Luiz Cláudio Veiga Braga: “Goiás está na vanguarda do combate às fake news”

16 junho 2024 às 00h00

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Luiz Cláudio Veiga Braga assumiu a presidência do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) em 30 de abril. O desembargador afirma que pretende deixar sua marca na Corte, levando a Justiça Eleitoral de Goiás ao protagonismo que seus 92 anos de história merecem. Nesta entrevista ao Jornal Opção, Luiz Cláudio Veiga Braga comenta ainda as questões mais urgentes para o Tribunal neste 2024 eleitoral: o combate às fake news, fraudes de gênero e os esforços para levar educação e conscientização aos eleitores.
Ton Paulo — Quais são, hoje, os principais desafios da Justiça Eleitoral e do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás?
De modo geral, toda a Justiça Eleitoral enfrenta a grande questão das fake news. Inclusive, esse foi o tema do meu primeiro encontro com a ministra Cármen Lúcia no dia seguinte à sua posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Buscamos meios para a identificação rápida das mentiras produzidas nos esgotos da internet, que causam um grau de comoção enorme nas pessoas.
Em Goiás, o TRE sai na vanguarda. Estamos em processo de contratação de um programa desenvolvido pela Universidade Federal de Goiás (UFG) para ser implementado ainda neste ano, antes das eleições. Esse software é capaz de automaticamente identificar publicações falsas com um índice de acerto próximo a 100%. Esta varredura irá acelerar o processo, encaminhando as possíveis fake news detectadas aos órgãos de apuração.
Trata-se de um programa desenvolvido em caráter de ineditismo pela Universidade Federal de Goiás. Outras regiões do Brasil já tentaram automatizar o processo. No encontro entre presidentes de tribunais regionais eleitorais realizado em Macapá, ouvi que a Universidade Federal do Paraná também tenta desenvolver um programa nesse mesmo sentido, mas nós saímos na frente e já devemos aplicar a tecnologia nestas próximas eleições. Nem o TSE tem ainda um software para combate das fake news.
Italo Wolff — Quais são as punições previstas para quem dissemina fake news com intuito de manipular eleições?
Aquele que divulga notícias falsas no sentido de prejudicar um candidato e comprometer a Justiça Eleitoral está cometendo o crime de falsidade. Sai da área civil e vai para a penal. Isso tem ocorrido, mas com baixo grau de punição, porque ainda não existem instrumentos de identificação desse material. Ainda é difícil discernir de imediato se o que um candidato publica sobre o outro é verdadeiro ou falso, por isso precisamos de ferramentas modernas. Se a inteligência artificial está no ataque, vamos usar a inteligência artificial na benfeitoria também.
Em geral, as penas da Justiça Eleitoral são baixas. Mas poderemos ter, como no caso da fraude às cotas de gênero, chapas cassadas por utilizarem fake news durante a campanha. Se alguém se beneficia de uma conduta que é vedada durante o pleito, a consequência é afastar o emprego do mandato. Vamos atuar nesse propósito.
Ton Paulo — Com o passar do tempo, as mudanças sociais também transformam o andamento das instituições. Percebemos um aumento na quantidade de cassações de chapas por fraudes nas cotas de gênero. O que levou ao aumento da atenção dada pelos tribunais eleitorais às questões do gênero?
Como você disse, é um momento social. Hoje, o protagonismo é da discussão sobre cota de gênero. Veja que há um aumento no número de cotas propostas; já se fala em cota de negros e para indígenas. Vivemos a quadra da consagração das minorias, e a mulher está em maior evidência no momento, com cotas já instituídas por lei. Há descumprimento acentuado dessas cotas em fraudes.
Vale comentar o caso concreto, que já foi julgado, de uma candidata a vereadora que não obteve nem um voto — nem o dela. Por que ela não obteve votos? Porque ela ingressou para fraudar a cota de gênero, mas afirmou ter votado no próprio pai, candidato por outro partido. Então, a própria candidata mulher, às vezes, compõe com a fraudação de uma conquista que é histórica.

