Novo fundo de campanha pode tornar eleição ainda mais desigual
18 novembro 2017 às 11h06
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Com proibição de doações de empresas a partidos e candidatos, Congresso criou uma reposição de cerca de R$ 1,7 bilhão para manter tudo como está
O Brasil é um país desigual. E insiste em perpetuar a sua desigualdade. Não é à toa que o instituto de pesquisa codirigido pelo economista Thomas Piketty, World Wealth and Income Database, constatou que 61% do crescimento econômico brasileiro vivido entre 2001 e 2014 – no período pré-crise – foi absorvido pelos 10% de brasileiros mais ricos. São esses 10% os mesmos que correspondem a 55% da renda nacional. E na política não é nenhum pouco diferente.
As eleições municipais de 2016 trouxeram poucas novidades ao cenário dos mandatos eletivos de prefeitos e vice-prefeitos, cadeiras majoritárias, com muitos nomes conhecidos sendo reconduzidos aos cargos que já ocuparam. Goiânia é um exemplo de como a falta de recursos causada pela proibição das doações privadas às campanhas dificultou a vida dos novatos no pleito. Iris Rezende (PMDB), que já havia exercido a chefia do Paço Municipal outras três vezes (1966-1969, 2005-2008 e 2009-2010), foi eleito no ano passado no segundo turno.
Para compensar as perdas financeiras na estrutura das campanhas eleitorais, o Congresso Nacional incluiu na reforma política, que acabou com as coligações para cargos no Legislativo, um novo recurso destinado a bancar os gastos com a disputa eleitoral com verba pública. Em uma primeira análise, parece até altruísta da maior parte dos deputados federais e senadores abrir mão da propaganda partidária no rádio e na televisão no primeiro semestre de 2018, ano eleitoral, e de 30% dos recursos destinados às emendas parlamentares. Mas o buraco é bem mais embaixo.
A isenção fiscal dada a emissoras pela transmissão do horário destinado à propaganda dos partidos em períodos não-eleitorais, junto aos 30% do orçamento de 2018 das emendas de deputados e senadores, pode chegar a um valor aproximado de R$ 1,7 bilhão. Esse montante de dinheiro público formará o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Não confunda o R$ 1,7 bilhão do novo recurso para bancar com dinheiro público as campanhas eleitorais com o Fundo Partidário, que continua a existir separadamente e tem aproximadamente R$ 1 bilhão. Os dois caminharão juntos para reforçar o caixa dos partidos na eleição do ano que vem. Mas nesta reportagem, o Jornal Opção tratará apenas do que foi aprovado no dia 4 de outubro pela Câmara dos Deputados em uma votação apertada de 223 favoráveis e 209 contrários.
Tudo depende ainda de uma decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O PSL moveu uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra o novo fundo eleitoral por entender que a proposta não poderia ter sido aprovada como um simples projeto de lei. No processo, o Partido Social Liberal alega que a criação deveria se dar por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Nas mãos da ministra Rosa Weber, a magistrada já informou que enviará a ADI do PSL à apreciação do pleno da Corte antes de emitir um parecer sobre a ação.
Que fundo é esse?
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) tem quatro regras que determinam a divisão dos recursos, que devem ser de aproximadamente R$ 1,7 bilhão para a eleição de 2018. Como precisava ser sancionada pelo presidente Michel Temer (PMDB) um ano antes da data do primeiro turno, o domingo 7 de outubro de 2018, a proposta aprovada pelo Congresso em 4 de outubro deste ano entrou em vigor dois dias depois como a Lei número 13.487. Ela altera a Lei número 9.504, de 30 de setembro de 1997, legislação responsável por estabelecer as normas para as eleições.
Com isso, o FEFC foi incluído na regra das eleições. E é nesse trecho da Lei 9.504, precisamente no artigo 16-D, que passou a constar a primeira de quatro condições para que os 35 partidos registrados hoje no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebam parte desse dinheiro público destinado às campanhas. Cada uma das 35 legendas tem direito a 2% desse fundo de forma igualitária. Só a primeira parte equivale a R$ 34 milhões. Para um partido, que precisa distribuir os recursos recebidos pelo diretório nacional aos estados e municípios, R$ 971.428,57 parece pouco.
O problema é que as outras três regras afastam seis partidos da tentativa de conseguir mais recursos do novo fundo para bancar a campanha de todos seus candidatos em 2018. As siglas PSTU, PCO, PCB e PPL, que não conseguiram eleger deputados federais em 2014, ficam de fora da segunda fatia: “35%, divididos entre os partidos que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por eles obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados”. Se juntam às quatro legendas que terão direito a apenas 2% do FEFC o Novo, sigla criada em 15 de setembro de 2015, e o PMB, que também só passou a existir sete dias depois da fundação do Novo. Os dois não possuem titulares dos cargos de deputado federal.
