Quer um termômetro para se medir a vocação dos políticos de um Estado? As frentes parlamentares do Congresso. Divididas por temas, elas podem indicar quais são as pautas e bandeiras com as quais os políticos mais têm afinidade. E no caso da bancada goiana em Brasília, o agro chega a ser uma unanimidade no Senado, por exemplo. Dos nossos três senadores, todos participam da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), hoje composta por 341 integrantes.

Já na Câmara dos Deputados, 64,7% dos nossos representantes participam da FPA. Isso quer dizer, exatamente, que 11 dos 17 parlamentares escolhidos nas urnas pelo eleitor para ocupar uma cadeira na casa legislativa são signatários da frente do agro. E o motivo dessa alta adesão é muito simples: “Goiás é um Estado tradicionalmente ligado ao campo”, resumiu Kaumer Nascimento, sócio da Santa Dica, uma empresa que realiza pesquisas de opinião e mercado desde 1988. “É o maior pilar da nossa economia”, acrescentou o deputado federal Daniel Agrobom (PL).

A força do agronegócio em Goiás é inegável. O Estado tem sete empresas que figuram entre as 100 maiores do ramo no país, de acordo com a revista Forbes. As listadas pela publicação faturaram R$ 1,38 trilhão no Brasil em 2022. Desse montante, só as que nasceram em Goiás somaram R$ 374,12 bilhões, muito por conta da que está no topo do ranking: a JBS, de Anápolis. Com uma receita de R$ 350,69 bilhões, segundo a publicação, é a segunda maior empresa de alimentos do mundo e a segunda maior companhia brasileira, sendo a maior empresa privada em faturamento.

Feira Tecnoshow Comigo ocorre há 20 anos em Rio Verde, Goiás | Foto: divulgação
A Comigo, cooperativa de Rio Verde, é a segunda maior agroindústria de Goiás | Foto: divulgação

Para se ter uma ideia, a empresa goiana citada na lista da Forbes em segundo lugar é a Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo), sendo a 21ª maior de Brasil. Com uma receita de R$ 10,30 bilhões, de acordo com a publicação, reúne mais de 10 mil cooperados na região de Rio Verde, que é o 5º município no ranking nacional de produção agrícola.

E um dos argumentos que elucidam essa tradição goiana utilizado por Kaumer é o seguinte: é muito raro encontrar na cidade uma pessoa que não tenha um “pé na roça”. De fato, o campo faz parte da cultura goiana. E mais do que isso: “Tem peso político. O agronegócio é a força econômica de Goiás. Até os deputados de oposição ao governador na Assembleia têm essa vinculação com o agro. Se não ao grande produtor, mas ao pequeno, aquele da agricultura familiar”, comentou.

Agropolítica

Agora, ao analisar os representantes de Goiás na Frente Parlamentar Agropecuária pelos partidos, a oposição ao governo federal é dominante. O PL tem cinco representantes: quatro na Câmara (Daniel Agrobom, Gustavo Gayer, Magda Mofato e Professor Alcides) e um no Senado (Wilder Moraes). O União Brasil tem dois deputados (Dr. Zacharias Calil e Silvye Alves) assim como o PP (Adriano do Baldy e José Nelto).

O MDB tem uma parlamentar goiana na frente, Marussa Boldrin, assim como o PSC (Glaustin da Fokus) e o PDT também (Flávia Morais). Já no Senado, Vanderlan Cardoso (PSD) e Jorge Kajuru (PSB) completam o time dos goianos. Este último, inclusive, afirma que foi o primeiro a procurar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), assim que o PT assumiu o poder. “Levei os empresários do agronegócio e da indústria e comércio e foram seis horas de reunião”, disse ao comentar sua atuação em prol do agro.

Senador Kajuru faz a ponte do agronegócio com o governo federal em Brasília | Foto: Fernando Leite/ Jornal Opção

O senador Vanderlan explica que, devido à importância do agronegócio para Goiás, “é natural a adesão de tantos parlamentares na promoção de políticas que fortaleçam o setor”. Ele explica que o setor desempenha um papel crucial na economia goiana e é uma das principais atividades do Estado. “Temos que apoiar as iniciativas que favoreçam o agricultor goiano, principalmente o pequeno e o médio. Então, participar da Frente Parlamentar do Agronegócio nos dá condições de participar de forma mais ativa das discussões”, disse.

