O Memorial da Justiça Eleitoral de Goiás (TRE-GO), localizado na Praça Cívica, expõe a história das eleições brasileiras. Ali, os visitantes podem conhecer a vocação democrática do país, que se iniciou ainda em 1532, quando os votos para os administradores das vilas na colônia eram depositados em esferas de barro, até as urnas eletrônicas do século XXI. Também estão expostos documentos históricos, como o processo eleitoral de Juscelino Kubitschek como senador por Goiás, e os registros das primeiras mulheres goianas a votar e a ser eleitas. 

O acervo do Memorial também está disponível de forma virtual, pelo site da instituição. Navegando pelo Memorial Virtual, pode-se conhecer o mobiliário, as vestimentas, os imóveis, fotografias e documentos digitalizados do acervo. A visita possibilita também conhecer um pouco da história da Justiça Eleitoral, ver exposições, galerias, programas, publicações, vídeos institucionais, mapas das Zonas Eleitorais, unidades de Memória, solicitar pesquisas, e, ainda obter mais informações sobre a Memória da Justiça Eleitoral de Goiás.

Pleno do TRE-GO de 1945 a 1999 | Foto: Italo Wolff/Jornal Opção

O Memorial é formado por quatro salas, sendo uma delas o local onde funcionou o pleno da Justiça Eleitoral de 1945 até 1996, com mobília, togas e fotografias da época preservadas. Ali, está exposta a galeria de fotos dos presidentes, juízes federais, desembargadores, juristas e juízes de direito de todo período de funcionamento do TRE-GO, desde a época em que este funcionava na antiga capital da cidade de Goiás. 

Em visita ao Memorial, o Jornal Opção conversou com Filipe Petres Dellon Silva, historiador responsável pela seção de memória no TRE. O historiador explica que o trabalho de reconstrução da história não foi simples: no processo de migração da capital, o poder Judiciário foi o último a ser transferido para Goiânia, em 1937 – ano em que começou a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, que ordenou a queima dos arquivos da Justiça Eleitoral. “Mas, como Goiás estava em processo de transferência da capital, os documentos estavam dispersos e muitos registros sobreviveram”, comenta Filipe Petres. 

Além de recuperar documentos em acervos como o arquivo histórico estadual e o arquivo Frei Simão Dorvi, parte do trabalho do setor de memória do TRE consiste em viajar aos cartórios eleitorais do estado para buscar documentação com relevância histórica. Atas de eleições e de plebiscitos, números de votação, contagens de votos e outros documentos remontam o passado das eleições no estado. 

Além de recuperar, preservar e expor os registros, a missão do Memorial é também ocupar a memória, como explica Filipe Petres: “A ideia é ocupar a memória e deixá-la constantemente disponível no tribunal, além de fazer publicações, comemorações em datas importantes, realizar exposições temporárias.” 

Juscelino Kubitschek, senador por Goiás

“Autorizo o Partido Trabalhista Nacional a regularizar junto ao TRE a minha candidatura para Senador do Estado de Goiás”, assinado Juscelino Kubitschek de Oliveira | Foto: Memorial TRE-GO

Um dos documentos preservados no Memorial é o pedido de registro de candidatura do Presidente Juscelino Kubitschek (JK) ao Senado da República por Goiás, e o processo que JK enfrentou para ocupar o cargo. Mineiro de Diamantina, Juscelino Kubitschek foi o vigésimo primeiro presidente da República, de 1956 a 1961, e posteriormente foi senador até 1964. O início e o fim de sua carreira política estão intimamente ligados ao estado de Goiás

Jarbas Silva Marques, historiador e jornalista radicado em Brasília, afirma que, após o término de seu mandato como presidente, gozando de grande popularidade e aprovação, Juscelino Kubitschek tinha algumas opções: enquanto a escolha mais natural seria retornar ao seu estado de origem, Minas Gerais, acontecimentos imprevistos e intrincada articulação política abriram a oportunidade de JK retornar ao poder mais rapidamente por Goiás.

Jarbas Silva Marques afirmou sobre o acordo que colocou Juscelino Kubitschek no Senado, representando Goiás. “De todos os goianos do século XX, aquele tido como mais preparado era o jurista Segismundo de Araújo Mello. Foi ele quem viu a oportunidade de resolver o problema jurídico de JK.” 

A estratégia foi a seguinte: o senador Taciano de Mello fora eleito senador em 1959 e ainda tinha mais cinco anos de mandato no Congresso Nacional. Entretanto, seu primeiro suplente, Sócrates Mardocheu Diniz, morreu em um desastre de avião entre Belo Horizonte e o Rio de Janeiro. Foi acordada a renúncia de Taciano de Mello, que deixou o cargo vago em janeiro de 1961 e forçou uma eleição solteira para senador em 4 de junho daquele ano. Taciano de Mello foi recompensado com uma indicação a ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal.

