Máscaras boas e bem utilizadas: a vacina para todos enquanto o encontro com a seringa não chega
27 março 2021 às 17h27
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Usar uma proteção facial PFF2, que veda bem e filtra partículas, pode fazer a diferença entre ser ou não infectado em lugares fechados ou de grande aglomeração
Para começar o texto, uma afirmação polêmica, mas que merece ser debatida: o Brasil já poderia ter voltado à vida praticamente normal se todos usassem máscara. Ou melhor: se todos usassem uma máscara adequada e, mais, soubessem usá-la.
Há cerca de um ano, a Itália, na região da Lombardia, era o que se convencionou chamar de “epicentro” da pandemia do então recém-descoberto Sars-CoV-2, o novo coronavírus. A situação era de pânico e desespero, colapso e corrida contra o tempo. Em uma operação de cooperação e socorro, a China – onde o vírus foi descoberto e, com medidas rigorosíssimas, começava a ser controlado – enviou técnicos para dar suporte às medidas necessárias em meio àquele caos sanitário que ficaria marcado pelo comboio de caminhões militares carregando caixões.
O primeiro espanto que o chefe da comitiva chinesa teve foi logo ao observar as poucas pessoas nas ruas de Bérgamo, a cidade mais atingida: “Onde estão suas máscaras?”, perguntou, diante de italianos que não sabiam o que responder. Por pouco não reagiram com um “mas precisa mesmo?”.
O uso do artefato era visto, então, mais como um costume oriental do que uma necessidade. A China já havia passado pela epidemia de Sars – sigla em inglês para “síndrome respiratória aguda grave” – no começo do século e em várias localidades as pessoas usam máscaras também por conta do alto nível de poluição.
A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) não tinha definição a respeito. No Brasil, o primeiro dos ministros da Saúde na pandemia tupiniquim, Luiz Henrique Mandetta, recomendava que máscaras fossem usadas somente por quem apresentasse sintomas ou para quem estivesse em contato com pessoas doentes. Era período de escassez do produto na forma industrializada. Mas logo veio a recomendação, ainda com Mandetta no comando, de utilizar proteções de pano ao sair de casa.
Máscaras. Hoje ninguém que não seja negacionista imagina, infelizmente, a vida sem elas. Os sonhos ruins comuns que atormentam as noites não se dão mais com o enredo clichê flagrado-pelado-pelas-ruas-da-cidade. Pesadelo de verdade, agora, é aquele em que a pessoa desperta aterrorizada ao se ver sem máscara no meio de uma multidão (recorrente nas noites do autor deste texto, por exemplo). Dramas de uma pandemia.
Vários estudos corroboram a eficiência na redução do contágio com o uso comunitário e correto de máscaras. Por isso, diante de todos os números absurdos da pandemia no Brasil – que chegou a 300 mil mortos em um ano com 100 mil contaminações diárias em números oficiais –, talvez nem Freud explicaria tanta gente, a começar pelo presidente da República, insistindo em se aventurar pelas ruas, terminais e demais aglomerações sem a proteção facial em meio a uma taxa de transmissão altíssima e uma média tão gigantesca de vidas perdidas por dia. Pulsão de morte, psicanalistas? Fica a questão.
O fato é que, a despeito dos insanos, para sobrevivermos como civilização, para viver e deixar viver, teremos de conviver por um tempo ainda considerável com o rosto coberto. Mais: estamos apenas engatinhando no uso das máscaras. E faz-se necessário aprender muito mais sobre elas para melhor usá-las.
Com que máscara eu vou?
Mais do que qualquer outra norma desta pandemia, como isolamento, distanciamento social, mãos limpas e álcool gel – que são realmente imprescindíveis, diga-se –, nada tem se mostrado mais importante útil à sobrevivência e à não contaminação pelo vírus do que esta “descoberta” milenar de controle das pestes: no Ocidente, as máscaras são usadas como proteção desde a Idade Média, quando se intuía que a doença se espalhava pelo ar, contaminado pelo que chamavam de “miasmas”.
Os miasmas são uma espécie de versão empírica dos aerossóis, que, com o avanço dos estudos sobre o comportamento do coronavírus, está cada vez mais relacionados à infecção. certo: muito mais do que qualquer outro insumo, as máscaras têm papel chave na contenção da transmissão da Covid-19. Isso porque o contágio tem sido cada vez mais relacionado com o ar. Aerossóis nada mais são do que partículas invisíveis que uma pessoa espalha ao falar, gargalhar, gritar, tossir ou espirrar e que podem ficar suspensas no ar por minutos (em espaço aberto/bem ventilado) ou até mesmo horas (em lugares fechados). Outra pessoa, no mesmo ambiente, se contaminaria, então, pela inalação dessas partículas contendo o vírus.
Estudos já comprovaram que, na Covid-19, o contágio não se dá, portanto, apenas pelo contato direto ou indireto com gotículas expelidas por uma pessoa infectada (mesmo assintomática, é bom repetir).
Por isso, boas máscaras são essenciais para conter o avanço da disseminação da doença e continuarão fundamentais para a retomada da economia enquanto a vacinação em massa não estiver concluída. Em outras palavras, como dizem várias autoridades da área da saúde, “máscaras são a vacina disponível” (expressão do médico Drauzio Varella) para todos no momento.