Vanderlan acredita que é natural a afinidade pelo agro dos parlamentares de Goiás | Foto: Fernando Leite/ Jornal Opção

Daniel Agrobom considera a representatividade do agronegócio em Brasília como “muito boa”. “O agro nunca foi tão bem representado e isso se deve ao crescimento do setor, que tem sido a mola propulsora da economia”, avaliou o parlamentar. Ele acredita que é preciso aproveitar essa força de bancada para brigar por mais recursos para investimentos e juros mais compatíveis. “Precisamos entender o que o governo está pensando e oferecendo para o agronegócio”, cobrou.

Agro x Lula

Ao analisar os primeiros (quase) seis meses do governo Lula, Daniel afirmou que poderia estar melhor. “Ainda está um pouquinho travado. O agro já foi 99% Bolsonaro e quando o PT ganhou houve um impasse. Eu estou vendo o governo tentando atrair o agro e o Plano Safra pode ser uma oportunidade para isso”, sugeriu. Segundo o parlamentar, o ministro da Agricultura prometeu até o dia 30 deste mês anunciar o volume de crédito rural que será oferecido aos produtores e isso pode ser um divisor de águas na relação do agronegócio com a União.

Nos últimos 30 dias, duas visitas do presidente Lula previstas em Goiás frustraram as expectativas. Em Rio Verde, faltou clima. Alegando falta de condições de pouso pelo mau tempo, o petista não apareceu para a ferrovia Norte-Sul, depois de 36 anos de obra, e afirmou por meio de nota oficial que o evento será remarcado para uma hora oportuna. Em Jataí, o PT goiano pediu que Lula comparecesse no aniversário da cidade (comemorado no dia 31 de maio) para inaugurar o anel viário do município. No entanto, o desejo não foi atendido.

Apesar do desencontro entre Lula e o agro, Daniel Agrobom acredita que essa reaproximação é possível e necessária. “Nos próximos quatro anos, o agro vai precisar do governo e essa parceria pode trazer coisas boas”, alertou o deputado. Quem também começa a enxergar esse movimento é Kauman Nascimento, que tem percebido em suas pesquisas recentes (ainda preliminares) que tem crescido a aprovação do governo Lula em Goiás. “Não diria que o agro vai aderir ao PT, mas engoli-lo com menos esforço”, afirmou.

Daniel Agrobom: “reaproximação de Lula com o agro é possível” | Foto: Agência Câmara

Kauman acredita que o homem do campo é muito receptivo, mas também desconfiado. “Enquanto ele não ver as coisas acontecendo, não vai fazer nenhum tipo de adesão. Mas já estão percebendo que o governo Lula não é o comunismo que os opositores pregavam e os posicionamentos recentes do presidente têm mostrado isso”, explicou. E Kauman reafirma que, principalmente no interior, o agro tem muitos representantes. “Muitos vereadores e prefeitos são ligados diretamente ao setor”, completou.

Para as próximas eleições municipais, por exemplo, o deputado federal Daniel Agrobom aposta em um crescimento ainda maior da influência do setor nas urnas. “Vamos ter mais representantes eleitos nas próximas eleições. Quem sabe para no futuro brigar por coisas maiores, como o governo, por exemplo”, projetou otimista. Em Rio Verde, por exemplo, o candidato a prefeito que o agro apoia, costuma ser eleito. E situações como esse costumam se repetir nas cidades goianas.

Novos líderes do agro em formação

Na última semana, Goiânia recebeu o Congresso de Lideranças do Agro em Goiás, megaevento organizado pelo Sistema Faeg/ Senar que reuniu 2.500 pessoas que vieram para a capital em 50 caravanas de todos os cantos do Estado. O objetivo era levar qualificação, interação e conhecimento ao público majoritariamente jovem, a nova geração do agronegócio goiano.

O coordenador da Faeg Jovem de Santo Antônio de Goiás, cidade que fica a menos de 30 quilômetros da capital, Felipe Moura, era um dos participantes do congresso e saiu de lá com uma certeza: “um investimento como esse ajuda a desenvolver o empreendedorismo e o interesse na sucessão familiar no campo. Desperta no agro o interesse pelo agro e é um verdadeiro celeiro de novos líderes”. E, para ele, quando se fala em novas lideranças, fala-se também em inovação política. “A deputada federal Marussa Boldrin, por exemplo, é uma egressa da Faeg Jovem”, lembrou.