O que é preciso fazer é a conscientização da sociedade. Não apenas dos eleitores, mas também dos candidatos e dos partidos, de que vivemos um processo histórico de aumento da participação feminina no poder.
Nós vamos aplicar programas para levar o TRE às escolas e comunidades. O foco são as pequenas comunidades, onde a justiça eleitoral quer alcançar e conscientizar o eleitor do futuro. Eu pedi para que fossem incluídos neste projeto, que é conduzido pela escola eleitoral, as comunidades compostas por originais, os indígenas e os quilombolas. Queremos levar discussões e conscientização.
Acima de tudo, temos que levar a informação de que essas fraudes sempre são identificáveis, porque existem políticas de vigilância para detectá-las, com a Justiça, o Ministério Público Eleitoral, os partidos, os candidatos. Então, é bobagem correr o risco de cometer fraudes. O tribunal não deflagra investigações de ofício, mas encaminha todas as suspeitas para os órgãos de competência. É preciso observar o que a lei dispõe.
Ton Paulo — Se diz que a Justiça Eleitoral foi transformada por dois eventos na história recente do Brasil. O primeiro, com os protestos a partir de junho de 2013; o segundo com os ataques do 8 de janeiro de 2023 aos Três Poderes. O senhor concorda com esse ponto de vista?
Acho que a Justiça Eleitoral sofreu um baque nesses dois eventos e foi chamada a se posicionar de forma mais efetiva. O resultado desse posicionamento foi positivo. Pode-se fazer a crítica aos excessos, ela é bem-vinda, mas temos de admitir que a Justiça Eleitoral assumiu um protagonismo que é próprio dela.
Há a compreensão de que a Justiça Eleitoral só atua em período de eleição. Isso não é verdade. A Justiça Eleitoral é constante. O evidenciamento do trabalho da Justiça a partir desses dois eventos foi auspicioso para a Justiça Federal fixar os seus fundamentos e mostrar que está atuante.
O ministro Alexandre de Moraes, apesar das críticas de excesso aqui e acolá, teve uma atuação importante à frente do TSE. O trabalho do ministro repercutiu em todos os tribunais regionais eleitorais.

Ton Paulo — Em quais partes da atuação de Moraes o senhor considera que pode ter havido excesso?
O tema é delicado. Me parece que a principal questão mais significativa é que o ministro Moraes às vezes fala com candência sobre decisões que ainda vai proferir. O assunto deveria ficar para os julgamentos, e o magistrado não deveria nomear, especificar ou individualizar fora dos autos — dá a impressão de que ele está tomando para o lado pessoal. Mesmo com tudo isso, acredito que sua passagem pela Justiça Eleitoral foi consagradora.
A ministra Cármen Lúcia tem uma conduta diferente, mais ponderada. Parece-me que a atuação dela vai dar outro enfoque à Corte, com atuação mais próxima dos TREs, pelo que tudo indica. Anteriormente, havia reuniões dos TREs com o TSE em situações de grave necessidade, mas Cármen Lúcia já programa encontros mensalmente. Esperamos nos reunir para que haja um alinhamento constante na atuação de todos os tribunais, para que não se faça aqui e acolá de modos distintos.
Italo Wolff — O senhor avalia que, após o 8 de janeiro de 2023, a Justiça Eleitoral tem cumprido seu papel de se comunicar e conscientizar os brasileiros sobre a importância da democracia?
Sim. Isso é evidente. A demonstração do 8 de janeiro atraiu repúdio mesmo das pessoas que partidarizaram a invasão; temos um consenso de que aquilo foi algo deplorável. Há a consciência de que, em um país democrático, não se pode ir contra um presidente democraticamente eleito fazendo vandalismo. A Justiça Eleitoral deixou claro que isso não pode, não deve e não vai imperar em lugar nenhum. Então aproveito o tema para voltar ao ministro Alexandre de Moraes, que teve participação qualificada e bem-vinda naquele momento.
Italo Wolff — Estamos em período de pré-campanha, uma etapa por vezes nebulosa, quando pré-candidatos já se comportam pensando nas eleições. O que diferencia a pré-campanha da campanha extemporânea?
A questão mais grave e expressiva é o pedido de voto. Se você ainda não está com sua campanha deflagrada (e isso ocorre a partir das convenções partidárias), você não tem a identificação de quem é efetivamente candidato. É necessário estar abrigado na unidade partidária para ser lançado como candidato e pedir votos. O pedido de voto que se faz antecipadamente é a situação mais confrontadora com a legislação eleitoral.
É muito comum que pré-candidatos peçam votos de forma subliminar. “Sou amigo de fulano” — essa é uma conduta que todo mundo reconhece, e entende a mensagem. A regra é a vedação da campanha antecipada, do pedido de voto fora do período que se estabeleceu.
Após a convenção, você tem um candidato. Até então, não há garantia de quem está pedindo voto realmente terá a candidatura lançada por um partido. O discurso do pré-candidato “se eu for eleito prefeito, vou fazer isso e aquilo” — isso é prometer algo que ninguém sabe se será possível entregar. Pode ser que o partido não dê abrigo ao pré-candidato que afirma essas coisas. Por isso, é propaganda indevida, antecipada e censurável.
Italo Wolff — Por todo este ano, as pesquisas eleitorais devem ser registradas. O que o TRE faz com os dados dessas pesquisas registradas?
O TRE guarda os dados e faz confrontações, se for necessário. Com o registro, é possível apurar se a metodologia foi empregada corretamente, se as informações apuradas em pesquisa atendem ao que foi comunicado, se os dados encontrados pela metodologia não tiveram fraude.
A informação da pesquisa é assunto para a Justiça Eleitoral porque, na verdade, esses levantamentos podem estimular o eleitor a votar em um outro candidato. Esse indicativo de quem deverá ser eleito tem influência sobre as pessoas, que culturalmente pensam “eu não posso perder meu voto; tenho de votar no candidato que está na frente para ter meu voto ‘aproveitado’”. É uma bobagem, mas é uma questão cultural.
A Justiça Eleitoral guarda os dados e pode verificar a metodologia empregada para saber a veracidade daquela informação para inibir fraudes. O fato de a pesquisa estar registrada não significa que ela esteja correta. A legalidade não está no registro; mas a legalidade pode ser verificada quando a pesquisa está registrada. Neste ano, já tivemos várias pesquisas proibidas de circular pela Justiça Eleitoral em cidades goianas.
Euler de França Belém — E as enquetes, que predominam nas redes sociais?
Não há proibição das enquetes porque elas não têm caráter oficial. Você pode perguntar ao seu grupo de amigos quem é o candidato de cada um — contanto que isso não seja divulgado como um dado estatístico. É apenas uma especulação. O que não pode é usar essa enquete para apontar a posição dos candidatos em um suposto ranking.

