H1N1: o surto de uma doença que não tem data certa para aparecer
02 abril 2016 às 11h53

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A sociedade atual vive uma época de transição e, por isso, ainda não compreendeu que o mundo não é regido pelas mesmas regras de antes. Porém, não há necessidade para pânico

Marcos Nunes Carreiro
Mal entramos no outono e o Brasil já se preocupa com o inverno, que só deve começar em meados de julho. A razão: o vírus H1N1, um tipo da influenza A e que causa conhecida gripe suína. O País vive um surto da doença, que, até o momento, já foi confirmada em mais de 300 pessoas e que causou 46 mortes, 10 a mais que no ano passado inteiro.
Na semana passada, esses números causaram certo pânico na população, que correu para os postos de saúde e hospitais particulares à procura de vacinação. A preocupação veio quando não encontraram as vacinas na rede pública e as das instituições privadas se esgotaram rapidamente. A falta é explicada por uma razão: o Ministério da Saúde só esperava que a doença chegasse ao Brasil no inverno, época mais propícia para a sua propagação, e o inverno só começa daqui a quase quatro meses. Assim, a campanha nacional está marcada para acontecer no dia 30 de abril.
Os médicos, portanto, foram surpreendidos tanto quanto o restante da população, quando pessoas começaram sofrer com o agravamento de doenças respiratórias, sobretudo com a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) — uma das principais características da gripe provocada por H1N1 é que ela agride mais os pulmões, podendo provocar falta de ar de uma maneira mais intensa.
Dessa forma, todas as entrevistas de gestores e infectologistas vistas durante a semana passada foram nesse sentido: “não esperávamos a chegada do vírus em março”. Como pegou o País pelo contrapé, o H1N1 já foi responsável por quase 50 mortes, duas delas em Goiás. Trata-se de outro surto nacional, que acontece ao mesmo tempo em que o País trava uma guerra contra a dengue e o zika vírus. Diante disso, o Ministério da Saúde agiu rápido e já permitiu que a campanha de vacinação seja antecipada para evitar novos casos.
Mas o “x da questão” de toda essa situação trata dos motivos do surto. Se o inverno não está chegando, como a gripe se espalhou? Pensemos: a doença é transmitida, em grande parte, pelo contato, isto é, de pessoa para pessoa. Acontece que a influenza teve uma forte temporada no hemisfério norte no último inverno, o que envolve Estados Unidos, Canadá e Europa. Logo, é possível especular que o vírus foi trazido para solo brasileiro.
Esse intenso fluxo de pessoas que transitam entre vários países é responsável, sim, pela ampliação do alcance de várias doenças, sobretudo no Brasil, um país cujo clima é quase único durante todo o ano; um país onde não há uma clara divisão entre as estações do ano — principalmente agora, quando o aquecimento global mexe cada vez mais com as características dessas estações.
Por um lado, o surto de gripe A pode até ter um resultado positivo. Em conversa informal, uma infectologista de Goiânia afirmou que a epidemia está preparando o Brasil, que deve ficar atento para o grande fluxo de pessoas que entrará no País a partir de julho, devido às Olimpíadas, que acontecem em agosto. O evento pode trazer para solo nacional não apenas outro surto de gripe A, mas também de doenças mais graves, como o ebola, que causou, desde 2013, mais de 11 mil mortes, sobretudo na África. A Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a declarar situação de emergência mundial devido à epidemia.
Até o momento, pouco se tem falado sobre as estratégias de combate à entrada de doenças no Brasil durante as Olimpíadas, evento esportivo que deve atrair para o País milhares de pessoas de todo o mundo. Dessa forma, a análise da infectologista goiana vem a calhar. A situação demanda planejamento.
O que é a gripe A
O H1N1 tornou-se conhecido no mundo, em 2009, quando infectou aproximadamente 50 mil pessoas, causando cerca de 2 mil mortes. Desde então, pouco se ouvir falar dela. Mas o que o vírus causa? Em linhas gerais, a gripe é caracterizada por falta de ar, diminuição da saturação de oxigênio e desconforto respiratório, o que pode acabar evoluindo para insuficiência respiratória.