O jovem avalia que é impossível negar a influência da política no agronegócio. “O agro tem suas demandas e a política é um jogo de interesses. Justamente por isso o agro precisa de representantes pra defender suas pautas”, declarou. Políticas públicas, inclusive, na visão do jovem, são importantes para o setor que hoje sofre com preços que não cobrem os custos de algumas produções, como é o caso da soja e do milho, por exemplo. “E os custos da produção depende da política econômica do governo”, disse.

Felipe Moura, da Faeg Jovem: o futuro do agro em formação

Para o jovem, os eleitores simpatizam com as lideranças do agro porque vivem essa realidade. “No interior, o agro é dominante”, definiu. E, segundo ele, ter políticos atuantes nesse meio é importante para garantir políticas públicas que darão mais segurança ao homem do campo. “A questão da logística e de melhorias para uma eficiência no custo de produção são as demandas atuais do agro”, detalhou.

Taxa do agro: algo superado?

No último ano, o clima azedou entre o agro e o governador Ronaldo Caiado (UB) com o projeto que criou uma taxa de até 1,65% sobre o agronegócio, com regras específicas, com a promessa de destinar o dinheiro arrecado a um fundo para o desenvolvimento de infraestrutura.  “Toda vez que o produtor for recolher o imposto, vai se lembrar disso”, destacou Kaumer Nascimento.

No entanto, o pesquisador pondera que estudos já verificam o seguinte: “se a secretaria responsável pela gestão desses recursos realmente mostrar que o dinheiro está sendo empregado na melhoria das rodovias, o agro vai relevar a taxação”. E Daniel Agrobom já minimiza a situação: “o impasse que se deu foi pelo momento em que o país estava atravessando. Os grãos não estão em um bom momento, estão com um preço muito barato. Mas Caiado sempre foi representante do agronegócio e hoje acaba sendo uma das maiores lideranças do agro no país”.

E, para o coordenador da Faeg Jovem em Santo Antônio, o parlamento tem sua parcela de culpa. “A taxa foi votada por deputados e deputadas eleitos. Se tivessem mais deputados do agro, eles poderiam defender melhor o setor”, arrematou Felipe, que acredita que nesse momento a relação dos produtores rurais com o governador já está apaziguada. “O Caiado é do agro. No Congresso, defendia pautas do agronegócio. Ainda existe um ou outro descontente, mas o governador soube contornar a situação, apesar de ainda haver alguns entraves”, finalizou.

Desafios do agro

O investimento em formação e informação, inclusive, é o gargalo do agro na visão de Kaumer Nascimento. “O agronegócio é muito impactado por um contexto que às vezes foge do controle por ser uma commodity”, avaliou. E para exemplificar isso, basta olhar a questão dos preços dos grãos hoje no Brasil. “A soja há um ano era vendida por preço cerca de 60% maior do que é hoje. Por isso, os produtores precisam de ter subsídio. Mas eles precisam aprender a administrar”, destacou.

E, na visão de Kaumer, não basta plantar na hora certa e torcer para que chova. “Tem que ter o benefício tecnológico, mas também o recurso administrativo. Tem que ter habilidade para lidar com o mercado”, aconselhou.

Kaumer-do-Nascimento-Foto-Gabriela-Macedo-Jornal-Opcao-1
Kaumer Nascimento: futuro do agro passa pelo investimento em formação e informação | Foto: Gabriela Macedo/Jornal Opção

Além disso, outro ponto importante é investir na agroindústria. “Os políticos têm que promover a industrialização do interior. Na região da Estrada de Ferro, por exemplo, não existe nenhuma indústria de beneficiamento de soja, por exemplo”, pediu. Nas últimas viagens internacionais feitas pelo Governo de Goiás, haveriam inclusive representantes do agro em busca de investidores do ramo. E esse pode ser o caminho do desenvolvimento.

“Pesquisas recentes que fizemos, mostram que cidades com uma agroindústria forte possuem taxa de desemprego abaixo dos índices nacionais. Um operador de máquinas, por exemplo, ganha, em média, R$ 5 mil. Mas não é sobre saber tirar leite, mas fazer isso de uma forma mais lucrativa”, pontuou Kaumer.