“O ‘QG’ da campanha foi montado no Hotel Bandeirantes, na Praça dos Bandeirantes, em Goiânia”, conta Jarbas Silva Marques. “JK disputou a eleição com o apoio de todos os partidos menos um – o Partido Democrata Cristão (PDC), que concorria com o candidato catalano Wagner Estelita Campos”. O pleito foi ganho com folga; foram 146.366 votos de Juscelino Kubitschek contra 26.800 de Wagner Estelita Campos. 

Registro da candidatura de JK | Foto: Italo Wolff/Jornal Opção/Acervo TRE

O jornalista e escritor Hélio Rocha tinha 24 anos na data e se lembra de ter votado em Juscelino Kubitschek. Em entrevista ao Jornal Opção, ele relata: “A minha família era amiga da família do candidato de oposição, Wagner Estelita, e eu tinha amizade com seus filhos. Apesar disso, eu acreditava que Goiás tinha a obrigação de agradecer a Juscelino Kubitschek. A mudança da capital para o planalto foi responsável por trazer progresso para a região e, além disso, foi JK quem construiu a primeira rodovia asfaltada do estado, a BR-153; ele também construiu as duas primeiras universidades do estado, a UFG e a Universidade Católica.”

De 1961 a 1964, a atuação de Juscelino Kubitschek como Senador não teve percalços. Seu mandato como parlamentar, entretanto, foi uma segunda vez interrompido por uma ruptura da democracia. JK apoiou a eleição indireta de Castello Branco após a deposição do então presidente João Goulart, em abril de 1964, com a promessa feita pelo militar de que as eleições em 1965 seriam garantidas.

“Em 1964, todos com a exceção de Tancredo Neves apoiaram a posse de Castello Branco”, afirma Jarbas Silva Marques. “Até Ulysses Guimarães apoiou!” A promessa, entretanto, foi quebrada e em julho Juscelino Kubitschek teve seu mandato cassado.  Hélio Rocha explica a razão da traição sofrida pelo ex-presidente: “A ditadura ficou com medo de JK, porque ele provavelmente concorreria nas eleições de 1965 contra Carlos Lacerda pela UDN, e muito provavelmente ganharia, porque era muito mais popular”. 

Jarbas Silva Marques traz a medida da aprovação: 68%. “JK não tinha mau trânsito com os militares, até porque ele próprio fora médico da Polícia Militar mineira. O problema era a proposta que defendia até mesmo no seu lema de campanha: a reforma agrária. A reforma agrária sempre foi o maior vespeiro do Brasil”, diz Jarbas Silva Marques. 

Traído, Juscelino Kubitschek foi intensamente perseguido pelo regime militar. Jarbas Silva Marques afirma que JK sofreu torturas em um quartel de Niterói, onde teve os pés quebrados. “Os militares o colocaram para depor debaixo de uma escada; o ex-presidente da República, antigo chefe de todas as forças armadas, sendo interrogado por um tenente. Eles colocavam baixas patentes para fazer o interrogatório e assim desmoralizá-lo. JK Foi muito perseguido, teve de viver em Portugal, Nova York, Paris, exilado. Quando voltou, continuou sendo perseguido.” O relato de Jarbas Silva Marques é corroborado pelos documentos e análises da Comissão da Verdade.

Sua última morada foi na “Fazendinha JK”, em Luziânia, Goiás, há 18 quilômetros de Brasília, de onde “pelo menos podia contemplar as luzes de Brasília ao entardecer”, conforme o próprio presidente escreveu em suas memórias. A história de como o local foi escolhido por ele é relatada pelo museu que hoje funciona na Fazendinha JK:

“Juscelino Kubitschek em uma viagem à Brasília teve seu pouso proibido pelo governo militar no Aeroporto De Brasília, como a aeronave estava em pane, foi autorizado o mesmo no Aeroporto Rural De Brasília, que se situa na cidade de Luziânia, GO. Ao chegar a Luziânia com muitas saudades do filho que ele não viu crescer, “Brasília”, pediu para as pessoas ali presentes que o levassem em algum lugar que pudesse pelo menos vislumbrar ao longe a sua criação. Foi levado então para a Rodovia Braluz, KM 18. Decidiu então adquirir a fazenda nesta localização, conhecida como Fazenda Santo Antônio Da Boa Vista no ano de 1969, que já era um projeto estudado pelo Presidente em seu exílio. Ser fazendeiro no Planalto Central. Denominou então a propriedade como Fazendinha JK”.