Nova lei torna facultativa a taxa de serviço em bares e restaurantes

14 junho 2014 às 13h44

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Após estudo, OAB comprova a inconstitucionalidade da lei municipal que obrigava o pagamento dos 10% aos garçons

Yago Rodrigues Alvim
Raysa Kristine, professora de biologia, de segunda à sexta-feira dá aulas. Nos finais de semana, sai para bares e restaurantes com amigos, para se distrair e colocar a conversa em dia. Assim, como muitos goianienses. Os atrativos da cidade criam sua clientela, desde a boa ambientação, com músicas e aperitivos, ao bom atendimento dado pelos garçons. O papo se complica, muitas vezes, no momento de encerrar a conta. Não há quem diga que não passou, ainda na cidade, pela confusão dos 10% pagos aos serviços prestados.
“Sobre ter o costume de pagar os 10%, eu sempre tive”, contou Raysa. Geralmente fica evidenciada a cobrança nos cardápios dos bares e restaurantes. Poucas vezes a professora foi pega de surpresa, descobrindo sobre a cobrança da taxa pelos serviços prestados apenas no momento do fechamento da conta. Como ela, a estudante Ariane Borges Caldeira paga a taxa de 10%. Ela brinca com o descuido proposital com a bebida e com os pratos, caso não pague a taxa. E, até, em desentendimentos maiores, como discussões sobre a obrigatoriedade da cobrança, pelo estabelecimento. Há uma cultura de cortesia pelo bom serviço. “Eu contribuo, se eu achar que o garçom merece, se não, não”, diz Ariane.
Yara Nunes segue o pensamento: “Às vezes, eu pago. Depende de como eu fui atendida”. Ela é advogada e diz que para o Direito do Trabalho a gorjeta é uma forma de remuneração indireta, paga por um terceiro.
Yara problematiza se todos os estabelecimentos repassam os 10%, a tal gorjeta, aos funcionários. “A população goianiense já se acostumou tanto a pagar, que não discute mais. Raramente, eu vejo alguém criar caso”, disse. Raysa é exemplo de alguém contrário a tal amabilidade: Diz não concordar com a cortesia, pois ter garçons é pura obrigação dos estabelecimentos que trabalham com atendimento ao público. “Deveriam cotar os preços, embutindo o valor das taxas para a manutenção do serviço. É uma obrigação da empresa”.
“Sempre achei abusivo a cobrança dos 10%. Sendo facultativo, dificilmente pagarei, porque tenho a concepção que a empresa já lucra suficientemente com os preços embutidos nos produtos. E o trabalho dos garçons deve ser de excelência, independentemente de cobranças extras”, concluiu a professora.
Tais questões ganharam atenção em fevereiro do ano passado. A Comissão da Advocacia Jovem (CAJ), da seccional goiana da Ordem Brasileira dos Advogados (OAB-GO), realizou um estudo sobre a Lei 8.334, de 2005, de autoria do vereador Djalma Araújo (então filiado ao PT, hoje no SD), aprovada pela Câmara Municipal de Goiânia. A seccional ingressou, em 2013, no Judiciário com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei municipal.
O presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio, concedeu uma entrevista coletiva na quarta-feira, 11, sobre o assunto. “A lei é inconstitucional pela incompatibilidade com a Legislação Trabalhista e com o Código de Defesa do Consumidor, pois criava uma regra trabalhista. Os estabelecimentos que cobravam tinham que repassar o valor aos garçons. E não havia uma fiscalização”, disse. A Legislação Trabalhista é de competência da União, não do município. “Por isso, fomos à Justiça, e, mesmo antes do julgamento do processo, a Câmara voltou atrás, editando uma lei, que já está em vigor, em que torna ou esclarece a não obrigatoriedade desta taxa”, afirma o presidente.
Sobre o medo dos funcionários que contam com esse valor no salário, e até, para os consumidores, com a alta dos preços, Tibúrcio não acredita numa redução de receita ou alta dos preços. “O pagamento dos 10% se refere ao bom atendimento que foi prestado e, nos locais onde for prestado esse bom trabalho, os consumidores continuarão contribuindo com quem os atendeu.” A nova lei, n° 9418/2014 não cria regra, e sim esclarece que é opcional, simplificou o presidente.
Estudo