“Pátria de máscaras”
O uso de máscaras parece que, pela primeira vez, ganhou um aliado de verdade no governo federal: sabendo que não pode jogar a favor de um lockdown nacional nem contra o inútil tratamento precoce defendido por seu chefe, o novo e quarto ministro da Saúde durante a pandemia, Marcelo Queiroga, vem apostando na proteção facial. Na sexta-feira, 26, ele declarou, ao lado do ressuscitado Zé Gotinha: “Na época da Copa do Mundo, chama de pátria da chuteira. Agora é pátria de máscara.” Dando sequência na metáfora do ministro: como “jogar bem” de máscara e assim “driblar” o corona?
A resposta é bem simples e prática: usando, da melhor forma, a melhor proteção possível. A primeira coisa a saber é que o uso das máscaras em geral nesta pandemia é muito mais um ato de empatia do que de autoproteção: colocá-las é uma forma de proteger o outro, já que podemos estar infectados, mas assintomáticos.
Mas a máscara pode ser também uma ótima forma de prevenção à covid-19 para si mesmo. Desde o início da pandemia, médicos que trabalham diretamente com pacientes de coronavírus conseguiram se livrar da contaminação pelo uso correto, durante o expediente, das máscaras N95, no Brasil conhecidas como PFF2 – sigla para “peça facial filtrante”.
Para entender basicamente a importância de seu uso, tanto as N95 como as PFF2 conseguem filtrar cerca de 95% das micropartículas em suspensão no ar, que outra coisa não vêm a ser senão os… aerossóis! É um poder de filtragem muito superior aos das máscaras cirúrgicas e de pano.
Imagine um metrô em uma cidade grande, às 18 horas, lotado de gente querendo voltar para casa. Num cenário pandêmico, algo extremamente temerário. No Brasil, infelizmente, uma rotina que se repete todo dia – e que é um dos grandes responsáveis pela elevação do número de doentes e mortos entre os mais pobres.
Agora imagine esse mesmo quadro, mas com toda a multidão protegida por máscaras N95/PFF2 usadas da maneira correta: a redução do contágio seria impressionante, garantem vários especialistas em virologia e epidemiologia. A doutora em Microbiologia Natália Pasternak defende que a iniciativa privada esqueça a compra de vacinas e se concentre em a adquirir e distribuir essas máscaras aos trabalhadores. “A N95 (PFF2) reduz muito o risco de infecção numa zona de risco, seja no hospital ou no transporte público”, confirma André Nathan, pneumologista do Sírio-Libanês.
Em Goiás, o governo estadual passou nas últimas semanas a distribuir as máscaras nos terminais de ônibus da região metropolitana de Goiânia. Uma política pública que deveria ter ocorrido há mais tempo, mas que obviamente é válida, desde que haja campanhas intensas de conscientização para seu uso correto.
No mercado, o preço de uma máscara PFF2 pode variar de 4 a 50 reais, dependendo do modelo, mas uma alternativa segura pode ser a combinação de duas proteções: uma para vedar bem a entrada e saída de ar e outra para filtragem. Isso é possível com uma boa máscara de pano e outra cirúrgica (veja dicas abaixo).
PFF2 e outras máscaras – dicas valiosas para seu uso
- As máscaras PFF2 (foto abaixo) são descritas como descartáveis, porque seu uso é para ambientes com alto volume de partículas suspensas (hospitais, demolições e obras de construção civil em geral, por exemplo). Se, porém, sua PFF2 não for muito exigida fisicamente (um ambiente muito contaminado ou “empoeirado”), você com certeza pode usá-la várias vezes;
- Para repetir o uso, antes dê um descanso de pelo menos 48 horas após retirá-la;
- Exatamente pela questão acima, se por exemplo você utiliza diariamente o transporte público, é bom ter pelo menos três PFF2 à disposição, para fazer o revezamento entre elas da melhor forma.
- Nunca lave ou borrife álcool ou outra substância na PFF2, porque isso tira as propriedades eletrostáticas da máscara, prejudicando sua eficiência;
- Não é hora de economizar com máscaras: se você pode comprar a melhor proteção, é algo positivo que fará por você pelos com quem tenha contato. Um dos modelos mais bem elaborados é a Aura 3920+BR, da 3M, um respirador que junta proteção e conforto;
- Não use a máscara PFF2 com válvula. Embora ela realmente melhore a respiração, não é adequada ao momento de uma pandemia, porque não evita a dispersão de gotículas.
- Se você não tem acesso a uma máscara PFF2, pode tentar produzir o mesmo efeito se protegendo com duas máscaras: coloque por baixo uma máscara cirúrgica e tente fechar suas pontas nas laterais, de modo a fazer uma “concha”, aumentando a vedação. Por cima, coloque uma máscara de pano que fique bem ajustada (“grudada”) ao rosto. A combinação é recomendada há meses nos Estados Unidos e multiplica a proteção em várias vezes.
- Homens devem evitar cultivar uma barba durante a pandemia. É que os pelos acabam por abrir minúsculas frestas na máscara, diminuindo a proteção contra o contágio.
- Ter máscaras de pano antivirais é algo que pode ser interessante: embora elas não tenham a eficácia de uma PFF2, elas geralmente se ajustam bem porque seus elásticos também ficam atrás da cabeça e não das orelhas (foto). Coloque sempre um dos elásticos na parte alta posterior da cabeça, para aumentar a vedação.
- Para saber se a proteção está adequada, tente apagar uma vela com um forte sopro após colocar a máscara. Se a chama não se mexer, você está bem protegido.
- Por fim, outro teste importante é bem visualizado com um par de óculos: solte o ar quente dentro da máscara, tentando “embaçar” as lentes e, se isso ocorrer, é sinal de que é preciso ajustar a proteção no rosto.