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Incômodo por mudar rotina e gastar mais tempo ao volante tende a ser trocado por sensação do benefício que virá com conclusão de grandes construções

Possível candidato à reeleição, prefeito Iris Rezende (MDB) depende de como eleitor avaliará intervenções no trânsito | Foto: Prefeitura de Goiânia

Desde a segunda-feira, 16, quando alguém comenta o trabalho da Prefeitura de Goiânia, duas frases se tornaram máximas para retratar a situação da cidade. A primeira delas é “a capital virou um grande canteiro de obras”. A segunda vem praticamente como uma antítese da ideia anterior: “O trânsito está insuportável com os desvios”. O fato é que as duas acabam por ser complementares. Muitas construções em andamento ao mesmo tempo geram expectativa e transtorno.

A gestão Iris Rezende (MDB) adotou como slogan “os transtornos passam, os benefícios ficam”. Usado desde 2005, a frase continua a ser uma marca da divulgação das ações da prefeitura. E se tornou ainda mais presente pela quantidade de obras que a equipe do emedebista iniciou até o momento. Só para citar as maiores, foi retomada a construção do BRT Norte-Sul em diversos pontos da cidade, iniciada a drenagem de parte do Centro, a ampliação da Avenida Leste-Oeste, a construção da trincheira no cruzamento da Rua 90 com as Avenidas 136 e a revitalização da Praça do Trabalhador.

No dia 14 de setembro, a Secretaria Municipal de Trânsito, Transporte e Mobilidade (SMT) interditou trechos da Marginal Botafogo, avenidas Jamel Cecílio e Leopoldo de Bulhões. O impacto das alterações no trânsito só foram sentidos com intensidade na segunda-feira, 16, quando as pessoas saíram cedo de suas casas em maior quantidade. Motoristas se arriscaram na contramão, tentaram inventar novos desvios e se irritaram com o tempo extra perdido no congestionamento.

É o reflexo do início das obras do complexo viário no cruzamento, que inclui a ampliação da pista da Marginal Botafogo, a construção de um viaduto e uma trincheira no local. Serão utilizados R$ 26 milhões para melhorar o trânsito naquela região da cidade. O prefeito prometeu a entrega da construção em até 15 meses, o que estenderia o prazo máximo de conclusão a até dezembro de 2020. A primeira reação dos motoristas que passam diariamente pelo trecho foi reclamar. Mas será que a irritação de agora será a mesma na hora de votar no candidato a prefeito na urna em outubro do ano que vem?

Expectativa criada
O doutor em Ciência Política e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Malco Camargos, destaca que “a avaliação de uma administração é resultado da expectativa criada no momento do voto”. “Se um prefeito promete obras significativas e as entrega, tende a ter uma avaliação positiva”, observa Camargos.

De acordo com a professora de Ciência Política da Universidade Federal de Goiás (UFG), economista e doutora em Geografia, Débora Ferreira da Cunha, a regra geral mostra que investimentos impactam mais positivamente do que de forma negativa na escolha do voto do eleitor. A docente da UFG afirma que há um modelo de gestão adotado por prefeitos que priorizam grandes obras como método de ação. “Há o impacto da dificuldade do dia a dia enquanto dura uma construção, mas esse não costuma ser o fator preponderante na definição do voto.”

De forma geral, o benefício que fica com a conclusão da obra gera bons resultados eleitorais, segundo a professora da UFG. “O que não dá para saber é se no caso específico isso seria um fator decisivo sem a realização de pesquisa para avaliar a existência dessa tendência”, explica Débora. O cientista político da PUC-MG diz que obras “só alavancam a popularidade” de um prefeito “quando o básico é bem feito”. “Não se pode direcionar todos os esforços para a obra e não cuidar do funcionamento dos serviços públicos”, enfatiza Camargos.

Para o doutor em Ciência Política e professor da UFG, Francisco da Mata Tavares, as obras viárias que são pensadas para beneficiar o fluxo de veículos na cidade têm “ostensiva visibilidade” como modelo de intervenção ligado ao “comportamento eleitoral na esfera municipal”. Tavares avalia que viadutos, duplicações de vias e obras pensadas para melhorar o transporte particular “não melhoram as condições de mobilidade, degradam a paisagem urbana e contribuem para os danos ambientais decorrentes do uso intenso de veículos”. “É certo, igualmente, que as obras acarretam transtornos enquanto são realizadas.”

Ao mesmo tempo, o cientista político da UFG afirma que são essas as obras que “costumam ocasionar alguma sensação de alívio ou aprimoramento do trânsito” por um tempo muito curto, “usualmente até nove meses após a inauguração”. E pontua: “Em regra, é quando as eleições acontecem. Assim, o ciclo político-eleitoral parece não sincronizar-se com o ciclo de políticas mais eficientes”, analisa Tavares. O docente afirma que o ideal seria incentivar medidas inicialmente impopulares, mas que promovam o transporte coletivo e modais alternativos, como as áreas destinadas às bicicletas.

Francisco da Mata Tavares: “Obras viárias têm ostensiva visibilidade”; Débora Ferreira da Cunha: “Investimentos impactam mais positivamente”; Malco Camargos: “A avaliação
é resultado da expectativa” | Fotos: Fábio Costa/Jornal Opção, Divulgação/UFG e Reprodução/Facebook

Outros fatores
O docente da UFG cita que o comportamento do eleitor sofre influência de diversos fatores, que incluem sua ideologia, a visibilidade das campanhas, como a pessoa avalia a gestão do prefeito, os impostos e outras situações, como a preferência partidária. “Isolando-se apenas a variável política de mobilidade urbana, é válida a hipótese de que obras com ostensiva visibilidade e resultados favoráveis no curto período do processo eleitoral tendem a contribuir para as candidaturas dos atuais incumbentes.”

É o mesmo ponto avaliado por Camargos. O cientista político da PUC-MG lembra que “obra sozinha não resolve problemas de popularidade”. Mas observa que o eleitor tende a aliviar o peso da análise que faz do prefeito quando a gestão faz investimentos fáceis de serem notados. “Durante a construção da obra o eleitor não pune os gestores. Tem sempre a expectativa das melhorias”, afirma.

Tavares prefere ser cauteloso, assim como a professora Débora Ferreira, por entender que ainda “é muito cedo” para fazer uma avaliação cientificamente confiável, “sobretudo porque não há dados em série sobre o modo como oscila no tempo a popularidade do atual prefeito neste mandato”. O cientista político da UFG ressalta que “candidatos à reeleição com razoável apoio aos seus mandatos e alguma margem fiscal para fazer realizações no ano eleitoral são, sempre, muito competitivos”.

De acordo com Camargos, ter em uma disputa eleitoral um prefeito que concorre à reeleição depois de ter vencido as três últimas disputas na mesma cidade (2004, 2008 e 2016), como é o caso de Iris Rezende, “sem dúvida” é um fator que não pode ser descartado.

“Uma oposição fragmentada não tende a ser problema em eleições em dois turnos. Ao contrário, mais de uma candidatura forte em espectro oposicionista tende a provocar um segundo turno”, comenta Tavares. Mas pontua o professor da UFG que o cenário se altera quando as forças opositoras não caminham juntas no segundo turno, o que tende a favorecer o candidato a reeleição.