O estudo foi proposto pela Comissão de advogados em início de carreira, uma Subcomissão de Estudos Jurídicos, da OAB-GO. “O caso chamou a atenção, por a lei regular a questão dos 10%, invadindo matéria de competência da União, a questão trabalhista”, disse o presidente da CAJ, Wanderson de Oliveira, que coordenou o estudo, em 2013, com relatoria de Marta Neres.
“Entendemos que a lei era inconstitucional, feria a Constituição Estadual. Fizemos o estudo e apresentamos à diretoria da Ordem, dizendo que era possível propor uma ADI. A diretoria percebeu que era plausível e ingressou com a ação”, narrou Wanderson. A Comissão de Direito Constitucional da OAB-GO deu um parecer favorável ao estudo e repassou à Jurídica, que encaminhou a ação, que ainda está em andamento.
Wanderson lembra que a Câmara foi citada nessa ação e viu os indícios de inconstitucionalidade. Resolveu, então, editar uma nova lei, a atual, e facultou o pagamento de 10% de taxa de serviço ao consumidor. “A ação provavelmente deve ser arquivada, assim que a Câmara informar que publicou uma nova lei, revogando a lei anterior.”
Os estabelecimentos devem divulgar essa informação, de forma visível, em suas dependências e pode ser autuado e até perder o alvará de licença se não cumprir essa legislação. Wanderson comentou que o órgão que fiscalizará os estabelecimentos ainda será definido pelo prefeito de Goiânia. “A prefeitura ainda não direcionou esta fiscalização. “Nada impede que os próprio lcientes divulguem e auxiliem na fiscalização, pois, vemos muitos comentários nas redes sociais e os consumidores não têm mais essa obrigação, ele paga se quiser.”
A Lei nº 9418/2014 torna obrigatório que “bares, restaurantes, lanchonetes, hotéis e estabelecimentos similares a afixação, em local de fácil visualização, de cartaz que informe aos consumidores/clientes que o acréscimo de 10% (dez por cento) ou de qualquer percentual no valor da despesa, a título de gorjeta ou de tarifa de serviço, é de pagamento opcional”. A letra deve ser grande e visível, disposta em cartaz com dimensões de, no mínimo, 50×60 cm.
Antes, a tese dizia que a porcentagem era destinada aos garçons. Porém, contou o presidente da CAJ, sobre a existência de sindicatos que definiam algumas regras. “Uma porcentagem ficava no estabelecimento, outra para o garçom e, ainda, para os funcionários de cozinha, que davam um suporte para esses garçons”, disse. Esses 10% não ficavam só com os garçons. Hoje, ficou absolutamente facultativo. “Quando vier a conta, o consumidor pode pagar ou não e o estabelecimento dará o destino da contribuição conforme acordos coletivos e até, em outras vias, o consumidor pagará para o próprio garçom” explicou, pontuando sobre a tributação feita, que pode ser de difícil fiscalização, caso o dinheiro seja dado direto aos atendentes.
O consumidor que sentir seu direito ofendido, pode acionar o Procon, municipal ou estadual, e enunciar o estabelecimento que o está obrigando o pagamento da taxa de serviço de 10%. Quanto ao conhecimento, pelas empresas, dessa nova lei, Wanderson diz que o que se espera, quando uma lei é publicada, é que seja de conhecimento de todos. E ressalta a necessidade de divulgação pelas mídias, escritas e televisivas, e nas redes sociais. Ressalva, por fim, que a Associação dos Bares e Restaurantes de Goiânia e os sindicatos atentem à publicação, pois contam com assessoria jurídica competente para dar conhecimento da lei para replicarem aos interessados, evitando assim mal-entendidos e contribuindo com os finais de semana dos goianienses.