Ton Paulo — As urnas eletrônicas nunca sofreram tantos ataques quanto nos últimos cinco anos. Quais pontos o senhor pode elencar para evidenciar que nosso sistema eleitoral é confiável?
Eu inverto a lógica da indagação: quais evidências temos de que as urnas não são confiáveis? Aqueles que espalharam essa desinformação nunca comprovaram nenhuma falha. Nunca se demonstrou que os resultados podiam ser adulterados — pelo contrário, as urnas eletrônicas são um sucesso mundial por sua segurança. Aqueles que divulgam que o sistema não é confiável, nunca apontaram dados.
As próprias Forças Armadas que foram indicadas para verificar essa suposta fraude atestaram em relatório que não há nenhum indício de inconsistência nas urnas eletrônicas. Então, a urna é confiável, não há fato concreto que dê a entender o contrário. E, por certo, se em algum momento chegar a informação de que ela é vulnerável, a Justiça Eleitoral não terá dificuldades de fazer aperfeiçoamentos.
Italo Wolff — Como o senhor avalia a autonomia da justiça eleitoral? Existe o argumento de que ela é instrumentalizada ou instrumentalizável. Qual sua percepção sobre a independência do TRE?
A Justiça Eleitoral, como todos os âmbitos da Justiça deste país, tem plena liberdade para decidir, e decide como convém a solução jurídica adequada. Ela age com completa independência de influências externas. Trazendo para minha seara, aqui no TRE de Goiás, nunca senti qualquer garroteamento ou pressão para julgar de uma forma ou outra. Não há penetração de outros segmentos para que os juízes se inclinem em qualquer direção.
Mesmo sendo uma justiça cuja composição parte, na sua maioria, do poder político — porque os integrantes da classe de advogados que compõe o tribunal vem de nomeação presidencial da República. Mas isso não vincula o resultado de julgamentos na hora de decidir.
Ton Paulo — Como o senhor encontrou o TRE-GO deixado pelo último presidente, desembargador Itaney Francisco Campos? Quais marcas o senhor pretende deixar em seu período à frente do Tribunal?
O doutor Itaney deixou o órgão funcionando com todos os seus predicativos, não houve dificuldade alguma, sua condução foi primorosa. Agora, como o processo é evolutivo, eu pretendo seguir adiante, trazendo novidades e instrumentos da modernidade. Quero imprimir a minha marca, porque, sabidamente, o gestor tem que ter o seu DNA na administração.
Quero dar maior visibilidade à atuação do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás. Recentemente, participei do encontro do Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitoral do Brasil (Coptrel), sediado no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Percebi que Goiás não tem o protagonismo que muitos estados menores têm. Por isso, reivindiquei a atuação do TRE-GO nesses colegiados com a garantia de que as reuniões do Coptrel serão feitas aqui no ano que vem. Hoje, Goiás não tem participação, é um degradado, está alheio às discussões, participa apenas como integrante e é conduzido. O que eu quero é protagonismo porque acho que Goiás merece isso. Temos uma justiça eleitoral de 92 anos e que ainda não saiu do anonimato.