PT), e assumiu interinamente o cargo, desenha-se uma agenda de alterações e reformas bastante restritivas. Há quem diga que o momento exige medidas impopulares para tentar recuperar uma economia em inegável processo de ida para o buraco sem muita perspectiva de ver uma luz no fim do túnel. Nem mesmo a de uma lanterna de acampamento com a bateria já bem fraca, daquelas que, já falha, dá apenas breves demonstrações de que a escuridão parece ainda maior do que não se consegue ver.

Foi nessa mudança de políticas públicas que se adotou o tom da impopularidade para apresentar propostas altamente questionáveis e que mereciam uma discussão muito mais ampla e com diversos setores conflitantes da sociedade antes de ter qualquer possibilidade de bater o martelo sobre um texto finalizado. E o pior foi ver esse tipo de mudança ser apresentada ao Congresso Nacional, seja por meio de Projeto de Lei (PL), como no caso da reforma trabalhista, ou como Proposta de Emenda à Constituição (PEC), formato escolhido para alterar oito artigos da Constituição Federal de 1988, que foi apelidada de Cons­tituição Cidadã.

Depois de evitar uma discussão ampla em sete meses incompletos no poder, o governo federal apresentou a PEC número 287 à Câmara dos Deputados, primeira Casa do Con­gres­­so a analisar a proposta. Um texto com 13 páginas de alterações que, se aprovadas, pas­sam a ser consideradas parte cons­titucional da legislação previdenciária brasileira, e 14 páginas com as jus­tificativas das mudanças propostas na PEC. Tudo com a assinatura do bem aceito e reconhecido por sua com­petência à frente do Banco do Brasil e de outras instituições financeiras do setor privado, o ministro da Fazenda Henrique de Campos Meirelles.

Contribua até os 65

A atual regra previdenciária permite que um homem com 35 anos de contribuição feita ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e uma mulher que atinge 30 anos de trabalho registrados em carteira de trabalho se aposentem. O outro caso é o de quando uma pessoa do sexo masculino chegar aos 65 anos e do feminino com 60, desde que haja 15 anos de contribuição.

Só que essas regras passam a não valer mais se o Congresso não alterar o texto da PEC 287/16. Para o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, acusado pela oposição ao go­verno federal no Congresso, de ser membro titular do conselho de ad­ministração da BrasilPrev, empresa de previdência privada, a nova proposta é a mais justa e viável para conter o rombo no setor, que atingiu os R$ 149,7 bilhões em 2016 na Previdência, de acordo com dados da União.

E sabe qual é a nova proposta? Vo­cê só poderá se aposentar após 25 anos de contribuição. Então ficou me­lhor, não é? Claro que não. A mu­dança é cumulativa com a idade mí­nima de 65 anos para homens e mu­lheres, além do tempo de contribuição.

E o benefício integral?

O slogan do governo federal para convencer o brasileiro de que a reforma é necessária e urgente é o seguinte: “Reforma da Previ­dên­cia. Reformar hoje para garantir o amanhã”. Só esqueceu-se de dizer quem vai conseguir contribuir o mínimo necessário para se aposentar com direito ao benefício integral, que agora passou a ser de 49 anos de trabalho com recolhimento ao INSS a partir de 65 anos.

Não tem informação errada na parte do texto que você acabou de ler. Você, que tem menos de 50 anos se for homem ou 45 para mulher, terá de trabalhar por 49 anos com contribuição ao INSS para garantir o direito à aposentadoria integral, que tem o teto fixado em R$ 5.189 na proposta para servidores públicos.

Argumentos

Mas é claro que parte dos argumentos usados pelo governo federal para tentar subir a idade mínima de aposentadoria do brasileiro faz sentido. Há uma preocupação com a redução do número de trabalhadores ativos que vão pagar a conta dos aposentados, considerados inativos no sistema previdenciário. A expectativa projetada pelo governo é a de que cairá de seis empregados contribuindo com o INSS em 2016 para arcar com uma aposentadoria a somente dois trabalhadores na ativa para cada aposentado em 2050.

Em 1940, a população de idosos no Brasil era de apenas 4% e a população que trabalhava chegava a 53%, com 43% de crianças. A expectativa de vida há 77 anos era de que uma pessoa chegaria a viver até os 45 anos. Quando chegamos a 2010, os idosos batiam na casa dos 10%, a população ativa cresceu para 64%, mas as crianças diminuíram para 23%. A expectativa de vida do brasileiro subiu para 75 anos em 2014 e chegou a 75 anos, 5 meses e 26 dias em 2015.

