Quem antes financiava com doações privadas as candidaturas para receber em troca o pagamento em verbas públicas agora pode estar à frente do processo

Eleito no primeiro turno em 2016, João Dória (PSDB) colocou R$ 4,4 milhões do próprio bolso na campanha
Augusto Diniz
Lembremos de dois casos: a eleição de João Dória (PSDB) na cidade de São Paulo em 2016 e a participação da JBS nas doações privadas de campanha em 2014. Os dois casos são emblemáticos para tentar entender a situação do financiamento de empresas ou o gasto do próprio candidato em sua despesa eleitoral. As últimas eleições estaduais e nacional, ocorridas há quase quatro anos, escancararam uma realidade que não era nova, mas que se repetia e aumentava a cada pleito.
Em 2014, as doações privadas, feitas por empresas e pessoas jurídicas, atingiram 70% dos gastos de campanha daquelas eleições. A principal doadora foi a multinacional dos irmãos Batista, a JBS. Somente ela aplicou R$ 391 milhões em diversas candidaturas. Sim, o verbo correto é aplicar, porque ela fez um investimento com retorno certeiro, como têm comprovado e investigado as operações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF).
A JBS fazia parte daquele grupo privilegiado que incluía bancos, empreiteiras e grandes empresas que apostavam em diferentes adversários nas urnas para garantir seu retorno financeiro em desvio de verba pública ou saírem vencedoras incontestáveis de licitações com diversos governos, seja ele o federal, estaduais ou municipais. Foi, principalmente, a Operação Lava Jato que acendeu a luz da preocupação no Supremo Tribunal Federal (STF). Incomodados com a inoperância dos 594 congressistas brasileiros – 513 deputados federais e 81 senadores, os ministros da Corte mais alta do País cortaram o fluxo ilegal permeado por doações legais que mantinham as eleições como processos desproporcionais regidos pelo poder econômico e candidatos comprometidos com seus financiadores de campanha.
Incomodada com o fim dos recursos infindáveis vindos da inciativa privada despejados em suas candidaturas, parte da classe política tratou de tirar dos cofres públicos recursos para cobrir a falta de verbas possíveis para manter o processo eleitoral como uma manifestação contínua do instituto da reeleição dos que nos cargos estão. Faltava saber o que fazer com os ex-financiadores de campanha, que agora não podem mais doar – legalmente – acima dos 10% dos seus rendimentos como pessoas físicas. O que não é pouca coisa, mas comparado com a mina de dinheiro que eles representavam para os concorrentes eleitos nem chegaria a fazer cócegas.
Com a ameaçada rotina do enriquecimento na vida pública graças à troca de favores entre financiadores e favorecidos, os patrocinadores de candidaturas podem trilhar pelo caminho de eles se tornarem a partir de 2018 os próprios postulantes aos cargos que antes preferiam investir em políticos de carreira. Se no momento anterior à decisão do STF era vantajoso jogar dinheiro em candidatos e esperar o retorno quando a pessoa assumisse, com a nova resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que autoriza o autofinanciamento de campanha em 100% dos gastos, o desafio é tornar os interesses claros aos olhos do eleitor e botar a banca no jogo político das urnas.
Se isso é prejudicial para a democracia e o sistema eleitoral brasileiro? Não é uma resposta fácil. Há ao menos a possibilidade de que pessoas ligadas a empresas como a JBS e empreiteiras, como o caso da Odebrecht, sejam obrigadas a convencer o eleitor com interesses mais claros, já que serão candidaturas ligadas à imagem dessas potências econômicas, não mais candidatos fantoches a serviço de planos escusos feitos na surdina.
Quem pode sofrer muito com a possibilidade de banqueiros e mega-empresários entrarem de vez no modelo político-eleitoral são as estruturas partidárias tradicionais, que tendem a diminuir sua força de articulação e aglutinação ideológica. Siglas menores, conhecidas como legendas de aluguel, tendem a ver o poder econômico fazer com que suas estruturas aumentem em número de eleitos, mas verem suas bandeiras se esvaziarem na mesma proporção.
A política eleitoral tende a agravar a distância entre grandes e pequenos no quesito financeiro, o que pode ampliar as diferenças e atenção às necessidades das minorias e dos menos favorecidos. Poderemos elitizar ainda mais os Executivos e Legislativos? É um risco mais do que iminente. É o que vai de fato acontecer? Ninguém tem como saber.
Independente da avaliação que se faça da figura que será citada a seguir como gestora pública, a eleição do prefeito João Dória (PSDB) em 2016 é um exemplo da desproporção entre os candidatos que o autofinanciamento pode criar. Eleito no primeiro turno, algo inédito na maior capital brasileira, que tem mais de 12 milhões de habitantes, Dória colocou do próprio bolso R$ 4,4 milhões em sua campanha. Para o homem de frente do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), que declarou há dois anos um patrimônio de R$ 180 milhões, autofinanciar 36% do custo total de sua candidatura é pouco perto do que poderia ter investido.
Populismo do apolítico
E deu certo. Os R$ 4,4 milhões de autofinanciamento ajudaram Dória a se tornar o prefeito modelo publicitário não político mais político que São Paulo já elegeu. Tanto que o nome dele ainda consta nas pesquisas de intenção de votos para presidente deste ano. E o tucano chefe do Executivo paulistano é apenas um exemplo do que a resolução do TSE, se for mantida, pode trazer para a política eleitoral brasileira em 2018.
Se antes o Lide tinha o poder de arrecadação, união entre governantes e empresários em torno de interesses dos grandes investidores ainda na figura de financiadores privados de campanha, agora o grupo tem seu líder à frente da maior cidade do País. E o exemplo de Dória tem feito surgir especulações que vão e voltam sobre a presença do apresentador Luciano Huck, da Rede Globo, entre os presidenciáveis. Até mesmo do presidente das Lojas Riachuelo, o empresário Flávio Rocha, como opção nas urnas em outubro. Resta saber se os representantes dos ex-financiadores de campanha chegarão à disputa eleitoral com pautas claras e escancaradas ou adotarão esse novo modelo de populismo que se repagina, mas nunca deixa de existir aqui e no mundo.
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