A divisão dos 35%, que é de R$ 595 milhões, distribuídos aos partidos com deputados eleitos no pleito anterior pela proporcionalidade do número de votos recebido pela sigla, já começa a tornar o fundo muito desigual. Enquanto o PT, que conseguiu 13.554.166 votos em todo Brasil para a Câmara ficará com 14,05% da segunda parcela do FEFC, que corresponde a R$ 83,59 milhões, o PTC, último dos 28 partidos que elegeram deputados em 2014, tem direito a apenas R$ 2,08 milhões pela parte destinada à segunda regra.
Logo atrás do PT surgem partidos que lideram a ocupação de cadeiras pela eleição de 2014, como o PSDB, que ficará com R$ 68,3 milhões, PMDB, que receberá R$ 66,58 milhões, PSB (R$ 38,67 milhões), PP (R$ 38,08 milhões), PSD (R$ 36,77 milhões) e PR (R$ 34,74 milhões). E essa é apenas a parte dos 35% destinados ao percentual de votos de cada partido que conseguiu eleger deputados recebeu. Novo, Rede e PMB, fundados em 2015, não entram no cálculo dessa parte do fundo.
A terceira divisão do fundo aprofunda ainda mais o que podemos chamar de segregação partidária no nosso sistema político eleitoral. Na fatia dos 35% serão 28 dos 32 partidos que existiam em 2014 os contemplados: PT, PSDB, PMDB, PSB, PP, PSD, PR, PRB, DEM, PTB, PDT, SD, PSC, PV, PROS, PPS, PCdoB, PSOL, PHS, Avante, PSL, PRP, Podemos, PEN, PSDC, PMN, PRTB e PTC. Já entre aqueles que têm direito a parte proporcional dos 48% (R$ 765 milhões), que serão distribuídos pela quantidade de titulares pertencentes a cada partido, o número de legendas que colocará a mão nesse dinheiro cai para 26.
Pela configuração atual da Câmara, o PT continua a ter a maior quantidade de titulares. São 62 petistas donos dos mandatos eletivos, o que representa 12,08% da Casa e R$ 92,41 milhões da terceira parcela do novo fundo. O PMDB e seus 59 postos garantirão 11,5% dessa bolada ao partido, valor que equivale a R$ 87,97 milhões. O PSDB com seus 48 deputados titulares receberá R$ 71,52 milhões (9,35%). Os 44 do PP renderão R$ 65,56 milhões (8,57%) à sigla. Partidos como o PRP, que possuem deputados em exercício, mas que não são os donos das vagas, ficam sem recurso vindo dos 48% do FEFC. Quem terá o menor percentual dessa faixa será o PRTB, com apenas um deputado titular (0,19%) e R$ 1,45 milhão.
Distribuição dos recursos é quase um apartheid econômico
Quando a distribuição chega nos últimos 15% do novo fundo público de financiamento das campanhas eleitorais, o distanciamento entre os partidos é ainda maior. Os R$ 255 milhões em jogo na divisão proporcional pelo número de cadeiras de titulares que as siglas têm no Senado é uma realidade semelhante aos 10% de brasileiros mais ricos do País que controlam 55% da renda. Só 16 legendas terão direito à parcela final do FEFC. São elas PMDB (27,16%), PSDB (14,81%), PT (11,11%), PP (7,4%), PSB (6,17%), PSD e DEM (4,93% cada), PR e PDT (3,7%), PTB e Podemos (2,46%), PTC, Rede, PRB, PPS e PCdoB (1,23% cada).
Na última divisão dos recursos do fundo eleitoral criado pelo Congresso em outubro, o PMDB, com suas 22 cadeiras de titulares no Senado, ficará com R$ 69,25 milhões, o maior recurso do bolo dos 15% finais. Os cinco partidos que terão R$ 3,13 milhões cada um por ter apenas um dono de mandato eletivo na Casa são PTC, Rede, PRB, PPS e PCdoB. Apesar de terem senadores no exercício do mandato, os parlamentares do PROS e PSC são suplentes, o que não os dá direito a qualquer parte do dinheiro dividido pela proporção de cadeiras de senadores eleitos.
Quando as quatro divisões do novo fundo são somadas, a disparidade aumenta de forma assustadora. Enquanto o PMDB ficará com 13,22% do FEFC, PSTU, PCO, PCB, PPL, Novo e PMB terão 0,05% dos recursos à disposição para cada um deles. A quantia que será repassada ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro é de R$ 224,78 milhões. Já as seis siglas citadas terão direito aos mesmos R$ 971,42 mil.