A projeção do governo é de que, em 2050, tenhamos no Brasil média de expectativa de vida até os 81 anos e que dez anos depois os idosos, aqueles com 65 anos ou mais, cheguem a 40% da população brasileira, que cada vez tem menos filhos. O alerta, que para a União passará a ser cada vez mais vermelho, vem da possível continuidade da projeção de endividamento da Previdência So­cial. Os R$ 149,7 bilhões negativos de 2016 acompanharam o déficit de R$ 85,8 bilhões registrado em 2015. Para 2017, o governo trabalhava em dezembro do ano passado com uma expectativa de registrar até R$ 181 bilhões até dezembro deste ano.

Outros dados

Enquanto a oposição briga pela abertura de uma Comissão Parla­mentar de Inquérito (CPI) no Congresso para passar a limpo os dados do rombo ao dizer que se trata de uma informação falsa, o governo federal deixou de considerar pontos importantes ao subir tanto a idade mínima e o tempo de contribuição para que alguém consiga receber uma aposentadoria integral. É baixa a média das aposentadorias no Brasil, que bate na casa dos 54,7 anos. Há a necessidade, sim, de subir a idade mínima, mas não para 65 anos com 25 de contribuição para se receber um equivalente a 76% do valor total do benefício.

A média de expectativa de vida do brasileiro é de 75 anos e 5 meses, mas há diferença entre estados mais ou menos desenvolvidos, com melhores ou piores condições de vida. Não é possível levar em conta só, por exemplo, a condição atual de Santa Catarina, em que a expectativa de vida chega aos 82,1 anos para as mulheres e 78,7 aos homens. É pre­ciso lembrar que o mesmo Brasil registra expectativas de vida menores, como no Maranhão, que bate nos 70,3 anos para os dois sexos.

Outro problema da PEC 287/16, em alguns poucos pontos abordados neste artigo, é subir a aposentadoria rural aos mesmos critérios exigidos do trabalhador urbano, além de não diferenciar situações vividas por diferentes categorias de empregados.

Resposta

Deixo a discussão se o rombo é ou não verdadeiro para a queda de braço política travada entre situação e oposição. Inclusive o questionamento sobre o aperfeiçoamento na cobrança do recolhimento de INSS que não é feito por muitas empresas, algumas delas já falidas há mais de dez anos, incluídas na lista das maiores devedoras de pagamento de tributos à Previdência.

O fato é que se esperava na Co­missão Especial da Reforma da Previdência, que iniciou seus trabalhos em fevereiro, a apresentação de um relatório favorável à PEC 287/16 muito mais rápido, ainda na primeira quinzena de março. Essa previsão já mudou duas vezes e, até a semana passada, havia ficado para o final do mês. O levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo junto a 35 dos 36 deputados federais titulares do grupo de trabalho da PEC ligou o alerta no governo federal. Nem a fala de Temer sobre a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria ser um ponto “inegociável” tem sido respeitada.

Tanto que oito emendas foram a­presentadas até o momento mudando radicalmente diversos pontos da PEC, entre eles algumas que reduzem a idade mínima e o pedágio de transição para completar o tempo de contribuição para os homens com 50 anos ou mais e mulheres com 45 ou mais de 50% do tempo que falta a trabalhar para 30% ou 25%.

Defensor isolado

Até o momento, é voz única na Comissão Especial o vice-líder do go­ver­no na Câmara, o deputado Dar­císio Perondi (PMDB-RS), que diz acreditar que a totalidade do texto da PEC precisa ser mantido inalterado. Nem o PMDB, partido do presidente Temer, se entende sobre o assunto. Pelos da­dos da Folha, 34 dos 36 parlamentares são a favor de mudanças na proposta, 21 consideram necessárias alterações pontuais e 12 que elas sejam profundas.

São 18 os deputados que querem a redução da idade mínima de 65 para a aposentadoria, 22 são contra a unificação da idade para homens e mulheres, 25 rejeitam os 49 anos de contribuição para alcançar a aposentadoria integral. Dos mesmos 36 parlamentares, 26 não gostaram da regra de transição apresentada e 25 se negam a apoiar a mudança que sobe para 70 anos a concessão de Benefício de Prestação Continuada (BPC) a idosos deficientes e pobres.

A dúvida que fica é se o governo federal de fato acredita que as mudanças, como foram apresentadas, podem ser aprovadas, se foi apenas uma PEC enviada para causar polêmica e facilitar a aprovação de outros projetos, como o da reforma trabalhista, ou se tudo passa pelo poder de negociação de cargos e benefícios a deputados e senadores na hora de ser votado. Sabe o que é mais engraçado de tudo isso? As regras de transição, tempo mínimo de contribuição e idade mínima podem endurecer para empregados da iniciativa privada e servidores públicos, mas políticos que exercem cargos eletivos terão seu regime de fase transitória decidido depois e com a possibilidade de medidas bem mais brandas do que o restante da população.