Os sintomas do H1N1 são similares aos sintomas da gripe comum, o que inclui: febre, tosse, garganta inflamada, dores no corpo, dor de cabeça, calafrios e fadiga. Há relatos de diarreia e vômitos, mas não é algo comum. Da mesma forma, também já houve casos de formas graves da doença com pneumonia e falência respiratória.
A grande questão é a forma de transmissão. Como o vírus é transmitido de pessoa para pessoa, especialmente através de tosse ou espirros das pessoas infectadas, alguns cuidados são recomendados. Entra aí a máscara hospitalar que foi tão comum em 2009. Mas há outros:
- Lavar e higienizar as mãos com frequência, principalmente antes de consumir algum alimento;
- Usar um lenço descartável para higiene nasal;
- Cobrir nariz e boca quando espirrar ou tossir;
- Evitar o toque em mucosas de olhos, nariz e boca;
- Higienizar as mãos após tossir ou espirrar para evitar tocar em objetos que terão contato com outras pessoas;
- Não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas;
- Manter ambientes bem ventilados;
- Evitar contato próximo a pessoas que apresentem sinais ou sintomas de gripe.
Sem pânico
Pego de surpresa, o Ministério da Saúde precisou antecipar o envio de doses da vacina contra H1N1. O envio começou na sexta-feira, 1º de abril. A previsão é de que, até o dia 15, 25,6 milhões de doses sejam recebidas pelos estados mais afetados. O número corresponde a 48% do total de lotes de toda a campanha deste ano. Apenas São Paulo, o estado mais afetado, receberá quase 6 milhões de doses.
O problema visto no País com a falta de vacinas é devido à surpresa do surto? Sim, afinal, ninguém esperava tamanha contaminação neste momento. Porém, há outro motivo: o pânico criado na população. As mortes, noticiadas em peso pela imprensa, causaram um estado de alerta, em parte, exagerado em pessoas que, mesmo estando fora dos grupos de risco — crianças de 6 meses a 5 anos, gestantes, idosos, profissionais da saúde, povos indígenas e pessoas portadoras de doenças crônicas e outras que comprometam a imunidade —, correram para as clínicas e postos de saúde em busca da vacina.
Parte da culpa do pânico criado nas pessoas vem da imprensa, com as excessivas pautas sobre o tema. De fato, as vacinas são importantes, mas é necessário que se explique que a prevenção continua sendo uma estratégia mais eficaz.
Tamiflu e as polêmicas envolvendo o combate à gripe A
Tamiflu é um medicamento que tem sido receitado por muitos infectologistas, sobretudo nesse tempo em que as pessoas andam tão desesperadas por um método medicamentoso de prevenção ao H1N1. Em São Paulo, há notícias de que até esse remédio está em falta. Não se encontra Tamiflu nas farmácias, mesmo com o preço podendo chegar a R$ 200 a caixa. Trata-se de outro sintoma do pânico visto na população durante a última semana.
Contudo, existe uma polêmica em torno do remédio. Estudos apontam para certas limitações do medicamento. Em 2014, a Cochrane, entidade internacional que reúne vários cientistas independentes para investigar a efetividade de medicamentos, afirmou que, em relação a casos de influenza em geral, o Tamiflu é tão eficiente quanto um analgésico comum.
Segundo a Cochrane, o Tamiflu não impede a disseminação da doença nem diminui as complicações que ela pode causar. Essa análise é em relação a pacientes ambulatoriais e, no geral, fora dos grupos de risco. Contudo, em pessoas hospitalizadas e em estado grave, o medicamento se mostra bastante útil.
A própria Cochrane admite que a utilização precoce do remédio diminui as taxas de mortalidade em pacientes em estado grave tanto com H1N1 quanto com H3N2, outra modalidade de influenza, reduzindo o tempo de internação — e também de permanência na UTI.
Agora, é importante dizer que o Tamiflu é mais recomendado para pessoas enquadradas nos grupos de risco: crianças de 6 meses a 5 anos, gestantes, idosos, profissionais da saúde, povos indígenas e pessoas portadoras de doenças crônicas e outras que comprometam a imunidade.