O PT surge na segunda posição dos partidos que receberão mais recursos do FEFC. O Partido dos Trabalhadores ganhará R$ 205,31 milhões (12,07%), seguido do PSDB (178,57 milhões), PP (R$ 123,48 milhões), PSD (R$ 106,92 milhões), PSB (R$ 106,02 milhões) e PR (R$ 103,29 milhões). PMDB, PT, PSDB e PP ficarão com 43,09% de todo o fundo eleitoral. Se forem incluídos PSD, PSB e PR – partidos que terão mais de R$ 100 milhões cada –, os sete juntos absorverão 61,66% do novo financiamento público de campanha, o que equivale a R$ 1,048 bilhão. As sete siglas representam 20% do sistema partidário brasileiro. Se comparadas aos 10% mais ricos do Brasil, o funcionamento econômico do financiamento eleitoral é quase tão desigual à distribuição de renda da população.
Pode piorar
A regra do novo fundo, que já dá sinais de grande desigualdade entre os partidos na hora da disputa eleitoral, fica ainda mais estranha quando o assunto é divisão dos recursos públicos de campanha dentro dos partidos. A nova legislação determina quanto cada legenda receberá, mas não detalha quais os critérios devem ser adotados pelos diretórios nacionais na distribuição da verba eleitoral. E deixa tudo na mão dos líderes das siglas pelo novo texto da Lei 9.504: “Os recursos de que trata este artigo ficarão à disposição do partido político somente após a definição de critérios para a sua distribuição, os quais, aprovados pela maioria absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional do partido, serão divulgados publicamente”.
Na prática, os partidos estão liberados para criar suas próprias regras de distribuição dos recursos do novo fundo eleitoral do diretório nacional para os estaduais. Com o veto parcial de Temer, que foi mantido pelo Senado no dia 8 de novembro, a divisão dos recursos do FEFC de acordo com o cargo em disputa não entrou em vigor. A proposta, rejeitada pelo presidente, determinava que 50% do dinheiro fosse para as campanhas de presidente, governador e senador nos partidos, 30% para deputado federal e 20% para deputado estadual e distrital. A regra, que não foi aceita, valeria com divisão de 60% para campanhas de prefeito e 40% de vereador nos pleitos municipais.
Como os partidos ficarão livres para deliberar sobre a divisão dos recursos do novo fundo, cada sigla adotará uma norma particular. O presidente estadual do PSDB, deputado federal Giuseppe Vecci, afirma que ainda aguarda a discussão de como os tucanos dividirão os recursos com os diretórios dos estados para saber como será a distribuição do que tiver em caixa. Já o presidente nacional do PHS, Eduardo Machado, assume que o critério será “100% político”. No caso do partido de Machado, a lógica deve ser a de contemplar com mais recursos os estados nos quais o PHS tem deputados federais. Em seguida, o investimento será prioritário onde houver candidatos considerados potenciais à Câmara.
Um partido que tem chance de receber do diretório nacional uma parcela considerável é o PSD. A proximidade do presidente estadual, secretário Vilmar Rocha (Secima), com o fundador, o ministro Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), pode render parte do fundo destinado ao PSD goiano maior do que em outros estados.
Saiba quanto cada partido deve receber do novo fundo eleitoral (se o valor ficar mesmo em R$ 1,7 bilhão e o STF não barrar a criação do FEFC)
PMDB – R$ 224.784.928,57
PT – R$ 205.311.428,57
PSDB – R$ 178.570.428,57
PP – R$ 123.481.928,57
PSD – R$ 106.923.928,57
PSB – R$ 106.022.128,57
PR – R$ 103.294.428,57
DEM – R$ 83.387.428,57
PRB – R$ 64.041.428,57
PDT – R$ 61.525.428,57
PTB – R$ 58.116.928,57
SD – R$ 38.022.928,57
Podemos – R$ 33.985.428,57
PCdoB – R$ 33.713.428,57
PSC – R$ 30.865.928,57
PPS – R$ 26.530.928,57
PV – R$ 23.691.928,57
PROS – R$ 22.042.928,57
PSOL – R$ 20.614.928,57
PHS – R$ 17.027.928,57
Avante – R$ 14.843.428,57
Rede – R$ 9.998.428,57
PEN – R$ 9.454.428,57
PSL – R$ 8.876.428,57
PTC – R$ 6.190.428,57
PRP – R$ 5.433.928,57
PRTB – R$ 5.161.928,57
PSDC – R$ 4.005.928,57
PMN – R$ 3.827.428,57
PSTU – R$ 971.428,57
PCB – R$ 971.428,57
PCO – R$ 971.428,57
PPL – R$ 971.428,57
Novo – R$ 971.428,57
PMB – R$ 971.428,57
Autor da ação no STF
PSL, partido que entrou com a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no STF contra o novo fundo, ficará na 24ª colocação na divisão do dinheiro. Com R$ 8.876.428,57, Partido Social Liberal receberá 0,52% dos recursos.